Devemos a notícia seguinte à gentileza e ao zelo esclarecido de um dos nossos correspondentes de Saigon † (Cochinchina). †
No século VI antes de nossa era, portanto quase ao mesmo tempo que Pitágoras, e dois séculos antes de Sócrates e Platão, vivia na província de Loulan, † na China, Lao-Tseu, um dos maiores filósofos que jamais existiram. Oriundo da mais ínfima origem, Lao-Tseu † não teve outros meios de instruir-se senão a reflexão e numerosas viagens. Chegado à idade de cerca de cinquenta anos, seja porque suas disposições filosóficas, desenvolvidas pelo estudo, tenham enfim produzido os seus frutos, seja porque, inconscientemente, ele tenha combinado esses frutos com uma revelação particular, escreveu seu livro A razão suprema e a virtude, obra considerada como autêntica, a despeito de sua antiguidade, pelos historiadores chineses de todas as seitas, e com tanto mais autoridade quanto, certamente, não foi incluída no incêndio de livros ordenado pelo imperador Loang-Ti, duzentos anos antes da era cristã.
Para maior clareza, digamos, antes de mais, o que Lao-Tsé designava pela palavra tao. Era uma denominação dada por ele ao primeiro ser; impotente que era para o chamar por seu nome eterno e imutável, qualificava-o por seus principais atributos: tao, razão suprema. À primeira vista parece que o termo chinês… (Aqui o nosso correspondente transcreve esta palavra em caracteres chineses, que o nosso impressor não pôde reproduzir), cuja pronúncia figurada é tas, tem alguma analogia, do ponto de vista fonético, com o Théos dos gregos, ou o Deus dos latinos, de onde veio o nosso vocábulo Deus. E, contudo, ninguém acredita que a língua chinesa e língua grega jamais tenham tido pontos comuns. Aliás, a anterioridade reconhecida da nação e da civilização chinesa basta para provar que esta expressão é um idiotismo chinês. n
O tao, ou a razão suprema universal de Lao-Tseu, tem duas naturezas ou modos de ser: o modo espiritual ou imortal e o modo corporal ou material. A natureza espiritual é a natureza perfeita; dela é que emanou o homem; é a ela que ele deve voltar, desprendendo-se dos laços materiais do corpo; o aniquilamento de todas as paixões materiais, o afastamento dos prazeres mundanos, são meios eficazes de se tornar digno de a ela retornar. Mas escutemos falar o próprio Lao-Tseu. Servir-me-ei da tradução de Pauthier, sinólogo tão erudito quão consciencioso. Seus trabalhos sobre a filosofia chinesa e sua doutrina são tanto mais notáveis e isentos de suspeita quanto, morto há muito tempo, ignorava até o nome da Doutrina Espírita.
Na vigésima primeira seção da razão suprema, Lao-Tseu estabeleceu uma verdadeira cosmogonia:
“As formas materiais do grande poder criador não passam de emanações do tao; é o tao que produziu os seres materiais existentes. (Antes) não havia senão uma confusão completa, um caos indefinível; era um caos! uma confusão inacessível ao pensamento humano.
“Em meio a esse caos havia um princípio sutil, vivificante; esse princípio sutil, vivificante era a suprema verdade.
“Em meio a esse caos havia seres, mas seres em germes; seres imperceptíveis, indefinidos.
“Em meio a esse caos havia um princípio de fé. Desde a antiguidade até os nossos dias, seu nome não desapareceu. Examina com cuidado o bem de todos os seres. Mas nós, como conhecemos as virtudes da multidão? Por esse tao, essa razão suprema.
“Os seres de formas corporais são formados da matéria primeira, confusa.
“Antes da existência do Céu e da Terra havia um silêncio imenso, um vazio incomensurável e sem formas perceptíveis.
“Só ele existia, infinito, imutável. Circulava no espaço sem experimentar qualquer alteração.
“Pode-se considerá-lo como a mãe do Universo; eu ignoro o seu nome, mas o designo por seus atributos, e o digo Grande, Elevado.
“Sendo (reconhecido) grande, elevado, eu o chamo: grande ao longe.
“Sendo (reconhecido) grande ao longe, eu o chamo: distante, infinito.
“Sendo (reconhecido) distante, infinito, eu o chamo: o que é oposto a mim.
“O homem tem a sua lei na Terra;
“A Terra tem a sua lei no Céu,
“O Céu tem a sua lei no Tao ou a razão suprema universal;
“A razão suprema tem a sua lei em si mesma.”
Em outro lugar diz Lao-Tseu:
“É preciso esforçar-se para chegar ao último grau da incorporeidade, a fim de poder conservar a maior imutabilidade possível.
“Todos os seres aparecem na vida e realizam os seus destinos; contemplamos as suas renovações sucessivas. Esses seres materiais se mostram incessantemente com novas formas exteriores. Cada um deles retorna à sua origem.
“Retornar à sua origem significa tornar-se em repouso,
“Tornar-se em repouso significa cumprir o seu mandato;
“Cumprir o seu mandato significa tornar-se eterno;
“Saber que se torna eterno (ou imortal) significa ser esclarecido;
“Não saber que se torna imortal é ser entregue ao erro e a todas as sortes de calamidades;
“Sabendo-se que se torna imortal contêm-se e se abraçam todos os seres;
“Abraçando todos os seres numa afeição comum, é-se justo, equitativo para todos os seres;
“Sendo justo e equitativo para todos os seres, possuem-se os atributos do soberano;
“Possuindo os atributos do soberano, tem-se a natureza divina;
“Tendo a natureza divina, chega-se a ser identificado com o tao;
“Estando identificado com a razão suprema universal subsiste-se eternamente; mesmo sendo o corpo posto à morte, não se deve temer nenhum aniquilamento.”
Vejamos agora qual é a moral da filosofia chinesa.
“O santo homem não tem um coração inexorável; faz o seu coração segundo o coração de todos os homens.
“Devemos tratar o homem virtuoso como um homem virtuoso; também devemos tratar o homem vicioso como um homem virtuoso: Eis a sabedoria e a virtude.
“Devemos tratar o homem sincero e fiel como um homem sincero e fiel; também devemos tratar o homem não sincero e infiel como um homem virtuoso: Eis a sabedoria e a sinceridade.”
Essas máximas correspondem ao que chamamos indulgência e caridade. O Espiritismo, demonstrando que o progresso é uma lei da Natureza, precisa melhor este pensamento, dizendo que é necessário tratar o homem vicioso como podendo e devendo um dia, em consequência de suas existências sucessivas, tornar-se virtuoso, para o que lhe devemos fornecer os meios, em vez de o relegar entre os párias da danação eterna e pensando que nós próprios talvez tivéssemos sido piores do que ele.
Toda a doutrina de Lao-Tseu respira a mesma mansuetude, o mesmo amor pelos homens, junto a uma elevação extraordinária de sentimentos. Sua sabedoria se revela sobretudo na passagem seguinte, na qual ele reproduz o célebre axioma da sabedoria antiga: Conhece-te a ti mesmo, † sem que tenha tido conhecimento da fórmula de Tales:
“Aquele que conhece os homens é instruído;
“Aquele que se conhece a si mesmo é verdadeiramente esclarecido.
“Aquele que subjuga os homens é poderoso;
“Aquele que se domina a si mesmo é verdadeiramente forte.
“Aquele que realiza obras difíceis e meritórias deixa uma lembrança durável na memória dos homens.
“Aquele que não dissipa a sua vida é imperecível;
“Aquele que morre e não é esquecido tem uma vida eterna.”
Como faz notar o eminente tradutor, é certo que não se encontraria na Grécia, antes de Aristóteles, uma série de sorites n tão logicamente encadeadas. Quanto aos princípios mesmos, constituem, seguramente, uma doutrina, e se é certo que esta nada contém de incompatível com o que admite a razão, por que não seria tão boa quanto outras, que dificilmente suportam a discussão?
Já o disseram: “A verdadeira religião, necessária à salvação, deve ter começado com o gênero humano.” Ora, desde que ela é essencialmente una, como a verdade, como Deus, a religião primitiva já era o Cristianismo, assim como o Cristianismo, depois do Evangelho, é a religião primitiva consideravelmente desenvolvida.
Nesta série de ensinamentos não vemos retraçados os mesmos princípios que servem de base ao Espiritismo, à exceção de um único ponto, a leve tendência panteísta da não distinção, ou antes, da identificação da criatura santificada com o Criador? tendência que, se viciosa, pode ser devida à influência do meio em que vivia o filósofo Lao-Tseu, talvez a uma sequência muito longa, dada a essa notável cadeia de argumentos ou, enfim, à imperfeita interpretação que demos de seu próprio pensamento.
Se, pois, como está constatado, Lao-Tseu é posto, pelos séculos, no número dessas vozes potentes de sabedoria e de razão, que as leis providenciais e naturais das sociedades humanas fazem surgir em certas épocas, para protestar energicamente contra um estado de dissolução social e reconduzir os espíritos aos destinos eternos do gênero humano; se sua doutrina pode ser a base da verdadeira religião, a qual, como vimos, sendo necessária à salvação, deve ter existido de todos os tempos. Desde que os princípios filosóficos do Espiritismo não são, em substância, senão os de Lao-Tseu, não se pode considerar a verdade da Doutrina Espírita como estando provada, moralmente, fora dos ensinamentos do Cristo?
Observação. – Como se vê, os chineses não são absolutamente tão bárbaros quanto geralmente se pensa; eles são, de longa data, nossos irmãos mais velhos em civilização, e alguns dentre eles serviriam de exemplo a mais de um dos nossos contemporâneos em matéria de filosofia. Como é, então, que um povo que teve sábios como Lao-Tseu, Confúcio e outros, ainda tenha costumes tão pouco em harmonia com tão belas doutrinas? Outro tanto se poderia dizer de Sócrates, Platão, Sólon, etc., em relação aos gregos; do Cristo, cujos preceitos estão longe de ser praticados por todos os cristãos.
Os trabalhos desses homens, que aparecem de longe a longe entre os povos, como meteoros da inteligência, jamais são estéreis; são sementes que ficam durante longos anos em estado latente, que não aproveitam senão a algumas individualidades, mas que as massas são incapazes de assimilar. Os povos são lentos em modificar-se, até o momento em que um abalo violento os venha tirar de seu torpor.
É de notar que a maior parte dos filósofos pouco se preocupou em pôr em prática as suas ideias. Inteiramente voltados ao trabalho da concepção e da elaboração, não tiveram o tempo e, por vezes, nem mesmo a aptidão necessária para a execução do que concebiam. Este cuidado incumbe a outros, que dele se penetram, e são muitas vezes esses mesmos trabalhos, habilmente postos em ação, que servem, ao cabo de vários séculos, para agitar os povos e os esclarecer.
Poucos chineses, à exceção de alguns letrados, sem dúvida, conhecem Lao-Tseu. Hoje que a China está aberta às nações ocidentais, nada haveria de impossível em que estas contribuíssem para vulgarizar os trabalhos do filósofo em seu próprio país. E quem sabe se os pontos de contato existentes entre a sua doutrina e o Espiritismo não será um dia um traço de união para a aliança fraterna das crenças? O que é perfeitamente certo é que quando todas as religiões reconhecerem que adoram o mesmo Deus sob diferentes nomes; que lhe concedem os mesmos atributos de soberana bondade e justiça; e que não diferem senão na forma de adoração, os antagonismos religiosos cairão. É a esse resultado que deve conduzir o Espiritismo. [Vide Taoísmo]
[1] É quase supérfluo dizer que a palavra chinesa tao não tem qualquer relação com o sentido da palavra francesa tas, que dela tem apenas a pronúncia figurada.
[2] [Sorites:
vide silogismo.] †