O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Revista espírita — Ano XI — Fevereiro de 1868.

(Idioma francês)

Síntese da Doutrina Espírita.

Por Florent Loth, n de Amiens.  † 

Esse livro, que apenas pudemos anunciar em nosso último número, é um resumo dos princípios mais essenciais da Doutrina Espírita. Compõe-se, em sua maior parte, de citações textuais tomadas das obras fundamentais, e de exemplos tirados de O Céu e o Inferno, próprios a dar, sobre as consequências da maneira pela qual se emprega a vida, uma ideia mais justa, mais racional, mais satisfatória e, sobretudo, mais conforme à justiça de Deus que a doutrina das chamas eternas. O autor não faz de seu livro uma questão de amor-próprio, nem de interesse. Espírita fervoroso e devotado, publicou-o sobretudo com vistas a propagar a Doutrina nos campos de seu Departamento; a modéstia de seus pontos de vista não impede que esse livrinho possa ser muito útil em outros lugares.

Eis o relato que o Journal d’Amiens, de 29 de dezembro de 1867, deu desse opúsculo. Fazemo-lo seguir da carta dirigida pelo Sr. Loth, a propósito desse relato, ao autor do artigo, e que o mesmo jornal publicou em seu número de 17 de janeiro.


Síntese da Doutrina Espírita.

Eis um livrinho bastante curioso, escrito por um aldeão de Saint-Sauflieu.  †  É verdade que o autor morou muito tempo em Paris, e foi nesta cidade que pôde entrar em contato com os apóstolos do Espiritismo.

Como nos interessamos por todas as publicações de nossa região, quisemos travar conhecimento com esta obra. Haviam-nos dito que a obra do Sr. Florent Loth tinha sido posta no índex, nas comunas vizinhas de sua aldeia; esta notícia excitou a nossa curiosidade e nos decidimos a ler a Síntese da Doutrina Espírita. A gente gosta mesmo do fruto proibido.

Quanto a nós, que não temos o menor interesse em censurar ou aprovar a obra do autor, diremos francamente, para nos pormos à vontade, que não acreditamos no Espiritismo, que não damos nenhum crédito às mesas girantes ou falantes, porque à nossa razão repugna admitir que objetos materiais possam ser dotados da menor inteligência. Também não acreditamos no dom da segunda vista, ou, melhor dizendo, na faculdade de ver através de paredes espessas, ou de distinguir a grandes distâncias o que se passa ao longe, isto é, a várias centenas de léguas. Enfim, para continuar nossas confissões preliminares, acrescentamos que não temos nenhuma fé nos Espíritos que voltam, e que o homem, mais ou menos inspirado, não tem o poder de evocar e, sobretudo, de fazer falarem as almas dos mortos.

Dito isto, para limpar o terreno de tudo o que não entra em nossos pontos de vista, reconhecemos que o livro do Sr. Florent Loth não é uma obra má. Sua moral é pura, o amor do próximo aí é recomendado, a tolerância para as crenças alheias nele é defendido: isto explica a boa saída desta obra.

Mas dizer que adeptos convictos da Doutrina Espírita, com todas as suas partes admitidas, se formarão em consequência da leitura da obra do nosso compatriota, seria avançar um fato que não se realizará. No que nos parece razoável e, falemos claro, ter senso comum, segundo a melhor acepção destes termos, há coisas excelentes. Assim, certos abusos são repelidos com razões evidentes, claras e precisas; e se o autor procura convencer, é sempre pela doçura e pela persuasão.

Portanto, deixando de lado tudo quanto se liga às práticas materiais do Espiritismo, práticas nas quais não acreditamos absolutamente, poder-se-ia retirar da leitura do livro em questão muito boas noções de moral, de tolerância e de amor pelo próxima Sob esse ponto de vista, aprovamos inteiramente o Sr. Florent Loth e não compreendemos o interdito lançado contra o seu opúsculo.

O Resumo da Doutrina Espírita será um dia proibido pela Congregação do Índex, n cuja sede está em Roma?  †  É uma questão ainda não resolvida, porque este livrinho não está destinado a transpor nossas fronteiras picardas. Contudo, se o fato se desse, o Sr. Florent Loth recolheria por sua obra uma notoriedade na qual jamais deverá ter pensado.

Quanto às experiências físicas do Espiritismo, deixemos falar aqui o Sr. Georges Sauton, um dos nossos confrades, o qual no Liberté de quarta-feira, 11 de setembro de 1867, assim se exprimia sobre uma sessão espírita realizada em Paris, em casa de um doutor em Medicina:

“O doutor F… amealhou certa fortuna. Ele a consome fazendo sessões espíritas, que lhe custam muito caro em velas e em médiuns.

“Ontem à noite ele havia convidado a imprensa para a sua reunião mensal. Esses Espíritos deviam ser interrogados a respeito do zuavo Jacob [v. O zuavo curador do Campo de Châlons] e dizer sua maneira de pensar relativamente a esse interessante militar. O Sr. Babinet,  †  do Instituto,  †  — nada menos! — havia prometido honrar a reunião com a sua presença; pelo menos o anfitrião, pelas cartas de convite, o tinha deixado entender.

“Albert Brun, Victor Noir  †  e eu fomos à casa do doutor. Nada, absolutamente nada do Sr. Babinet.

“Dez pessoas em volta de uma mesa faziam girar o móvel, que girava mal; trinta outras, entre as quais muitos condecorados, as olhavam.”

“Os Espíritos, sem dúvida indispostos, foram reticentes no falar. Apenas se dignaram imitar o ruído da serra, dos martelos dos tanoeiros e dos ferreiros batendo nos tonéis e na bigorna. Pediram-lhes que cantassem A mulher de barba  †  e Tenho bom tabaco, mas eles não cantaram. Intimaram-nos a fazer uma pera saltar no ar, mas a pera não saltou.”

Nada acrescentaremos a este pequeno e espirituoso relato.


Terminemos por um extrato do prefácio do autor, no qual a parte moral de suas ideias é exposta:

“O Espiritismo não tem a pretensão de impor sua crença; só pela persuasão é que ele espera chegar ao seu objetivo, que é o bem da Humanidade. Liberdade de consciência: assim, creio firmemente na existência da alma e na sua imortalidade; creio nas penas e recompensas futuras; creio nas manifestações dos Espíritos, isto é, nas almas dos que viveram nesta Terra ou em outros mundos; e creio nisto em virtude do direito que tem o meu vizinho de não crer; mas me é tão fácil provar-lhe a minha afirmação, quanto lhe é impossível me provar a sua negação, porque a negação dos incrédulos não é uma prova. O fato, dizem eles, é contrário às leis conhecidas. Pois bem! é que repousa sobre uma lei desconhecida; não se podem conhecer todas as leis da Natureza, porque Deus é grande e tudo pode!…

“Pessoas malévolas espalharam o boato que o Espiritismo era um obstáculo ao progresso da religião. Essas pessoas, mais ignorantes do que realmente piedosas, não conhecendo absolutamente a Doutrina, nem podem apreciá-la nem julgá-la.

“Nós dizemos, nós, e ainda provamos, que o ensino dos Espíritos é muito cristão, que se apoia na imortalidade da alma, nas penas e recompensas futuras, na justiça de Deus e na moral do Cristo.”

A citação desta profissão de fé pelo autor será suficiente para dar a conhecer a sua maneira de ver. Cabe ao leitor apreciar a obra de que falamos.

Fazendo este relato, apenas quisemos constatar um fato: é que em nossa província da Picardia, o Espiritismo tinha encontrado um defensor fervoroso e convicto.

Não admitimos todas as ideias do autor. Esperamos que, em virtude de sua doçura, que ele não se aborreça com a nossa franqueza. Enquanto a paz pública não for perturbada por doutrinas ímpias, enquanto a ordem social não for abalada por máximas subversivas, nossa tolerância fraternal nos fará dizer o que aqui dizemos do livro do Sr. Florent Loth: Paz às consciências! Respeito às crenças do próximo!


M. A. Gabriel Rembault.


“Senhor Diretor,

“Eu vos serei reconhecido se quiserdes inserir em vosso jornal minha reposta à crítica do Sr. Gabriel Rembault sobre o meu Resumo da Doutrina Espírita, artigo que apareceu em 29 de dezembro último.

“Não quero travar polêmica com o Sr. Gabriel Rembault; não estou à altura de seu talento de escritor, talento incontestável que todos lhe reconhecem; mas que me permita lhe demonstrar as razões que me levaram a escrever este livro.

Antes de tudo, devo reconhecer que a crítica do Sr. Gabriel Rembault é cortês e polida; emana de um homem convencido, mas não irritado. Oh! não posso dizer o mesmo de outros críticos, que lançam o anátema aos espíritas por insultos e palavras grosseiras! Nada compreendo dessa demonstração de ódio e de injúrias, dessas palavras malsonantes de loucos e de patifes, que nos lançam à face e que só inspiram profundo desgosto às pessoas decentes. Entretanto, esses homens intolerantes sabem perfeitamente que, segundo os princípios de nossa. sociedade moderna, todas as consciências são livres e têm o direito a um respeito inviolável.

“Perdoai-me esta digressão, senhor Diretor, como perdoo a esses insultadores; perdoo-lhes de todo o coração e peço a Deus que se digne esclarecê-los sobre a caridade. Deveriam praticar melhor essa virtude evangélica para com o próximo.

“Volto ao meu assunto.

“Foi pelo estudo, pela meditação e sobretudo pela prática, que adquiri a prova de certos fatos físicos, até aqui encarados como sobrenaturais. É pelo fluido universal que se pode explicar os fenômenos do magnetismo. Esses fenômenos não podem mais ser contestados hoje; é graças ao mesmo fluido que o Espírito transpõe o espaço, possui a dupla vista, é dotado da penetração etérea, à qual não poderia opor-se a opacidade dos corpos. Esses fenômenos não são senão a libertação momentânea do Espírito. É verdade que a incredulidade não quer admitir esses fenômenos, mas constatações autênticas e numerosas já não permitem pô-los em dúvida.

“Assim, as maravilhas de que acusam o magnetismo e o Espiritismo não passam, todas, de efeitos cuja causa reside nas leis da Natureza.

“E já que o Sr. Gabriel Rembault citou um artigo do jornal Liberté, eu me permito, por minha vez, citar uma passagem de um livro novíssimo — A Razão do Espiritismo — fruto de longos estudos de um honrado magistrado. Diz ele, na página 216:

“Alguma vez teria Deus derrogado as leis que instituiu para levar sua obra a bom termo? Aquele que tudo previu não proveu a tudo? Como poderíeis pretender que a mediunidade, a comunicação dos Espíritos não seja conforme às leis da natureza do homem? E se a revelação é a consequência necessária da mediunidade, por que diríeis que é uma derrogação da lei de Deus, quando ela entraria ostensivamente nas vistas da Providência e da economia [organização] humana?

“Paro após esta citação. É um argumento no sentido oposto às ideias do Sr. Gabriel Rembault, e que submeto à apreciação dos vossos leitores.

“Em resumo, estou de acordo com ele quando diz:

“Paz às consciências! respeito às crenças do próximo!

“Recebei, senhor Diretor, meus cumprimentos respeitosos.


“Florent Loth.

“Saint-Sauflieu,  †  16 de janeiro de 1868.”


Ressalta do relato acima que o autor do artigo não conhecia uma palavra da Doutrina; como tantos outros, ele a julgava por ouvir dizer, sem se ter dado ao trabalho de ir ao fundo da questão e levantar o manto do ridículo, que a crença malévola ou mais ou menos interessada se deleitou em cobri-la. Fez como o macaco da fábula, que rejeitava a noz, porque apenas tinha mordido a casca verde. Se tivesse conhecido os seus primeiros elementos, não teria suposto os espíritas tão simplórios para crerem na inteligência de uma mesa, como ele próprio não acredita na inteligência da pena que, em suas mãos, transmite os pensamentos de seu próprio espírito. Como ele, os espíritas não admitem que objetos materiais possam ser dotados da menor inteligência; mas, como ele, sem dúvida, admitem que esses mesmos objetos podem ser instrumentos ao serviço de uma inteligência. O livro do Sr. Loth não o convenceu, mas lhe mostrou o lado sério e as tendências morais da doutrina, e isto lhe bastou para compreender que a coisa tinha algo bom e merecia ao menos o respeito devido às crenças do próximo. Deu prova de louvável imparcialidade, inserindo imediatamente a retificação que lhe foi dirigida pelo autor.

O que o tocou não foram os fatos de manifestação, dos quais aliás pouco se trata no livro, mas as tendências liberais e antiretrógradas, o espírito de tolerância e de conciliação da Doutrina. Tal é, com efeito, a impressão que produzirá em todos os que se derem ao trabalho de a estudar. Sem aceitar a sua parte experimental que, para os espíritas, é a prova material da verdade de seus princípios, eles aí verão um poderoso auxiliar para a reforma dos abusos contra os quais se levantam todos os dias. Em vez de fanáticos de um novo gênero, verão em todos os espíritas, cujo número aumenta sem cessar, um exército que combate pelo mesmo objetivo, embora com outras armas. Mas, que lhes importam os meios, se o resultado é o mesmo?

Sua ignorância das tendências do Espiritismo é tal que nem mesmo sabem que é uma doutrina liberal, emancipadora da inteligência, inimiga da fé cega, que vem proclamar a liberdade de consciência e o livre-exame como base essencial de toda crença séria. Não sabem sequer que foi o primeiro a inscrever em sua bandeira esta máxima imortal: Fora da caridade não há salvação, ( † ) princípio de união e de fraternidade universais, único que pode pôr um termo aos antagonismos dos povos e das crenças; enquanto o creem puerilmente absorvido com uma mesa que gira, não suspeitam que a criança deixou os brinquedos pela armadura, que cresceu e que agora abarca todas as questões que interessam o progresso da Humanidade. Não falta aos seus adversários desinteressados e de boa-fé senão conhecê-lo, para o julgar de modo diverso por que o fazem. Se refletissem na rapidez de sua propagação, que nada pode entravar, chegariam à conclusão de que não pode ser o efeito de uma ideia completamente oca; e mesmo que encerrasse uma única verdade, se essa verdade é capaz de mexer em tantas consciências, merece ser levada em consideração; que se causa tanto pavor em certo mundo, é que não o consideram como uma fumaça inútil.

O artigo referido acima constata, além disso, um fato importante: é que a interdição lançada contra esse livrinho pelo clero do interior serviu para o propagar, o que não podia deixar de ocorrer, tão poderosa é a sedução do fruto proibido. Pensa o autor do artigo, e com razão, que se fosse condenado pela congregação do Índex, sediada em Roma, adquiriria uma notoriedade não pretendida pelo Sr. Loth. Ele ignora que as obras fundamentais da doutrina tiveram esse privilégio, e que foi graças aos raios lançados contra a Doutrina em nome desse Índex que esses livros foram procurados nos meios onde eram desconhecidos. Fizeram esta reflexão muito natural: quanto mais forte trovejam, mais importante a coisa devia ser; leram-nos primeiro por curiosidade; depois, como ali encontrassem coisas boas, os aceitaram. Isto pertence à História.



[1] Pequena brochura in-8º, de 150 páginas; preço: 1 fr. 25 c. – Pelo correio: 1 fr. 50 c. – Amiens,  †  principais livrarias. Também nos escritórios da Revista Espírita. [Abrégé de la doctrine spirite, contenant un aperçu rapide des différents ouvrages qui ont paru jusqu'à ce jour, par Florent Loth… - Google Books.]


[2] [Index Librorum prohibitorun et expurgandorum. Elenco de livros proibidos pela Igreja  que se começou a fazer desde o IV Concílio Lateranence, 1515.]


Abrir