1. — Nossos leitores se lembram de ter lido, em junho de 1867, a análise do Romance do Futuro, que o Sr. Bonnemère havia tirado dos manuscritos de um jovem médium bretão, cujos trabalhos lhe havia confiado.
É ainda nessa volumosa coletânea de manuscritos que o autor encontrou estas páginas, escritas em hora de inspiração, e que vem submeter à apreciação dos leitores da Revista Espírita. Desnecessário dizer que deixamos ao médium, ou antes, ao Espírito que o inspira, a responsabilidade das opiniões que emite, reservando-nos para as apreciar mais tarde. Do mesmo modo que o Romance do Futuro, é um curioso espécime de mediunidade inconsciente.
OS ALUCINADOS.
Temos pouco a dizer sobre a alucinação, estado provocado por uma causa moral, que influi sobre o físico e à qual se mostram mais acessíveis as naturezas nervosas, sempre mais prontas a impressionar-se.
Sobretudo as mulheres, por sua organização íntima, são levadas à exaltação, e a febre se apresenta nelas, o mais das vezes, acompanhada de delírio, que toma as aparências da loucura momentânea.
A alucinação, é preciso reconhecer, por um pequeno lado toca a loucura, assim como todas as superexcitações cerebrais; e enquanto o delírio se manifesta sobretudo por palavras incoerentes, a alucinação representa mais particularmente a ação, a encenação. Contudo, é injustamente que por vezes as confundem.
Vítima de uma espécie de febre interior, que não se traduz externamente por nenhuma perturbação aparente dos órgãos, o alucinado vive em meio ao mundo imaginário que cria, por um momento, sua imaginação perturbada; tudo está em desordem, nele como em torno dele; leva tudo ao extremo: por vezes a alegria, a tristeza quase sempre, e as lágrimas rolam nos olhos, enquanto seus lábios fingem um sorriso doentio.
Essas visões fantásticas existem para ele; ele as vê, as toca e se assusta com elas. Não obstante, conserva o exercício da vontade; conversa com os interlocutores e lhes oculta o objeto de seus terrores ou de suas sombrias preocupações.
Conhecemos um que, durante cerca de seis meses, assistia todas as manhãs ao enterro de seu corpo, tendo plena consciência de que sua alma sobrevivia. Nada parecia mudado nos seus hábitos de vida e, contudo, esse pensamento incessante, essa visão mesma por vezes o seguia em todos os lugares. A palavra morte ressoava incessantemente em seu ouvido. Quando o Sol brilhava, dissipava a noite ou atravessava a nuvem, a horrível visão se desvanecia pouco a pouco, acabando por desaparecer. À noite adormecia, triste e desesperado, porque sabia que horrível despertar o aguardava no dia seguinte.
Por vezes, quando o excesso de sofrimento físico impunha silêncio à sua vontade e lhe tirava esse poder de dissimulação, que de ordinário conservava, exclamava de repente: — Ah! ei-los!… eu os vejo!… E então descrevia aos que o cercavam com mais intimidade os detalhes da lúgubre cerimônia, relatava as cenas sinistras que se desdobravam aos seus olhos, ou rondas de personagens fantásticas que desfilavam à sua frente.
O alucinado vos dirá as loucas percepções de seu cérebro doente, mas não tem nada a vos repetir do que outros viessem lhe revelar; porque, para ser inspirado, é preciso que a paz e a harmonia reinem em vossa alma, e que estejais isento de todo pensamento material ou mesquinho; algumas vezes a disposição doentia provoca a inspiração; é, então, como um socorro que os amigos partidos antes vêm vos trazer para vos aliviar.
Esse louco, que ontem gozava da plenitude da razão, não apresenta desordens exteriores perceptíveis ao olho do observador; são, entretanto, numerosas, existem e são reais. Muitas vezes o mal está na alma, lançada fora de si mesma pelo excesso de trabalho, de alegria, de dor; o homem físico não está mais em equilíbrio com o homem moral; o choque moral foi mais violento do que o físico pode suportar: daí o cataclismo.
O alucinado sofre igualmente as consequências de uma perturbação grave em seu organismo nervoso. Mas — o que raramente acontece na loucura — neles essas desordens são intermitentes e tão mais facilmente curáveis quanto sua vida é, de certo modo, dupla, pois pensa com a vida real e sonha com a vida fantástica.
Esta última é, por vezes, o despertar de sua alma doente e, se se o escutar com inteligência, chegar-se-á a descobrir a causa do mal, que muitas vezes ele quer ocultar. Entre o fluxo das palavras incoerentes, que lança fora uma pessoa em delírio, e que parecem em nada se referir às causas prováveis de sua doença, encontrar-se-á uma que voltará sem cessar, que ela queria reter e que, contudo, escapa. Essa é a verdadeira causa e que é preciso combater.
Mas o trabalho é longo e difícil, porque o alucinado é um hábil comediante e, se percebe que o observam, seu espírito se lança em estranhos desvios e toma as aparências da loucura para escapar a essa pressão importante, que pareceis decidido a exercer sobre ele. É, pois, necessário estudá-lo com extremo tato, sem jamais o contradizer ou tentar retificar os erros de seu cérebro em delírio.
São estas as diversas fases de excitações cerebrais, ou antes, de excitações do ser todo inteiro, pois não é preciso localizar a sede da inteligência. A alma humana, que a dá, plana por toda parte; é o sopro do alto, que faz vibrar e agir a máquina toda inteira.
O alucinado pode, de boa-fé, julgar-se inspirado e profetizar, quer tenha consciência do que diz, quer os que o rodeiam possam, só eles e mau grado seu, recolher suas palavras. Mas dar fé às indicações de um alucinado seria se preparar estranhas decepções, e é assim que muitas vezes têm levado ao passivo da inspiração os erros que não eram senão o fruto da alucinação.
O físico é coisa material, sensível, exposta à luz, que cada um pode ver, admirar, criticar, cuidar ou tentar endireitar. Mas quem pode conhecer o homem moral? Quando nos ignoramos a nós mesmos, como nos julgarão os outros? Se nós lhes entregamos alguns dos nossos pensamentos, são muito mais ainda os que subtraímos aos seus olhares e que gostaríamos de ocultar a nós mesmos.
Essa dissimulação é quase um crime social. Criados para o progresso, nossa alma, nosso coração, nossa inteligência são feitos para se derramarem sobre todos os irmãos da grande família, para lhes prodigalizar tudo quanto está em nós, como para se enriquecer ao mesmo tempo com tudo o que nos podem comunicar.
A expansão recíproca é, pois, a grande lei humanitária, e a concentração, isto é, a dissimulação de nossas ações, de nossos pensamentos, de nossas aspirações é uma espécie de roubo que cometemos em prejuízo de todo o mundo. Que progresso se fará, se guardarmos em nós tudo o que a Natureza e a educação aí puseram, e se cada um age do mesmo modo a nosso respeito?
Exilados voluntários e nos mantendo fora do comércio de nossos irmãos, nós nos concentramos numa ideia fixa; a imaginação obsedada procura a isto subtrair-se, perseguindo toda sorte de pensamentos inconsequentes, e assim se pode chegar até a loucura, justo castigo que nos é infligido por não termos querido marchar em nossas vias naturais.
Vivamos, pois, nos outros e eles em nós, a fim de que todos não sejamos senão um. As grandes alegrias, como as grandes dores, nos partem quando não são confiadas a um amigo. Toda solidão é má e condenada, e toda coisa contrária ao voto da Natureza traz como consequências inevitáveis imensas desordens interiores.
OS INSPIRADOS.
A inspiração é mais rara que a alucinação, porque não se prende somente ao estado físico, mas, ainda e sobretudo, à situação moral do indivíduo predisposto a recebê-la.
Todo homem não dispõe senão de certa quota de inteligência, que lhe é dado desenvolver por seu trabalho. Chegado ao ponto culminante que lhe é concedido atingir, para um momento, depois retorna ao estado primitivo, ao estado de infância, menos essa mesma inteligência, que em um cresce dia a dia, e no velho diminui, extingue-se e desaparece. Então, tendo dado tudo, e nada mais podendo acrescentar à bagagem de seu século, ele parte, mas para ir continuar alhures sua obra interrompida neste mundo; parte, mas deixando o lugar rejuvenescido para um outro que, chegando à idade viril, terá o poder de, por sua vez, realizar uma missão maior e mais útil.
O que chamamos a morte não é senão o devotamento ao progresso e à Humanidade. Mas nada morre, tudo sobrevive e se reencontra pela transmissão do pensamento dos seres partidos antes, que têm ainda, pela parte mais etérea de si mesmos, na pátria deixada, mas não esquecida, que amam sempre, pois é habitada pelos continuadores de sua vida, pelos herdeiros de suas ideias, aos quais se comprazem em insuflar por momentos as que não tiveram tempo de semear em seu redor, ou que não puderam ver progredir ao sabor de suas esperanças.
Não tendo mais órgãos ao serviço de sua inteligência, vêm pedir aos homens de boa vontade, que apreciam, que lhes cedam o lugar por um momento. Sublimes benfeitores ocultos, impregnam seus irmãos da quintessência de seu pensamento, a fim de que sua obra esboçada continue e se conclua, passando pelo cérebro dos que podem fazê-la realizar seu caminho no mundo.
Entre os amigos desaparecidos e nós, o amor continua, e o amor é a vida. Eles nos falam com a voz de nossa consciência posta em vigília. Purificados e melhores, não nos trazem senão coisas puras, isentos que estão de toda parte material, como de todas as mesquinharias de nossa pobre existência. Eles nos inspiram no sentimento que tinham neste mundo, mas nesse sentimento desprendido de toda mistura.
Resta-lhes ainda uma parte de si mesmos para dar: eles no-la trazem, deixando-nos crer que a obtivemos apenas por nosso trabalho pessoal. Daí essas revelações inesperadas, que confundem a Ciência. O Espírito de Deus sopra onde quer… Desconhecidos fazem grandes descobertas, e o mundo oficial das academias aí está para lhes entravar a passagem.
Não pretendemos dizer que, para ser inspirado, seja indispensável manter-se incessantemente nos estreitos caminhos do bem e da virtude; entretanto, de ordinário são seres morais aos quais se vem, muitas vezes como compensação dos males que sofrem por causa dos outros, conceder manifestações que lhes permitem vingar-se à sua maneira, trazendo o tributo de alguns benefícios à Humanidade, que os desconhece, zomba e calunia.
Encontram-se tantas categorias de inspirações e, por conseguinte, de inspirados, quantas faculdades existem no cérebro humano para assimilar conhecimentos diferentes.
A luta assusta os Espíritos depurados, partidos para mundos mais adiantados, e que desejam que os escutem com docilidade. Por isso os inspirados são geralmente seres puros, ingênuos e simples, sérios e refletidos, cheios de abnegação e de devotamento, sem personalidade marcante, de impressões profundas e duráveis, acessíveis às influências exteriores, sem ideias preconcebidas sobre as coisas que ignoram, bastante inteligentes para assimilar os pensamentos alheios, mas não moralmente bastante fortes para os discutir.
Se o inspirado se apega às suas próprias convicções, de boa-fé toma o seu eco pela advertência das vozes que nele falam e, também de boa-fé, engana, em vez de esclarecer. A bondade preside a essas revelações, que jamais ocorrem senão com um objetivo útil e moral, ao mesmo tempo.
Quando uma dessas organizações simpáticas é sofredora, devido a uma decepção cruel, ou a um mal físico, um amigo por ela se interessa e vem, dando outro alimento ao seu pensamento, trazer alívio para ela própria, mas, sobretudo, para os que lhe são caros.
Não é raro que o inspirado tenha começado sendo um alucinado. É como um noviciado, uma preparação de seu cérebro para concentrar seu espírito e poder aceitar aquilo que lhe dirão.
Porque um inspirado nada pode formular de concludente em dado momento, não significa que não o possa fazer em outros. As manifestações ficam livres, espontâneas; vêm quando ele precisa delas. Por isso os inspirados, mesmo os melhores, não o são em dia e hora fixos, e as sessões anunciadas previamente muitas vezes preparam inevitáveis decepções.
Fazendo evocações muito frequentes, corre-se o risco de não se chegar senão a um estado de superexcitação, mais vizinho da alucinação que da inspiração. Então não passam de jogos de nossa imaginação em delírio, em vez dessas luzes do outro mundo, destinadas a iluminar os passos da Humanidade em sua estrada providencial.
Isto explica esses erros, dos quais a incredulidade fez uma arma, para negar, de maneira absoluta, a intervenção dos Espíritos superiores.
Os inspirados o são por todos os que, partidos antes da hora, têm algo para nos ensinar.
Pode acontecer que a mulher mais simples, a menos instruída, tenha revelações médicas. Vimos uma que, mesmo sem saber ler e escrever, achava em si diversos nomes de plantas que podiam curar. A credulidade popular quase a tinha forçado a explorar essa faculdade. Mas, nem sempre era igualmente bem esclarecida, mesmo tomando o pulso da pessoa doente, que com ela se punha em relação; porque ela era também desses fluídicos, dos quais falaremos daqui a pouco. Embora fraca e delicada, podia, por seu contato, restabelecer o equilíbrio em quem o necessitava e repor em circulação os princípios vitais interrompidos. Sem se dar conta disto, muitas vezes fazia, pelo simples toque, em certas pessoas cujo fluido era idêntico ao seu, mais bem que os remédios que prescrevia, às vezes, apenas por hábito, e com variantes insignificantes, fosse qual fosse o mal para o qual a consultavam.
A Providência colocou junto de cada homem um remédio para cada doença. Apenas existem tantas naturezas diferentes quantos indivíduos. Os remédios também agem diferentemente sobre cada organismo, o qual influi sobre os caracteres do mal; e é isto que faz que seja quase impossível ao médico prescrever o remédio eficaz. Ele conhece os seus efeitos gerais, mas ignora absolutamente em que sentido agirá sobre tal paciente que lhe apresentam.
É aqui que brilha a superioridade dos fluídicos e dos sonâmbulos, porque, quando eles se encontram em certas condições de simpatia com os que vêm consultá-los, os seres superiores os guiam com uma quase certa infalibilidade.
Muitas vezes essa inspiração é inconsciente de si mesma; às vezes um médico, mas apenas junto de certos doentes, acha de súbito o remédio que os pode curar. Não foi a Ciência que o guiou, foi a inspiração. A Ciência punha à sua disposição vários modos de tratamento, mas uma voz interior lhe gritava um nome; foi forçado a dizê-lo, e esse nome era o do remédio que devia agir, com exclusão de qualquer outro.
O que dizemos da Medicina existe, da mesma maneira, em todos os outros ramos do trabalho humano. Em certas horas, o fogo da inspiração nos devora; há que ceder. E se pretendemos concentrar em nós mesmos o que de nós deve sair, um verdadeiro sofrimento se torna o castigo de nossa revolta.
Todos aqueles a quem Deus concedeu o dom sublime de criação, os poetas, os sábios, os artistas, os inventores, todos têm essas iluminações inesperadas, por vezes numa ordem de fatos muito diferentes de seus estudos ordinários, caso se tivesse pretendido violentar a sua vocação. Mas os Espíritos sabem o que devemos e podemos fazer, e vêm despertar incessantemente em nós as nossas atrações abafadas.
Sabe-se como Molière explicava essas desigualdades que desfiguram as mais belas peças de Corneille. “Esse diabo do homem, dizia ele, tem um gênio familiar, que vem por momentos soprar-lhe ao ouvido coisas sublimes; depois, de repente planta-o lá, dizendo-lhe: “Sai desta como puderes!” E então não faz mais nada que valha.” Molière estava certo. O orgulhoso gênio de Corneille não tinha a dócil passividade necessária para suportar toda a inspiração do alto. Os Espíritos o abandonavam, e então ele adormecia, como por vezes fazia o próprio Homero.
Há os que escutam vozes interiores, que neles falam; Sócrates e Joana d’Arc eram destes. Outros nada escutam, mas são constrangidos a obedecer a uma força vitoriosa, que os domina.
Outras vezes, um nome vem ferir o ouvido do inspirado: é o de um amigo, de um indivíduo que nem mesmo conhece, do qual apenas ouviu falar. A personalidade desse amigo desconhecido o penetra, nele se infunde; pouco a pouco pensamentos estranhos vêm substituir os seus. Por um momento tem o espírito daquele; obedece, escreve, sem saber, mau grado seu, se necessário, coisas que não sabe. E como essa obediência passiva, ao qual foi condenado, lhe é difícil de suportar em estado de vigília, foge dessas coisas escritas sob uma inspiração opressiva, e não as quer ler.
Esses pensamentos podem estar em desacordo formal com suas crenças, com seus sentimentos, ou antes, com aqueles que a educação lhe impôs, porque, para que certos Espíritos venham a ele, é preciso que exista alguma relação entre eles. Dão-lhe o pensamento, deixando-lhe o cuidado de achar a forma. É preciso, pois, que saibam que sua inteligência os pode compreender e assimilar momentaneamente suas ideias, para as traduzir.
É raro que as circunstâncias tenham permitido que nos desenvolvamos no sentido de nossas aptidões inatas. Os Espíritos mais adiantados sabem que corda é preciso tocar, para que esta entre em vibração. Ela havia ficado muda, porque tinham atacado outras, desprezando aquela. Por um momento eles lhe dão a vida. É um germe por muito tempo abafado, que eles fecundam. Depois o inspirado, voltando ao seu estado habitual, não se lembra mais, pois vive uma existência dupla, cada uma das quais independe da outra.
Entretanto, acontece também que conserve uma maior facilidade de compreensão, e conquiste um maior desenvolvimento intelectual. É a recompensa do esforço que fez, para dar uma forma compreensível aos pensamentos que outros vieram lhe revelar.
Não acreditamos que todo inspirado possa conhecer tudo. Cada um, conforme suas predisposições naturais, muitas vezes mantidas com desconhecimento dele próprio e dos outros, é inspirado por tal ou qual coisa, mas não o é igualmente por todas.
Com efeito, existem naturezas de tal modo antipáticas a certos conhecimentos, que os Espíritos não virão jamais bater numa porta que sabem não poder abrir.
Só em certa medida o futuro é conhecido pelos inspirados. Assim, não é certo dizer que um inspirado predisse para que mundo tal pessoa irá após a morte, e que julgamento Deus pronunciará contra ela. Isto é um jogo de imaginação alucinada. Por mais alto que o homem tenha subido na escala dos mundos, não conhece qual será o destino de seu irmão. É a parte reservada a Deus: jamais a criatura poderá usurpar os seus direitos.
Sim, há manifestações, mas não são contínuas, e nossa impaciência a seu respeito muitas vezes é condenável.
Sim, tudo se mantém e nada se rompe no imenso Universo. Sim, existe entre esta existência e as outras um laço simpático e indissolúvel, que liga e une uns aos outros todos os membros da família humana, e que permite aos melhores vir nos dar o conhecimento do que não sabemos. É por esse trabalho que se realiza o progresso; quer se chame trabalho da inteligência ou da inspiração, é a mesma coisa. A inspiração é o progresso superior, é o fundo:. o trabalho pessoal aí põe a forma, juntando ainda a quintessência dos conhecimentos anteriormente adquiridos.
Nenhuma invenção nos pertence particularmente, porque outros lançaram antes a semente que recolhemos. Aplicamos à obra que queremos perseguir as forças e o trabalho da Natureza, que é de todos, e sem o auxílio da qual nada se faz, depois as forças e o trabalho acumulados por aqueles que nos prepararam os meios de triunfar.
A bem dizer, tudo é obra comum e coletiva, para confirmar ainda esse grande princípio de solidariedade e de associação, que é a base das sociedades e da lei de toda criação.
O trabalho do homem jamais será tornado inútil pela inspiração. O Espírito que no-lo vem trazer respeitará sempre esta parte reservada ao indivíduo; ele a respeitará como uma coisa nobre e santa, pois o trabalho põe o homem na posse das faculdades que Deus depositou em germe em sua alma, a fim de que o objetivo de sua vida fosse de as fecundar. É por seu desenvolvimento que bem aprendeu a conhecer-se, e que mereceu aproximar-se dele.
A inspiração vem indiferentemente de dia, de noite, em vigília e durante o sono. Apenas exige recolhimento. É-lhe preciso encontrar naturezas que possam abstrair-se de toda preocupação do mundo real, para dar lugar livre e vago ao ser que vier envolvê-lo todo e lhe infundir seus pensamentos.
Nas horas de inspiração, o homem se torna muito mais acessível a todos os ruídos exteriores, e tudo o que vem do mundo real o perturba. Não mais está neste mundo, está num meio transitório, entre este e o outro, visto estar, de certo modo, impregnado da pessoa moral e intelectual de um ser elevado a uma outra esfera e que, no entanto, seu corpo se prende a este.
Embora se dirija a todos, a inspiração descerá mais especialmente sobre as naturezas doentias ou consumidas por uma sucessão de sofrimentos, materiais ou morais. Já que é um benefício, não é justo que os que sofrem sejam mais facilmente aptos a recebê-la?
A alucinação é um estado doentio, que o magnetismo pode modificar de maneira salutar. A inspiração é uma assimilação moral que se deve evitar provocar por passes magnéticos. O alucinado se entrega de bom grado a arroubos e a contorções ridículas. O inspirado é calmo.
Os inspirados são melancólicos. Necessitam ser refletidos; para ser alegre não há que refletir muito; é preciso gozar, na sua saúde, de um equilíbrio que nem sempre possuem. Mas não vamos pensar que sejam difíceis e fantasiosos. Ao contrário, mostram-se dóceis e acessíveis com aqueles a quem amam.
Há inspirados de vários graus. Uns vêm dizer-vos coisas palpáveis, fatos de segunda vista, para que se possa constatar a realidade da iniciação. Outros, mais clarividentes e pouco preocupados com os procedimentos materiais, cujos segredos não são chamados a divulgar, repetem, como lhes vêm, os pensamentos trazidos por Espíritos de progresso. Os primeiros curam o corpo, os segundos são os médicos da alma.
A missão dos mais modestos limita-se a revelar como essas coisas lhes vêm. É um fato constatado que forças adiantadas de muitos graus vêm sobre nós, para nos dominar e nos inspirar. Para que o repetir? Acredite quem quiser. Mas sendo bem estabelecidas as constatações, não se deve tomar dos inspirados senão o lado útil e sério. Pouco importa, se as ideias são boas, de que fonte provêm.
Eug. Bonnemère.
[Revista de junho de 1869.]
2.
EXTRATO DOS MANUSCRITOS DE UM JOVEM MÉDIUM BRETÃO.
(Segundo artigo. — Vide a Revista de fevereiro de 1868.)
Por certo os nossos leitores se lembram de haver lido, no número da Revista de fevereiro de 1868, a primeira parte deste estudo, interessante sob mais de um ponto de vista. Hoje publicamos a sua continuação, deixando ao Espírito que o inspirou toda a responsabilidade de suas opiniões e reservando-nos para analisá-las um pouco mais tarde.
Entregamos estes documentos ao exame de todos os espíritas sérios e ficaremos reconhecidos aos que houverem por bem nos transmitir a sua apreciação, ou as instruções de que poderão ser objeto, da parte dos Espíritos. A Revista Espírita é, antes de tudo, um jornal de estudo e, nessa condição, apressa-se em acolher todos os elementos capazes de esclarecer a marcha de nossos trabalhos, deixando ao controle universal, apoiado pelos conhecimentos adquiridos, o cuidado de julgar em última instância.
OS FLUÍDICOS.
Chama-se Fluido a esse nada e a esse tudo não analisável, por meio do qual o mundo espiritual se põe em comunicação com o mundo material, e que mantém o nosso físico em harmonia, quer consigo mesmo, quer com o que está fora dele.
Embora nos envolva e nos cerque, e vivamos nele e por ele, é na alma que se une e se condensa. É não só esta porção de nossa alma que nos põe em ação, nos dirige e nos guia, mas, ainda, por assim dizer, a alma geral que plana sobre todos nós; é o laço misterioso e indispensável que estabelece a unidade em nós mesmos e fora de nós; e se vier a partir-se momentaneamente, é então que se manifesta essa modificação imensa a que chamamos morte.
O fluido é, pois, a própria vida: é o movimento, a energia, a coragem, o progresso; é o bem e o mal. É esta força que, por sua vez, parece animar, pelo sopro de sua vontade, quer a charrua benfeitora que fertiliza a terra e faz de nós os alimentadores do gênero humano, quer o fuzil maldito que a despovoa e nos transforma em assassinos de nossos irmãos.
O fluido facilita, entre o Espírito do inspirador e o inspirado, relações que, sem ele, seriam impossíveis.
Os alucinados são nervosos, mas não fluídicos, no sentido de que deles nada se desprende. É esta falta de desprendimento, este excesso ou esta falta de fluido, esta ruptura violenta do seu equilíbrio que os exalta até a loucura, ou, pelo menos, até a divagação momentânea, e faz desfilar à sua frente fantasmas imaginários, ou que se ligam mais ou menos ao pensamento dominante, que, excitando as fibras cerebrais, faz entrar em revolta a quintessência do fluido circulante, muito cheio dessa noção impressionável que incessantemente tende a se desprender.
Se morrer um louco ou um alucinado, e se fizermos a autópsia do seu cadáver, tudo parecerá são na sua natureza física; nada será descoberto de particular em seu cérebro. Entretanto, será possível observar mais comumente uma ligeira lesão do coração, pois a parte moral atingida exerce poderosa influencia material sobre este órgão.
Pois bem! essas desordens que o escalpelo não descobre, que o dedo não toca, que o olho não vê, existem no fluido, que a Ciência, sempre muito materialista, nega para não ter que o estudar.
Para ser uma força, o vapor não necessitava que Salomon de Caus ou Papin adivinhassem o seu emprego, assim como, para existir, a eletricidade não tinha esperado que Galvani viesse conceder-lhe foros de cidadania no meio dos sábios oficiais. O fluido não se mostra mais cerimonioso para com as suas doutas sentenças. A eletricidade e o vapor, que são apenas de ontem, já revolucionaram o mundo material. Afirmando a realidade do fluido, o Espiritismo modificará ainda muito mais profundamente o mundo intelectual e moral.
Não só o fluido existe, mas é duplo; apresenta-se sob dois aspectos diversos, ou, pelo menos, suas manifestações são de duas ordens muito diferentes.
Há o fluido latente, que cada um possui e que, mau grado nosso, põe em movimento toda a máquina. Ele está em nós, sem que disso tenhamos consciência, porque não o sentimos, e as naturezas linfáticas vivem sem suspeitar que ele existe.
Depois, há os fluidos circulantes que estão em perpétua ação e em constante ebulição nas organizações nervosas e impressionáveis. Quando não servem senão para nos pôr em intensa atividade, deixamo-los agir ao acaso, e eles só excitam a nossa preocupação quando, por falta de equilíbrio ou por uma causa qualquer, sua ação se traduz por ataques de nervos ou outras desordens aparentes, cuja causa devemos procurar.
Acontece muito frequentemente que, quando a crise nervosa é acalmada, e depois do abatimento que se segue, um fluido se desprende de certos sensitivos e lhes permite exercer uma ação curativa sobre outros seres mais fracos e atingidos por um mal contrário ao seu. Basta um simples toque na parte sofredora para os aliviar. É uma espécie de magnetismo circulante, momentâneo, inconsciente, porque a ação fluídica se produz imediatamente ou não se produz absolutamente.
Quando os inspirados são fluídicos de nascimento, gozam no mais alto grau desta faculdade curativa. Mas é uma rara exceção.
Ordinariamente o estado fluídico se desenvolve durante a puberdade, nesse momento transitório em que ainda não se é forte, mas que se o será para suportar a luta da vida.
Viram-se certos seres tornar-se fluídicos durante alguns anos, mesmo alguns meses, e deixar de o ser quando retomaram sua situação normal e regular.
Por vezes mesmo, e notadamente nas mulheres, esse estado se manifesta na hora crítica em que a fraqueza começa a se fazer sentir.
Algumas vezes acontece que crianças são dotadas desse estado em idade ainda bem tenra. Um secreto instinto nos atrai para elas. Dir-se-ia que uma auréola de pureza se irradia em torno dessas cabeças louras de querubins. Ainda tão próximas de Deus, estão sãs de corpo, de coração e de alma; irradiam saúde e sua vista, sua presença, seu contato serenam inteiramente o nosso corpo.
Senti-vos bem em beijá-las e sois felizes embalando-as em vossos braços. Há nelas algo mais que o encanto que se prende às doces carícias da criança, há um eflúvio que acalma as vossas agitações, vos rejuvenesce e vos restabelece a harmonia momentaneamente comprometida. Senti-vos atraído para esta e não para aquela. Não sabeis o porquê: é que a primeira vos proporciona um bem-estar que não sentiríeis junto de qualquer outra.
Qual de nós não procurou, muitas vezes durante muito tempo e sem o encontrar, ai! o ser que nos deve aliviar! Entretanto ele existe, assim como o remédio que nos deve curar.
Procuremos sem desanimar e o descobriremos. Batamos e abrir-nos-ão. Por mais doentes que estejamos, há, no entanto, em algum lugar, uma alma que responderá à nossa alma. Fracos, ela soerguerá a nossa força; fortes, abrandará as nossas asperezas. Com ela nos completaremos, e ambos esperam por ela para fazer o bem.
As naturezas fortemente constituídas exercem uma ação magnética sobre os caracteres mais fracos. Para magnetizar proveitosamente é necessário um grande esforço de vontade concentrada, consequentemente um desprendimento de nós mesmos; e esse desprendimento não pode ter uma ação curativa enquanto não juntar uma força poderosa à fraqueza que combatemos, e que faz sofrer aquele que magnetizamos.
Só raramente os magnetizadores podem ser magnetizados por outros. Parece que esse esforço da vontade que eles têm de realizar cava uma espécie de reservatório, no qual se acumula o fluido, em estado latente, que derrama seu excesso sobre os demais; mas não sobra mais lugar para receber algo dos outros.
A intuição é a radiação do fluido que, desprendendo-se daquele sobre o qual queremos agir, vem despertar o nosso e o faz derramar-se sobre o ser que queremos aliviar. Desse choque de dois agentes contrários sai uma centelha; ela esclarece o nosso Espírito e nos mostra o que convém fazer para atingir o objetivo. É a caridade posta em ação. Agindo esse fluido, sempre pronto a despertar ao primeiro apelo do sofrimento, é encontrado sobretudo nas almas sensíveis e ternas, mais preocupadas com o bem alheio do que com o seu próprio bem.
Existem certos médicos nos quais esse desprendimento fluídico se opera mesmo sem que eles o percebam, e que receberam de Deus o dom de curar com mais segurança os que sofrem.
Enfim, há naturezas realmente fluídicas, cujo excesso exige um desprendimento contínuo, sob pena de reagirem contra elas próprias. A ação que exercem sobre os que lhes são simpáticos é sempre salutar, mas pode tornar-se funesta para os que lhes são antipáticos.
É entre estas que se encontram os sensitivos que, na obscuridade, percebem clarões ódicos que se desprendem de certos corpos, enquanto outros nada veem.
Os fluídicos e os sensitivos são os mais sujeitos aos sentimentos instintivos de simpatia ou de antipatia, em presença daqueles cujo contato ou simples vista lhes faz experimentar o bem ou o mal.
Certas crianças exercem uma pressão física ou moral sobre seus irmãos ou seus camaradas. É o fluido em desprendimento que envolve estes últimos e os domina.
Cada um de nós exerce sobre outrem um poder atrativo ou repulsivo, mas em graus diversos, porque a Natureza é múltipla e infinita em suas combinações.
Quem não sentiu o efeito de um simples aperto de mão, que restabelece o equilíbrio do ser ou nele destrói esse equilíbrio? que nos une à pessoa que nos cumprimenta ou dela nos afasta? que nós dá uma sensação de bem-estar ou de sofrimento?
Quem não sentiu o frio ou o calor de um beijo?
Quem não sentiu esse frêmito interior que abala todo o nosso ser, no momento em que somos postos em contato com outro, e que nos leva a dizer: É um amigo!… ou, então: É um inimigo?
As pessoas cujas mãos são frias e úmidas são de compleição fraca; de sensibilidade pouco desenvolvida, não dão fluido e necessitam que se lhos prodigalize.
Habitualmente os inspirados gozam do privilégio de poder socorrer, por um fluido que deles se desprende, aqueles que necessitam. Mas, raramente desfrutam de boa saúde e neles o equilíbrio e a harmonia reinam raramente.
Têm muito fluido ou não o têm suficiente, e quase só no momento da inspiração se acham em completa harmonia. Mas, então, não sentem os benefícios, porque outra individualidade está unida à sua e os abandona momentaneamente, depois que deram o que tinham como reserva.
Os curadores do campo, os feiticeiros, os que fazem desaparecer as entorses, geralmente são fluídicos. Seu poder é real; eles o exercem sem saber como. Mas seria engano crer que possam agir igualmente sobre todo o mundo. É preciso que o fluido que deles se desprende esteja em harmonia com o da pessoa que o deve absorver, senão se produz um efeito contrário. Daí vem o mal muito real que por vezes se sente após uma visita a um desses pretensos feiticeiros.
Não há remédios nem fluidos cuja ação seja universal. Toda ação é modificada pela natureza daquele que a recebe. É preciso que a centelha fira com precisão, sem o que haverá choque e agravação do mal que se pretende aliviar.
O magnetismo sofre a mesma lei e não pode ser mais eficaz em todos os casos.
Os sensitivos e os fluídicos são as naturezas mais generosas, as que melhor sentem todas essas mil ninharias que compõem o ser humano em sua parte moral, física e intelectual. Mas são também os mais infelizes, porque se dão mais aos outros do que recebem.
Os maiores fluídicos geralmente têm mais desgosto de sua personalidade. Pensam nos outros e jamais em si mesmos. Isto também se deve, talvez, a uma espécie de intuição secreta; sentem que sem essa liberação de seu excesso, que derramam sobre os outros, não poderiam ter repouso.
Lamentemos os fluídicos e os sensitivos. A vida para eles tem mais dores que alegrias; não passa de um contínuo sofrimento.
Mas, ao mesmo tempo, admiremo-los, porque são bons, generosos e dotados de caridade humanitária. Deles se desprende uma força para aliviar os seus irmãos, e é por serem mais completamente tudo para todos, que são tão pouco para si mesmos.
E talvez o seu adiantamento seja mais rápido e maior num outro mundo, porque passaram por este aplicando-se apenas em fazer o bem aos outros.
Por vezes, depois de um grande desprendimento, o fluídico sofre e chega a um extremo grau de fraqueza, até o momento em que entra de novo na posse de sua força. Quando uma pessoa sofre, ele não calcula e vai até ela. O coração o arrasta vitoriosamente, adivinha quem puder! Não é mais um homem detido por frias conveniências; é uma alma que desperta ao primeiro grito de sofrimento, e que não se lembra mais senão depois que o alívio chegou!
OS SONÂMBULOS.
[Início.]
O sonambulismo, que pode ser dividido em três categorias, não se refere diretamente a nenhuma das três fases que acabamos de descrever.
1º O sonâmbulo natural muito raramente será um bom magnetizador. Pode não ser acessível à inspiração, nem ao fluido forçado e concentrado num só ponto pela sua vontade. Outras vezes seu estado anuncia uma predisposição favorável à recepção de um impulso.
O sonambulismo natural é o sonho posto em ação. O pensamento segue seu curso durante o sono dos órgãos. Esta é ainda uma prova de que algo vive em nós além da matéria, de que pensamos e vivemos durante o sono a vida ativa do Espírito, embora tenhamos por algum tempo todas as aparências do aniquilamento.
A vida ativa continua, pois, no sonâmbulo; apenas muda de forma, tomando a de um sonho. O espírito agita a matéria, pois os órgãos físicos são postos em ação por uma força enérgica, cuja lembrança o indivíduo perdeu ao despertar.
Estando o verdadeiro inspirado impregnado de uma força poderosa e desconhecida, tem algo do sonâmbulo natural, no sentido de obedecer a um impulso que lhe é estranho, deixando-o de o sentir logo que volta ao seu estado natural.
O sonâmbulo age sob a simples inspiração que emana dele; está concentrado num só objeto, razão por que, em todos os atos que então realiza, parece muito superior a si mesmo. Se o despertam, ele se perturba, grita como num pesadelo e essa brusca transição não é isenta de perigo para ele.
Esse estado bizarro não afeta nem fatiga os órgãos. Esses seres passam muito bem, porque, enquanto agem, o ser físico dorme, repousa, e só a imaginação trabalha.
2º No inspirado, pode-se dizer que há sempre uma grande soma de repouso físico. Marcado por outra individualidade, seu corpo não participa da ação que realiza e seu próprio Espírito, de certo modo dormita, desde que o forçaram a assimilar os pensamentos de outro, dos quais a seguir perde até os mais ligeiros traços, à medida que desperta para a vida ordinária.
Nas naturezas dóceis (e nem todos os sonâmbulos o são), esse trabalho de concentração, de posse do ser, é feito sem luta, razão por que esses pensamentos lhes são dados de maneira mais particular, precisamente porque não interrompem o repouso naqueles a quem são trazidos.
Por vezes os sonâmbulos são confundidos com os inspirados, porque há semelhança nos resultados.
Uns e outros prescrevem remédios. Mas só o inspirado é um revelador; é nele próprio que reside o progresso, pois só ele é o eco, o instrumento passivo de um Espírito diferente do seu, e mais adiantado.
O magnetismo desperta no sonâmbulo, superexcita e desenvolve o instinto que a natureza deu a todos os seres para a sua cura, e que a civilização incompleta em que nos debatemos abafou em nós para o substituir pelos falsos lampejos da Ciência.
Os inspirados não precisam absolutamente do socorro do fluido magnético. Vivem pacíficos, em nada pensam. De repente uma palavra, inicialmente obscura e indistinta, é murmurada ao seu ouvido; essa palavra os penetra; toma sentido, cresce, alarga-se, torna-se um pensamento; outras se grupam em redor; depois, chegada à maturidade a elaboração íntima, uma força irresistível os domina e, quer pela palavra, quer pela escrita, é preciso que expulsem a verdade que os obceca.
Eles estão de tal modo impregnados por seu objeto, de tal forma possuídos que, durante essas horas de elaboração ou de diversão, não são mais acessíveis aos sofrimentos do corpo, pois não mais o sentem e já não têm consciência de si, e porque, enfim, neles vive um outro ser em seu lugar.
Pouco a pouco, à medida que o sopro inspirador os abandona, a dor retorna; eles voltam à posse de si mesmos, vivem por sua própria vontade, subordinada às suas percepções pessoais, e da aparição extinta não resta mais senão uma espécie de vazio no cérebro, conforme a expressão consagrada, mas vazio que, na realidade, existe no organismo inteiro.
Muitas vezes o inspirado se acha inconscientemente impregnado, desde muito tempo, pelo Espírito de outrem. Mau grado seu, tem instantes de recolhimento forçado; sabe e é capaz de concentrar melhor as ideias, parecendo viver a vida comum e trocar com os outros os pensamentos ordinários. Mas suas distrações são mais frequentes, mesmo que seu Espírito ainda não esteja concentrado numa coisa do que noutra. Flutua no vazio; deixa-se embalar por uma espécie de entorpecimento, que é o começo da infusão de comunicações, ainda no primeiro trabalho de transmissão.
Por si mesmo, o magnetismo não dá inspiração: no máximo a provoca e a torna mais fácil. O fluido é como um ímã, que atrai os mortos bem-amados para os que ficaram. Desprende-se abundantemente dos inspirados e vai despertar a atenção dos seres que já partiram e que lhes são similares. Estes, por seu lado, depurados e esclarecidos por uma vida mais completa e melhor julgam melhor e melhor conhecem os que lhes podem servir de intermediários, numa ordem de fatos que julgam útil revelar-nos.
É assim que esses seres mais adiantados muitas vezes descobrem, naquele que escolheram, disposições que ele mesmo desconhecia. Desenvolvem-.no neste sentido, apesar dos obstáculos opostos pelos preconceitos do meio social ou pelas prevenções da família, sabendo que a Natureza preparou o terreno para receber a semente que eles querem espalhar.
Eis um médico que ficou medíocre porque considerações mais fortes que a sua vontade lhe impuseram uma vocação factícia: a inspiração jamais fará dele um revelador em Medicina. Jamais o Espírito virá lhe comunicar as coisas ligadas à profissão que o constrangeram a exercer, mas as relacionadas com as faculdades naturais que, à sua chegada na Terra, lhe foram atribuídas para que as desenvolvesse pelo trabalho, e que ficaram em estado latente. Aí estava a obra que ele devia realizar. O Espírito o pôs no caminho e lhe fez compreender sua verdadeira missão.
O magnetismo, enquanto inspiração, nada pode em favor desta criatura fatalmente desviada. Apenas, como há desacordo entre as tendências que lhe imprimem os seus fluidos e as funções que as circunstâncias o condenaram a exercer, está descontente, infeliz; sofre e, deste ponto de vista, o magnetismo pode, por um momento, vir acalmar os pesares que experimenta em presença de seu futuro despedaçado.
É, pois, erroneamente que em geral se crê, no mundo, que para ser inspirado é preciso ser magnetizado. Ainda uma vez, o magnetismo não dá a inspiração; faz circular o fluido e nos põe em equilíbrio, eis tudo. Ademais, é incontestável que desenvolve o poder de concentração.
Os sonâmbulos mais impressionantes, os que espalham luzes novas ao seu redor, são, ao mesmo tempo, inspirados; contudo, não se deve crer que o sejam igualmente em todas as horas.
3º Os sonâmbulos geralmente são mais fluídicos do que inspirados. Concebe-se, então, a oportunidade da ação magnética. O toque, quer do magnetizador, quer de uma coisa que lhe pertenceu, pode dar-lhe esse poder de concentração provocada e previamente aumentada pelos passes magnéticos. Junto à predisposição sonambúlica, o magnetismo desenvolve a segunda vista e produz resultados extraordinários, sobretudo do ponto de vista das consultas médicas.
O sonâmbulo está de tal modo concentrado pelo desejo de curar a pessoa cujo fluido está em relação com o seu, que lê no seu ser interior.
Se alia a esta disposição a de ser inspirado, coisa extremamente rara, é então que se torna completa. Vê o mal; indicam-lhe o remédio!
Os Espíritos que vêm impregnar o inspirado não são seres sobrenaturais. Viveram em nosso mundo; vivem num outro, eis tudo. Pouco importa a forma física que revestem; sua alma, seu sopro é idêntico ao nosso, porque a lei que rege o Universo é una e imutável.
Sendo o fluido o princípio da vida, a animação, e tendo a nossa alma, graças a fluidos diferentes, atrações e, por conseguinte, destinos múltiplos e diversos; se, pela ação magnética, se desvia de sua espontaneidade o poder de concentração sobre o pensamento que nos deve ser transmitido, o Espírito não pode exercer mais sua ação, conservar sobre nós sua mesma força, sua vontade intacta para nos fazer escrever ou ler em alta voz, para o mundo que necessita, aquilo que veio trazer-nos.
Também os médicos que dirigem os sonâmbulos devem evitar, tanto quanto possível, magnetizá-los, sob pena de substituírem a verdadeira inspiração por uma simples transmissão de seu próprio pensamento.
Os sonâmbulos, tanto quanto os inspirados ou os fluídicos, não podem agir sobre todos os seus irmãos encarnados. Cada um não tem poder senão sobre um pequeno número. Mas todos, em suma, aí encontrarão sua parte, quando não mais se tiver horror a essas forças generosas que se desprendem de nós em graus mais ou menos intensos.
Para os sonâmbulos fluídicos, o emprego do magnetismo é útil por exercer sobre eles sua influência de concentração. Apenas há nesse estado, ainda mais do que em qualquer outro, uma força de atração ou de repulsão, contra a qual jamais se deve lutar.
Os mais ricamente dotados são acessíveis a antipatias muito extremas para que as possam abafar. Experimentam-nas, assim como as inspiram. Suas prescrições, nesses casos, raramente são boas. Mas, ordinariamente dotados de uma grande força moral, ao mesmo tempo que de excessiva benevolência, adquirem grande poder de moderação sobre si mesmos, e, se nem sempre lhes é permitido fazer o bem, pelo menos jamais farão o mal.
Eugène Bonnemère.
[Revista de julho de 1869].
3 EXTRATO DOS MANUSCRITOS DE UM JOVEM MÉDIUM BRETÃO.
(Terceiro artigo. — Vide a Revista de junho de 1869.)
IV.
— OS SONÂMBULOS.
(Continuação e fim.)
Existe, pois, no sonambulismo, três graus bem distintos.
Primeiro se apresenta o sonâmbulo natural, que pode permanecer sem qualquer ação sobre os outros, embora a isso predisposto pela natureza dos seus fluidos.
Vem em seguida o sonâmbulo inspirado, que nada tem de si mesmo, mas que, de certo modo, é o recipiente por onde passam os pensamentos dos outros. O magnetismo — entendei bem — não lhe dá a inspiração. Mas se, depois de ter sentido o seu efeito, ele cai num estado de prostração que não lhe permite emiti-lo, o magnetismo pode, entretanto, ao restabelecer a circulação fluídica, restaurar-lhe o equilíbrio e devolvê-lo à posse de si mesmo.
Finalmente, temos o sonambulismo fluídico, do qual o poder curativo se desprende espontaneamente, e que pode, como dissemos, ser levado à inspiração pelo emprego do magnetismo. Então, temos o ser chegado ao completo desenvolvimento de suas faculdades.
A utilidade do magnetismo é, pois, imensa. Para começar, é um poderoso agente curativo, principalmente para as afecções nervosas, que só ele pode curar. Depois, nos casos em que o homem procura destrinçar, através do caos de seus pensamentos, uma forma, uma revelação, que ele não sabe ou é incapaz de descobrir, ele lhe dá um poder de concentração que só os homens de gênios possuem e que lhes permite criar grandes obras, fazer grandes descobertas.
Malbaratamos a nossa inteligência pelos mais diversos assuntos, razão por que tão raramente podemos produzir alguma coisa de durável. O magnetismo nos dá artificialmente e por alguns momentos esta faculdade que nos falta; mas não se deve abusá-la, porque, então, em vez desse poder de concentração que lhe devemos, ele produziria a desordem no jogo dos fluidos e poderia exercer uma ação funesta sobre o organismo.
Se existe realmente atração entre o sonâmbulo e aquele que o consulta, então é quase certo que as prescrições do primeiro serão boas e salutares. Nos casos contrários, só devemos aceitá-las sob muita reserva.
Muitas vezes o sonâmbulo e o consulente sentem-se bem no seu contato recíproco, porque um se beneficia com o excesso de fluidos do outro e os dois são devolvidos à situação normal. Por isso, os fluídicos se ligam de bom grado àqueles que lhes são simpáticos. A ação moral se confunde com a ação física e agem em comum. Em outras vezes, enfim, o magnetizador pode adquirir a doença que pretendia curar.
É necessário então expulsar, por um desprendimento magnético, o fluido que não está em harmonia com o nosso.
Nem sempre o magnetizador consegue curar, porque, ao apoderar-se de um fluido que não lhe pertence e que o faz sofrer, pode transmitir ao paciente uma porção do seu, que está em desacordo com o outro. Mas esses fenômenos raramente se produzem e o magnetismo, sabiamente administrado, quase sempre levará a excelentes resultados.
O fluido é a pilha elétrica que desprende as centelhas destinadas à reconstituição de um estado sadio e regular.
Acontece muitas vezes que os indivíduos predispostos a receber a inspiração pelos fluidos que se desprendem deles mesmos, são sonâmbulos em alguns momentos, quando a ação magnética os domina, e inspirados em outros.
Se impomos a nossa vontade a um sonâmbulo, para obter a cura de pessoas que ele só conhece através de objetos que lhes pertenceram, é necessário, para que haja resultado, que os fluidos se conjuguem e atuem uns sobre os outros.
A mais rica harmonia provém de contrastes e de dissonâncias. Dois fluidos semelhantes se neutralizam: para agirem um sobre o outro deve haver apenas um ponto de contato, e que sejam de naturezas opostas.
Quando alguém é inspirado, é quase sempre por muitas pessoas ao mesmo tempo e sobre assuntos diferentes. Cada um traz o seu contingente à elaboração comum. Se algumas revelações são imediatas e completas, outras se produzem mais lentamente e de maneira contínua, isto é, cada dia, cada hora traz o seu átomo de verdade que lentamente se infunde, antes de amadurecer e poder manifestar-se.
O progresso do globo se realiza pela sucessão das gerações, que herdam conhecimentos que o passado lhes deixa e lhes traz, e que, por seu labor no presente, preparam o advento do futuro.
Quando os Espíritos querem agir, pode acontecer que estejam sujeitos a alguma preocupação, que absorve e torna menos dócil a recepção dos pensamentos que eles transmitem. Muitas vezes, então, a inspiração procede do objeto desejado, antes que outros Espíritos se apossem do sujeito para lhe ditarem coisas desconhecidas e pouco edificantes.
É assim que, por uma comovente precaução pelo futuro, os remédios são indicados a pessoas amadas quando elas ainda não precisam deles.
De outras vezes, quando o perigo aperta, surge uma palavra, não para impressionar o vosso ouvido, mas para vos penetrar e de algum modo vos invadir. Essa palavra é o nome do remédio, é o desprendimento necessário do vosso espírito que, empolgado pela preocupação ardente de fazer o bem, não se deixaria invadir facilmente por outra ordem de ideias. São os amigos que acorrem em vosso auxílio, trazendo o alívio para vós ou para aqueles por quem vos interessais.
Encontramos no estado espírita ou sonambúlico tantas fases diferentes quantas no estado ordinário. Como vos dissemos, tudo segue uma lei única, imutável, e Deus não permite que o sobrenatural e o miraculoso jamais venham perturbá-la. Quem pode discernir todos os matizes, todos os pensamentos que, num dia, atravessam o cérebro do homem? Os Espíritos vivem como nós; suas tendências, suas aspirações são as nossas; mas, embora estejam bem longe da perfeição, estão mais adiantados e marcham mais rapidamente, livres que estão de todas as mesquinharias da nossa triste existência.
Há, pois, médiuns que são mais frequentemente e mais completamente inspirados do que outros. Esperemos, recebamos com reconhecimento as revelações que lhes é permitido dar-nos, mas não violentemos essas indiscrições de além-túmulo. Se os que nos inspiram precisam vir, virão; de outro modo, silenciarão.
Jamais abdiquemos da força de nossa razão. Há charlatães que enganam; há entusiastas que se enganam.
O charlatanismo floresce nas épocas e nos países despóticos, quando dizer uma verdade nova é uma temeridade e equivale a um crime. A terra livre da América era mais favorável que outra qualquer aos experimentadores, sempre impulsionados na busca do desconhecido. Por isso os americanos foram os primeiros a compreender as relações deste com o outro mundo e constatar a existência desta cadeia mais fluídica do que misteriosa, que liga os que partem aos que ficam.
O Espiritismo é a lei que rege as relações das almas entre si.
Nos dias malditos da Idade Média, e mesmo em tempos mais próximos de nós, quando a Igreja distribuía parcimoniosamente aos homens a luz de que se atribuía o monopólio, punindo com morte horrível aquele que considerava em erro, era necessário ocultar-se para estudar os segredos da Natureza. Era o tempo dos feiticeiros, dos alquimistas, pobres alucinados muito pouco perigosos, ou homens hábeis que exploravam a credulidade popular; mas, às vezes também eram seres inspirados, fluídicos ou sonâmbulos, grandes luminares da Humanidade, vulgarizadores dos conhecimentos revelados pelos Espíritos evoluídos, aliviando seus irmãos o melhor que podiam, trazendo o seu grão de areia ao lento e laborioso edifício do progresso, e pagando às vezes com a vida a obra providencial que realizavam.
As pitonisas eram sonâmbulas; as cartomantes frequentemente são extáticas mais ou menos lúcidas que, para chocar as imaginações vulgares, se servem de meios grosseiros que lhes facilitam a tarefa. Mas os homens gostam de ser enganados, mesmo quando buscam a verdade.
Mesmer recorria a uma tina, outros fazem ver o futuro numa garrafa d’água, outros ainda num espelho mágico. A Ciência avança, reconhece-se a inutilidade das encenações, a vacuidade dos processos materiais. Descobriu-se a existência do fluido, a ação que o homem pode exercer sobre o seu semelhante. Chegou-se à adoção de processo mais simples. Os passes magnéticos são suficientes. Um magnetizador poderoso pode mesmo agir somente pela força da sua vontade, de braços cruzados, para a liberação de seu fluido, que irá alcançar esta ou aquela pessoa em relação fluídica com ele.
Porque o magnetismo não age sobre todos indistintamente, nem da mesma maneira sobre todos. Numa reunião numerosa, acontecerá que, ao tentar fazer uma pessoa adormecer, será outra, no ângulo oposto do apartamento, que se apoderará do fluido.
Outros são inspirados ou caem em sonambulismo lúcido, espontaneamente, ou quando querem, ou mesmo quando queriam resistir à influência que os subjugam.
No seu horror instintivo ao materialismo e ao nada, o homem tem sede do maravilhoso, do sobrenatural, de aparições e de evocações. Daí o sucesso da magia no mundo.
Da Índia, seu berço, a magia passou antigamente ao Egito, onde a vemos sustentar lutas contra Moisés, que a inspiração animava de um sopro tão poderoso, mas ainda com algumas intermitências. Israel não atravessou inutilmente a terra dos faraós. Era nesse foco vivificante do Egito que o gênio dos sábios da Grécia ia frequentemente se reanimar.
As Cruzadas foram buscar entre os árabes o segredo das ciências ocultas, cujo uso propagaram na Itália, na França, na Espanha. Os mouros e os judeus foram os primeiros médicos; consultavam-nos em segredo e queimavam-nos em público. E os doutores de hoje pensam defender a Ciência, zombando nos seus cenáculos e perseguindo nos tribunais esses últimos filhos perdidos dos seus ancestrais comuns.
Mas, muito dentre eles não são, de certo modo, um tanto charlatães? Não há por que repudiar o magnetismo de maneira tão absoluta. Outros o praticam clandestinamente, mas não ousam confessá-lo, temerosos de afugentar a clientela amedrontada. Em todo o caso, bem poucos dos que o negam chegaram a estudá-lo de boa-fé, sem outro móvel que o desejo de esclarecer-se.
Serão os últimos a admiti-lo. Ser-lhes-á difícil ajudarem com as próprias mãos a derrubada dos fundamentos científicos que tanto lhes custaram edificar.
Que terrível revolução quando, ao lado dos que, incontestavelmente, possuem enorme soma de conhecimentos científicos, e que ignoram apenas um — o de curar os seus semelhantes — seres simples, os primeiros a chegar, puderam ler, como num livro aberto, nos corpos humanos, sem terem estudado Anatomia, penetrando-os com os olhos como se fossem de vidro e, em vez desses remédios gerais que agem sempre de maneiras diversas e imprevistas, indicarem .o agente preciso que se deve empregar, segunda a natureza de cada um? Quantas posições comprometidas, no dia em que o Espiritismo e o magnetismo combinados tiverem substituído, para a maior felicidade de todos, a Medicina tão falível e tão ruinosa das faculdades, por essa medicina familiar, que estará à disposição de quase todos os que a desejarem praticar.
A Quiromancia † é uma ciência de observação, em socorro da qual vêm a Frenologia † e a Fisiognomonia, † auxiliadas pela intuição, disposição fluídica particular e especial. Todo mundo pode observar as proeminências que existem na cabeça, a infinita variedade dos traços, as múltiplas linhas traçadas nas mãos, mas nem todos podem deduzir, com exatidão ou mais ou menos, os seus significados e os seus efeitos no organismo. Mas o fluido que se desprende do consulente, atingindo o que o examina, permite a este último descobrir de maneira mais ou menos acertada os fatos do passado do outro e até mesmo predizer o que, segundo as probabilidades, deve lhe acontecer no futuro. A simples pressão das mãos ou o toque da cabeça põe o fluídico em vibração, em consequência da tensão e da concentração do espírito a que se habituou.
Assim se explicam os casos de revelação, de predição, que, ao se verificarem, causam admiração, encanto e pavor ao mesmo tempo.
Mas, não há nada de maravilhoso, nem de sobrenatural em tudo isto. As nervuras de nossas mãos podem comparar-se às das folhas das plantas. O conjunto, o aspecto, a forma geral, tudo se assemelha e, contudo, nada se parece. Estudai as folhas: talvez descubrais, em sua configuração, se a árvore a que pertencem está mais ou menos conformada para viver muito tempo.
Nossas mãos são como as folhas ligadas à extremidade dos ramos. São elas as nossas extremidades; movem-se, agem, põem-nos em relação com os outros, e é por elas que podemos conhecer o estado geral da saúde. Da mesma maneira que através dos pequenos ramos chega uma seiva mais delicada, assim também pelas mãos do homem, que são uma maravilha entre todas as maravilhas do corpo.
É a ponta do ramo que, flexível e como animada e dirigida por uma inteligência particular, se enrola em torno dos galhos que sustentam sua fragilidade. Assim, as trepadeiras, as clematites, as glicínias e a vinha… É pois na extremidade, tanto dos vegetais quanto do homem, que é dado tocar, que se apresenta a parte mais delicada, mais perfeita.
O tronco tem a força; a seiva e o sangue dão o impulso; as hastes e as mãos são os instrumentos dóceis.
Se a árvore tem folhas delgadas, salpicadas de branco ou de amarelo, caindo aos primeiros ventos do outono, é que está clorótica e podemos prognosticar com segurança que não viverá muito tempo. O homem cujas mãos são pequenas, frias, brancas, exangues, não figurará entre os atletas, nem entre os, centenários.
Como uma terra pobre e privada de sucos nutritivos poderia prodigalizar uma seiva abundante, capaz de lançar-se até a extremidade dos ramos para fazê-la crescer e alongar-se incessantemente?
A planta, como o animal, como o homem, toma proporcionalmente às suas energias vitais a sua parte fluídica, que circula por toda parte. Somente a planta e o animal, não tendo de despender de sua força e de sua vontade senão numa ordem de fatos mais restritos, são dotados de um fluido menos poderoso. Fazem sua parte de progresso, mas eles não o fazem sem que a isso sejam provocados.
Ao contrário, o homem tem responsabilidade de direção. Deus o aceita como colaborador na obra sublime da criação. Deus cria os tipos e reserva ao seu auxiliar o cuidado de descobrir as variedades infinitas, de multiplicá-las, de aperfeiçoá-las sem limites. Ele necessita, pois, de um fluido mais abundante, mais rico, para satisfazer à sua tarefa mais nobre e cumprir a missão providencial que lhe foi reservada.
Essas diferenças entre as linhas das mãos, as nervuras das folhas, são também encontradas nas patas dos animais, e por toda parte, enfim. Apenas no homem e nas criaturas mais avançadas, esses matizes são mais numerosos e mais acentuados. Mas, descendo mesmo até os mais ínfimos, uma observação atenta permitirá descobrir, nos diferentes ramos que terminam cada uma delas, sintomas, prognósticos de caráter e de saúde, que a ativa direção do homem pode modificar para melhor ou pior. É seu direito, é seu dever trabalhar para melhorar todas as coisas inferiores. A Natureza põe à sua disposição os meios curativos, e ele será insensato e mesmo culpável se não os empregar para prolongar e enobrecer a sua e a vida das demais criaturas, ou pelo menos para dar-lhe o equilíbrio necessário, durante o curso que ela deve seguir.
Há ação e reação dos homens uns sobre os outros, bem como sobre os animais, os vegetais, os minerais e tudo quanto nos rodeia. Por isso, o homem, o animal e a planta não vivem indiferentes junto aos demais seres.
Uma criação jamais ocorre senão quando todas as condições indispensáveis venham favorecê-la. Mas, descuidando desses detalhes essenciais, pretendemos aclimatar os animais sem os vegetais convenientes, sem preparar para estes o terreno que exigem, sem estudar as suas atrações e as suas repulsões, e sem observar se lhes damos vizinhos com os quais estarão em perpétua luta.
Nossos camponeses colocam às vezes um bode em meio aos bois e bezerros. Dizem que é para purificar o ar. Para nós, isto só o empestaria. Mas, uma vez que os animais do estábulo deixam o bode andar livremente ao seu redor, é que um secreto instinto os adverte, talvez, de que o seu cheiro acre é composto de gases que seriam prejudiciais a eles e cujas propriedades o bode modifica.
O meio em que vive e se desenvolve cada criatura influi enormemente sobre o seu caráter, sobre a sua saúde e sobre a parcela de inteligência que lhe é transferida para cumprir o seu destino.
A inteligência do vegetal, como a do animal, manifesta-se sobretudo na obra da reprodução. Muitas vezes o homem a violenta. Estudemos as condições nas quais cada ser deve cumprir o seu destino mais ou menos importante, e as criações esboçadas que os grandes cataclismos do passado pouparam darão lugar a criações superiores, e muitos dos males que elas engendram desaparecerão com elas.
Tudo se ressente, portanto, pelo toque, por vezes mesmo pela simples aproximação das comoções. elétricas e fluídicas, que exercem uma influência salutar ou funesta sobre a atitude geral do indivíduo.
O magnetismo não foi inventado por ninguém; existe desde toda a eternidade! Não se conhecia o seu emprego, como no caso do vapor e a eletricidade, a princípio negados, e que no entanto revolucionaram o mundo após alguns anos de existência. Dar-se-á o mesmo com esse fluido que, mais sutil do que todos os outros; vai atingir livremente, e em aparência um pouco ao acaso, os sexos contrários, as idades extremas, as castas até hoje hostis, para os confundir todos no seio de uma imensa solidariedade
Com efeito, o fluido é atração, lei única do Universo. É a fonte dos movimentos moral, material e intelectual, a fonte do progresso. Manda a caridade que nos aliviemos mutuamente, já que dispomos do poder e da vontade. Esse fluido comum, que nos liga a todos, a fim de estabelecer entre nós a fraternidade universal, não só nos faculta curar-nos uns aos outros, mas, também, associando-nos aos nossos amigos desaparecidos que, mau grado nosso nos legaram a herança de seus trabalhos, dá-nos os meios de inventar grandes coisas, que concorrerão poderosamente para o progresso de todos e para o bem-estar universal.
Já não nos escondemos por trás das muralhas do nosso egoísmo pessoal para nos sentirmos felizes no nosso isolamento. Queremos que todos estejam satisfeitos ao nosso redor e o sofrimento dos outros provocam nuvens sombrias no azul de nosso belo firmamento.
O entusiasmo foge à solidão para só fazer brilhar a sua potência irresistível entre as multidões eletrizadas. É que o fluido que se desprende de cada um de nós, adicionado, confundido, multiplicado, atritando-se e se chocando em caso de necessidade, por suas próprias discrepâncias faz surgir a harmonia.
O trabalho, o prazer mesmo, tudo aborrece quando estamos sós. Mas, basta chegar um amigo e outros em seguida, e eis que o entusiasmo, que arrasta, pouco a pouco se desenvolve. Que surjam então os grupos rivais, e o júbilo produzirá maravilhas.
A comunicação fluídica, essa quintessência de nosso ser, produz harmonia ao se desprender de nós para envolver aquele que sente a sua falta. Os fortes arrastam os fracos, elevam-nos por um momento até eles e a igualdade reina; ela governa os homens fascinados pelo seu domínio.
A bem dizer, todo o mundo é fluídico, pois que cada um sente impressões, experimenta atrações. Apenas as manifestações são mais ou menos intensas e sua influência se mostra com mais ou menos força. Alguns usam os fluidos para si mesmos, para a sua própria consumação, poderíamos dizer, e somente atuam debilmente sobre os seus semelhantes. Outros, pelo contrário, irradiam a distância e exercem ao seu redor uma pressão enérgica, para o bem ou para o mal.
Há ainda os que, não tendo nenhum poder sobre os outros homens, possuem uma poderosa faculdade de domínio sobre os animais e sobre os vegetais, que se modificam e se aperfeiçoam mais facilmente sob a sua ação inteligente.
Sendo o magnetismo o fluido circulante que cada criatura assimila à sua maneira e em graus diferentes, pode-se ver nele esse imenso encadeamento e essa imensa atração que une e desune, atrai e repele todos os seres criados, fazendo de cada um deles uma pequena unidade que vai, obedecendo à mesma lei, confundir-se na majestosa unidade do Universo.
O magnetismo que, aliás, não passa do processo de que nos servimos para a concentração e a liberação do fluido, é essa associação magnífica de todas as forças criadas. O fluido é o circulante que põe os seres em vibração uns com os outros.
Em certos casos de delírio momentâneo, o toque de uma pessoa simpática, seu beijo, sua palavra bastam para acalmar o doente. Já se viu o doente ser aliviado apenas se entrando em seu quarto, como é possível ver-se a excitação produzir-se quando outra pessoa se aproxima.
É o resultado das atrações ou das repulsões, explicadas pelo jogo dos fluidos entre si.
Diz-se frequentemente de pessoas que se casam, mas que não se amam: — Eles se amarão mais tarde!
Ao contrário, isto é bem pouco provável, porque a atração é livre e não se deixa violentar. Sem dúvida há naturezas pouco fluídicas, para as quais a estima pode suprir o amor; mas as grandes e generosas naturezas não poderiam contentar-se com esses sentimentos tíbios. A indiferença toma então o lugar do amor que falta, e é raro que, apesar de todos os mais belos raciocínios que façam, um ou outro desses esposos em desarmonia não se deixe encantar por outra pessoa. Talvez tenha a força de resistir a esse arrastamento, mas será incuravelmente infeliz.
Fechemos pois os ouvidos a esses falsos ensinamentos, e que as famílias não façam jamais do casamento um negócio, uma questão de tráfico ilegal. Quis Deus que o amor presidisse à perpetuidade da criação; respeitemos os seus desígnios e não violentemos os fluidos. O homem e a mulher obedecem ao charme, é a lei natural, e quando se tenta resisti-la, paga-se a desobediência com a infelicidade de toda a existência.
Eug. Bonnemère.