O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano XI — Março de 1868.

(Idioma francês)

Flageolet.

Espírito mistificador.
(Sumário)

O fato seguinte nos é relatado por um dos nossos correspondentes de Maine-et-Loire,  †  o Sr. doutor E. Champneuf. Embora em si mesmo o fato não saia do círculo dos fenômenos conhecidos de manifestações físicas, é instrutivo no sentido de provar, uma vez mais, a diversidade dos tipos que se encontram no mundo invisível, e que, aí entrando, certos Espíritos não se despojam imediatamente de seu caráter. É o que se ignorava, antes que o Espiritismo nos tivesse posto em relação com os habitantes desse mundo. Eis o relato que nos é dirigido:


“Permiti-me vos dar a conhecer um fato bastante curioso, não de um transporte, mas de uma subtração por um Espírito, produzida há oito dias em nosso meio.

Há um Espírito, frequentador do nosso grupo de Saumur  †  há vários anos, que, desde algum tempo, se fez ainda mais familiar do nosso grupo de Vernantes.  †  Disse chamar-se Flageolet; mas nosso médium, pelo qual se fez reconhecer, e que, com efeito, o conheceu quando vivia neste mundo, nos disse que ele tinha o nome de Biron, violinista, muito corajoso, boêmio, correndo tabernas onde fazia dançar. É um Espírito leviano, mistificador, mas não é mau.

Assim, Flageolet instalou-se em casa de meu irmão, onde ocorrem nossas sessões. E os almoços e jantares são alegrados pelas árias tocadas, que lhe pedem ou não, feliz quando os copos e os pratos não são derrubados por seus gracejos deveras escandalosos.

Há oito dias meu irmão, que fuma bastante, tinha, como de ordinário, sua tabaqueira ao seu lado; sobre a mesa e, como também de costume, Flageolet assistia ao jantar de família. Após algumas árias e marchas, o Espírito se pôs a tocar a ária: Tenho bom tabaco em minha tabaqueira. Nesse momento meu irmão procurou a sua, que não estava mais ao seu lado; relanceou o olhar em torno de si, remexeu os bolsos, nada. A mesma ária continua com mais animação; ele se levanta, explora a mesinha da chaminé, os móveis, leva as investigações até os cômodos vizinhos e a ária da tabaqueira, cantada com mais vigor, o persegue com redobrada zombaria, à medida que ele se afasta e se anima em suas buscas. Se se aproxima da chaminé, as batidas tornam-se mais fortes e mais precipitadas. Enfim o procurador, irritado com essa harmonia impiedosa, pensa em Flageolet e lhe diz: — Foste tu que pegaste minha tabaqueira? — Sim. — Queres ma devolver? — Sim. — Pois bem! fala.

Tomaram o alfabeto e um lápis e o Espírito dita: “Eu a pus no fogo.” Remexem as cinzas muito quentes e ali encontram, no fundo da lareira, a tabaqueira, cujo pó estava calcinado.

Todos os dias há alguma surpresa de sua parte ou algum truque à sua maneira. Há três dias ele nos deu a conhecer o conteúdo de um cesto bem amarrado, que acabava de chegar.

“Ontem à noite, era uma nova malícia contra meu irmão. Este, durante o dia, entrando em casa procura o boné que usa no interior e, não o encontrando, decide não pensar mais no caso. À noite, Flageolet, sem dúvida aborrecido de tocar suas árias sem que lhe dessem atenção, e sem que pensassem em o interrogar, pediu para escrever. Pusemo-nos à sua disposição e ele ditou:

“— Eu surrupiei teu barrete. — Queres dizer onde está? — Sim. — Onde o colocaste? — Eu o dei a Napoleão.

“Persuadidos de que era uma brincadeira do Espírito, perguntamos: — Qual? — O teu.

“Desde alguns anos há uma estátua de Napoleão I, de médio porte, na sala onde se realizam as nossas sessões. Dirigimo-nos para a estátua, lâmpada na mão, e encontramos o boné desaparecido, que recobria o pequeno chapéu histórico.”


Observação. – Tudo, no Espiritismo, é assunto de estudo para o observador sério; fatos aparentemente insignificantes têm sua causa e esta causa pode ligar-se aos mais importantes princípios. As grandes leis da Natureza não se revelam no menor inseto, como no animal gigantesco? no grão de areia que cai, como no movimento dos astros? O botânico despreza uma flor porque é humilde e sem brilho? Dá-se o mesmo na ordem moral, onde tudo tem o seu valor filosófico, como na ordem física tudo tem o seu valor científico.

Enquanto certas pessoas não verão no fato acima relatado senão uma coisa curiosa, divertida, um assunto de distração, outros aí verão uma aplicação da lei que rege a marcha progressiva dos seres inteligentes e colherão um ensinamento. Sendo o mundo invisível o meio onde fatalmente desemboca a Humanidade, nada do que pode ajudar a torná-lo conhecido poderia ser indiferente. O mundo corporal e o mundo espiritual, desaguando incessantemente um no outro, pelas mortes e pelos nascimentos, se explicam um pelo outro. Eis uma das grandes leis reveladas pelo Espiritismo.

O caráter desse Espírito não é o de uma criança travessa? Entretanto, em vida era um homem feito e mesmo de certa idade. Então alguns Espíritos retornariam crianças? Não; o Espírito realmente adulto não volta atrás, como o rio não remonta à sua fonte. Mas a idade do corpo não é absolutamente um índice da idade do Espírito. Como é necessário que todos os Espíritos que se encarnam passem pela infância corporal, resulta que em corpos de crianças se encontram, forçosamente, Espíritos adiantados. Ora, se esses Espíritos morrem prematuramente, revelam sua superioridade desde que se despojaram de seu envoltório. Pela mesma razão, um Espírito jovem, espiritualmente falando, não podendo chegar à maturidade no curso de uma existência, que é menos que uma hora em relação à vida do Espírito, um corpo adulto pode encerrar um Espírito criança, pelo caráter e pelo desenvolvimento moral.

Flageolet pertencia incontestavelmente a esta última categoria de Espíritos; avançará mais rapidamente que outros, porque apenas tem em si a leviandade, e no fundo não é mau. O meio sério no qual se manifesta, o contato de homens esclarecidos amadurecerão suas ideias; sua educação é uma tarefa que lhes incumbe, ao passo que nada ganharia com pessoas fúteis, que se teriam divertido com suas facécias, como com as de um palhaço.


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