1. — O fim do mundo em 1911, tal é o título de uma pequena brochura in-18, de 58 páginas, espalhada em Lyon † com profusão e que se acha naquela cidade na livraria Josserand, n place Bellecour, † nº 3. Às considerações tiradas da concordância do estado atual das coisas com os sinais precursores anunciados no Evangelho, o autor acrescenta, conforme uma outra profecia, um cálculo cabalístico que fixa o fim do mundo para o ano 1911, nem mais, nem menos, isto é, dentro de 43 anos. De sorte que, entre os vivos de hoje, mais de um será testemunha dessa grande catástrofe. Ora, aqui não se trata de uma figura; é o fim bem real, o aniquilamento da Terra, a dispersão de seus elementos e a destruição completa de seus habitantes. É lamentável que a maneira por que se realizará este acontecimento não seja indicada, mas também é preciso deixar alguma coisa sem avisar.
Será precedido pelo reino do Anticristo. Segundo os mesmos cálculos; que não foram feitos por Arago, esse personagem nasceu em 1855 e deve viver 55 anos e meio; e como sua morte deve marcar o fim dos tempos, isto nos leva justo a 1911, a menos que tenha havido algum erro de cálculo, como para 1840.
Com efeito, a gente se lembra de que o fim do mundo também tinha sido predito para o ano de 1840; acreditavam com tanta certeza, que tinha sido pregado nas igrejas, e o vimos anunciado em certos catecismos de Paris às crianças da primeira comunhão, o que não deixou de impressionar deploravelmente alguns cérebros jovens. Como o melhor meio de salvar sua alma sempre foi dar dinheiro, despojar-se dos bens deste mundo, que são uma causa de perdição, foram feitas coletas e doações com este objetivo. Mas o Espírito do mal se insinua por toda parte neste século de racionalistas e impele aos piores pensamentos; ouvimos, com os próprios ouvidos, alunos de catecismo fazendo esta reflexão: “Se, diziam eles, o fim do mundo chega no próximo ano como nos asseguram, será tanto para os padres quanto para os outros; então para que lhes servirá o dinheiro que pedem?” Na verdade não há mais crianças, mas meninos terríveis.
2. — Sucederá o mesmo com o ano de 1911? A brochura em questão nos dá um meio certo de nos assegurarmos disto: é o retrato do Anticristo, pelo qual será fácil reconhecer o original; é bastante característico para que possa haver engano. É traçado por um célebre profeta alemão, Holzauzer, nascido em 1613, e que escreveu um comentário sobre o Apocalipse. n
Segundo Holzauzer, o Apocalipse não é senão a história completa da Igreja católica, desde o seu nascimento até o fim do mundo, história que ele divide em sete épocas, figuradas, diz ele, pelas sete igrejas, às quais se dirige São João. Eis alguns dos traços mais característicos do Anticristo e dos acontecimentos que devem preceder a sua vinda.
“Tocamos neste momento o fim da quinta época. É então que sucederão essas espantosas desgraças anunciadas no Apocalipse (capítulo VIII.). A peste, a guerra, a fome, os terremotos farão vítimas inumeráveis. Todos os povos se levantarão uns contra os outros; a guerra será geral na Europa; mas o incêndio rebentará primeiro na Alemanha…
“Depois destas guerras formidáveis, que ensanguentarão o mundo inteiro, o protestantismo desaparecerá para sempre e o império dos turcos se desmoronará. Será o começo da sexta idade.
“Os povos, esgotados por esses combates mortais, apavorados pelos horríveis flagelos, que marcarão o fim da quinta época, voltarão ao culto do verdadeiro Deus. Saindo vitoriosa das lutas sem-número que terá sustentado contra as heresias, a indiferença e a corrupção geral, a religião do Cristo reflorescerá mais brilhante que nunca. Jamais a Igreja católica terá tido um triunfo tão espetacular. Seus ministros, modelos de todas as virtudes, percorrerão o mundo para fazer ouvir aos homens a palavra de Deus…
“Mas esse triunfo da religião será de curta duração. O vício, abatido mas não aniquilado, pouco a pouco erguerá a cabeça, e logo a corrupção, fazendo rápidos progressos, invadirá novamente todas as classes da sociedade, e se introduzirá até no santuário. É então que se verá a abominação da desolação, anunciada pelo profeta. O mundo inteiro não será mais que uma imensa sentina de vícios e de crimes de toda sorte. Assim terminará a sexta idade.
“Então virá à Terra aquele que os profetas e os Pais da Igreja designaram sob o nome de Anticristo.
“Pobre e desconhecido, viverá uma vida miserável durante sua infância e a primeira juventude. Educado por seu pai no estudo das ciências ocultas, a elas se aplicará com furor e fará rápidos progressos. Dotado de inteligência pouco comum, de um espírito ardente e resoluto e de um caráter de ferro, mostrará, desde o berço, as mais violentas paixões. Reconhecendo nesse menino as temíveis qualidades daquele que deve um dia secundá-lo tão ardentemente em sua luta contra o gênero humano, Satã estremecerá de alegria e, pouco a pouco, lhe comunicará todo o seu poder.
“Todos os que dele se aproximarem ficarão maravilhados com os seus discursos e ações. Encará-lo-ão como um menino predestinado a grandes coisas, e dirão que a mão do Senhor estendeu-se sobre ele para o proteger e conduzir…
“Pouco a pouco, ajudado pelo renome, e aumentando ainda as maravilhas atribuídas ao jovem chefe, o número de seus sectários tornar-se-á rapidamente muito considerável…
“Logo se vendo à testa de um verdadeiro exército, composto de homens devotados até a morte, ele não hesitará mais em tomar o título de rei. Durante algum tempo ocupar-se-á em organizar o seu poder e pôr um pouco de ordem entre os seus novos súditos, mas nada negligenciando para lhes aumentar o número. Não tendo nome de família, tomará o nome de Cristo, que os judeus já lhe terão dado…
“Crescendo sua ambição com a fortuna, formará, no seu orgulho, o desígnio de conquistar toda a Terra e submeter todos os povos às suas leis…
“Em alguns dias o Anticristo reunirá um exército imenso e ver-se-á esse novo Átila engolir a Europa sob as ondas de suas hordas bárbaras. Os exércitos inimigos, feridos de pavor à vista dos numerosos prodígios que ele fará, deixar-se-ão dispersar e aniquilar, sem mesmo tentar combater. Três grandes reinos serão conquistados sem qualquer resistência. Seus soberanos expiarão nos mais cruéis suplícios sua recusa à submissão, e os povos vencidos serão entregues sem piedade a todos os furores de uma soldadesca desenfreada. Terrificadas ao saber dessas bárbaras vinganças; as outras nações imediatamente se submeterão. Então a Terra inteira não formará mais que um só e vasto reino, que o Anticristo governará a seu talante. Fará reconstruir, com uma magnificência inaudita, a cidade de Jerusalém, e dela fará a sede de seu império.
“Arrastado por seu fatal destino, ele fará todos os esforços por destruir todas as religiões, sobretudo a religião católica. Sobre os escombros do antigo culto, reconstruirá o edifício de um culto novo, do qual será, ao mesmo tempo, o sumo-sacerdote e o ídolo. Esta nova religião terá os seus defensores e os seus sacerdotes em toda parte. Um dos mais encarniçados e mais terríveis, aquele que São João designou nos versículos 11, 12 e 13 do capítulo XIII, como a besta de dois chifres, semelhantes aos do cordeiro, será o grande apóstata. Holzauzer o chama assim porque será um dos primeiros a renunciar ao Cristianismo para se dedicar com furor ao culto do Anticristo.
“Nessa época reinará sobre o trono de São Pedro um pontífice santo, com o nome de Pedro. Ferido de dor à vista dessas desgraças horrendas, e prevendo os perigos terríveis que correrão os fiéis, enviará a toda a cristandade santas exortações para premunir cada um contra as seduções do Anticristo, cuja perfídia desvendará claramente. Furioso por essa resistência aberta e pela imensa influência do Santo Padre, o grande apóstata entrará em Roma à frente de um exército e, com as próprias mãos, matará o último sucessor de Pedro nos degraus do altar…
“Por toda parte as igrejas serão invadidas, os santuários violados, os objetos do culto profanados. Os livros santos serão queimados, a cruz e todos os símbolos de nossa augusta religião serão pisados e arrastados no pó. Os quadros e as estátuas expostos à veneração dos fiéis serão derrubados; em seu lugar elevar-se-á a estátua maldita do Anticristo. — E esta estátua falará, diz o profeta…
“E ver-se-ão homens instruídos e eloquentes pregando essa idolatria de um novo gênero e, numa linguagem brilhante e imaginosa, exaltando os louvores daquele cuja estátua fala e faz milagres…
“Para ferir os olhos da multidão e subjugar as massas, o Anticristo realizará prodígios admiráveis. Transportará montanhas, andará sobre as águas e se elevará nos ares, todo brilhante de glória. Fará aparecerem vários sóis simultaneamente, ou mergulhará a Terra na mais completa escuridão. À sua voz, o raio cairá do céu, os rios suspenderão seu curso, as muralhas desabarão. Tornando-se invisível à vontade, irá de um lugar a outro com incrível rapidez e se mostrará em vários lugares ao mesmo tempo. Assim, como vimos, animará a sua imagem e lhe comunicará uma parte de seu poder. Mas, em sua maioria, esses prodígios não passarão de ilusões de óptica e o resultado de uma fantasmagoria diabólica; não serão verdadeiros milagres, porque Satã, com toda a sua força, não poderia mudar as leis da Natureza…”
Observação. – Se não são milagres, na acepção rigorosa da palavra, não sabemos a que se pode dar esse nome; e se são, em sua maioria, ilusões de óptica, essas ilusões se afastam singularmente das leis da Natureza, e elas próprias seriam milagres, porquanto jamais se viu o raio cair e as muralhas desabarem por efeitos de óptica. O que ressalta de mais claro desta explicação é a dificuldade em distinguir os verdadeiros milagres dos falsos, e de fazer, nos efeitos dessa natureza, a parte dos santos e a do diabo.
“Ao mesmo tempo que ferirá todos os espíritos de espanto e admiração, o Anticristo, para ganhar todos os corações, exibirá todas as aparências da mais austera virtude. Enquanto se entrega à mais vergonhosa devassidão no fundo do seu palácio, aparentará temperança e caridade. Prodigalizando ouro e prata em seu redor, fará grandes bens aos pobres e não haverá em toda parte senão concertos e louvores por sua beneficência e sua caridade. Vê-lo-ão cada dia passar horas inteiras em prece no seu templo; numa palavra, ele se cobrirá com o manto da hipocrisia com tanta habilidade, que mesmo os seus mais fiéis servidores serão persuadidos de sua virtude e de sua santidade.
“Entretanto, o Senhor não deixará seus filhos sem defesa e sem socorro durante esses tempos de provação. Enoque † e Elias voltarão à Terra para pregar a palavra de Deus, sustentar a coragem dos fiéis e desmascarar as imposturas dos falsos profetas. Durante mil duzentos e sessenta dias, ou três anos e meio, percorrerão o mundo, exortando todos os homens a fazer penitência e a voltar ao culto de Jesus-Cristo. Oporão verdadeiros milagres aos pretensos prodígios do Anticristo e de seus apóstolos… Mas depois de terem acabado o seu testemunho, a besta que sobe do abismo (o Anticristo) lhes fará guerra, os vencerá e os matará.”
Observação. – Não se poderia afirmar mais claramente a reencarnação. Não é aqui uma aparência, uma ilusão de óptica, é bem a reencarnação em carne e osso, pois os dois profetas são mortos.
“Então o orgulho do Anticristo não conhecerá mais limites. Orgulhoso da vitória que acaba de conquistar sobre os dois profetas que afrontavam tão impunemente o seu poder há três anos e meio, mandará construir um trono magnífico no Monte das Oliveiras e lá, cercado de uma legião de demônios transformados em anjos de luz, far-se-á adorar pela imensa multidão que será reunida para gozar de seu triunfo.
“Mas, chegado o vigésimo quinto dia, o corpo dos dois profetas, animado pelo sopro de Deus, ressuscitará e eles subirão ao céu, brilhantes de glória, à vista da multidão espantada. Enceguecido pela cólera e pelo ódio, o Anticristo anunciará que vai subir ao céu para buscar os seus inimigos e os precipitar na Terra. Com efeito, partindo nas asas dos demônios que o cercam, ele se elevará nos ares; mas nesse momento o céu se abrirá e o Filho do Homem aparecerá sobre uma nuvem luminosa. O Anticristo será precipitado do céu com seu cortejo de demônios e, fendendo-se a terra, descerá vivo para o inferno…
“Então o fim do mundo estará próximo. Não se escoarão mais anos, nem meses, mas poucos dias, último termo dado aos homens para fazer penitência. Os prodígios mais assustadores se sucederão sem parar, até que o mundo inteiro pereça numa imensa perturbação.
“Eis o que anuncia Holzauzer, e isto não é senão a explicação do que está contido no Apocalipse; é a doutrina de todos os Pais da Igreja, encerrada no Evangelho e nos Atos dos Apóstolos.”
Observação. – Assim, pois, acabará o mundo! Não é o sonho de um homem, é a doutrina de todos os Pais, que são a luz da Igreja. Aqueles de nossos leitores que apenas têm uma vaga ideia do Anticristo nos agradecerão, porque fizemos que o conhecessem com alguns detalhes, conforme as autoridades competentes. Se não há senão quarenta e três anos à sua frente, não tardaremos a ver esse reino maravilhoso. Por esses sinais reconheceremos a aproximação da data fatal.
O que há de estranho nesse relato é a obliteração do poder de Deus e de sua Igreja diante do Anticristo. Com efeito, após um triunfo de curta duração, a Igreja sucumbe novamente para não mais se erguer; a fé de seus ministros não é bastante grande para impedir a corrupção de introduzir-se até no santuário. Não é uma confissão ingênua de fraqueza e de impotência? São coisas que se pode pensar, mas é inabilidade gritar de cima dos telhados.
Teria sido deveras surpreendente que o Espiritismo não tivesse encontrado lugar nessa predição. Com efeito, ele aí está indicado como um dos sinais dos tempos, e eis em que termos. Não é mais Holzauzer quem fala, é o autor da brochura:
3. — “Mas eis que esses ruídos se precisam, que esses terrores, que parecem quiméricos, tomam consistência e se formulam claramente. O fim do mundo se aproxima, gritam de todos os lados! Na Europa, nos países católicos, recordam-se as velhas profecias que, todas, anunciam esse grande acontecimento para a nossa época…
“Não são senão os Espíritos batedores que dão o alarme. Abri O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, e lede na primeira página, nos prolegômenos, as palavras seguintes: “Os Espíritos anunciam que chegaram os tempos marcados pela Providência para uma manifestação universal e que, sendo eles os ministros de Deus e os agentes de sua vontade, têm por missão instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade”.”
Observação. – Não vemos que anunciar a regeneração da Humanidade seja anunciar o seu fim; estas duas ideias se contradizem. Os Espíritos, em vez de dar o alarme, vêm trazer a esperança.
“Logo de começo o profeta Joel nos diz: “Naqueles tempos a magia cobrirá toda a Terra, e ver-se-ão até as crianças de peito fazer coisas extraordinárias e discursar como pessoas grandes”.” n
“O Espiritismo, esta magia do século dezenove, invadiu o mundo. Há apenas alguns anos, na América, na Inglaterra, na França, fenômenos admiráveis, inauditos, excitaram a curiosidade geral. Móveis inertes, animando-se à vontade dos operadores, entregavam-se às mais fantásticas evoluções, e respondia sem hesitação às perguntas que lhes dirigiam. Buscou-se qual podia ser a causa inteligente desses efeitos inteligentes. As mesas responderam: São Espíritos, as almas dos homens que a morte levou, que vêm comunicar-se com os vivos. Novos fenômenos se produziram. Ouviram-se como que golpes batidos nos móveis, nas paredes das casas; viram-se objetos, movendo-se espontaneamente; ouviam-se vozes, sinfonias; viram-se mesmo aparições de pessoas mortas há muito tempo. Os prodígios se multiplicavam. Era preciso querer para ver; era preciso ver para ficar convencido.
“Em breve uma nova religião se organizou. Interrogados, os próprios Espíritos redigiram um código de sua nova doutrina. Foi, é preciso confessar, um sistema filosófico admiravelmente bem combinado sob todos os aspectos. Jamais o mais hábil sofista soube tão bem disfarçar a mentira e o paradoxo. Não podendo, sem desvendar sua origem e despertar suspeitas, quebrar de um golpe as ideias de Deus e de virtude, os Espíritos começam reconhecendo altamente a existência de Deus, a necessidade desta virtude; mas fazem tão pouca diferença entre a sorte dos justos e a dos maus, que se é forçosamente levado, por essas crenças, a satisfazer a todas as suas paixões e a buscar na morte um refúgio contra a infelicidade. O crime e o suicídio são as duas consequências fatais desses princípios que, à primeira vista, parecem marcados por uma moral tão bela e tão pura.
“Para explicar a anomalia dessas comunicações de além-túmulo, os Espíritos não puderam deixar de anunciar, como vimos, que os tempos marcados pela providência tinham chegado; mas, não querendo falar do fim do mundo, o que absolutamente não entrava em seu sistema, acrescentaram: para a regeneração universal da Humanidade.”
4.
Observação. – Por uma singular coincidência, no mesmo dia,
24 de fevereiro, em que nos chegou essa brochura, que nos era enviada
por um de nossos correspondentes de Lyon, †
e no momento que líamos estes últimos parágrafos, recebemos das cercanias
de Boulogne-sur-Mer †
uma carta, da qual extraímos as seguintes passagens:
“É do fundo de um vale obscuro do Boulonais † que vos chegam estas poucas palavras, reflexos de uma existência sofredora; porque o Espiritismo penetra por toda parte, para espalhar a luz e as consolações. Pessoalmente, quanto alívio não lhe devo, bem como a vós, senhor, que sois o seu dispensador!
“Nascido de pais muito pobres, carregados de oito filhos, dos quais sou o mais velho, ai! até agora não ganhei o meu pão, embora tenha vinte e nove anos, pela debilidade de minha constituição. Juntai a isto uma propensão inata ao orgulho, à vaidade, à violência, etc., e julgai o que tive de suportar de males, na minha miserável condição, antes que o Espiritismo tivesse vindo explicar-me o enigma de meu destino. Cheguei a tal ponto que resolvi suicidar-me.
“Para este fim, para acalmar as minhas apreensões e as censuras de minha consciência, eu me tinha dito, na minha fé de católico: Ferir-me-ei com um golpe que, embora mortal, não me fará morrer instantaneamente e me deixará dispor de alguns instantes de vida, suficientes para que eu tenha a possibilidade de me confessar, comungar e manifestar o meu arrependimento; numa palavra, de me pôr em condições de me assegurar uma vida ditosa no outro mundo, escapando aos males deste.
“Meu raciocínio era muito absurdo, não acha, senhor? E, contudo, não era consequente com o dogma que nos afirma que todo pecado, todo crime mesmo, é apagado pela simples confissão feita a um sacerdote que dá a absolvição?
“Agora, graças ao conhecimento do Espiritismo, semelhantes ideias estão para sempre banidas do meu pensamento; entretanto, quanta imperfeição ainda me resta a despojar!”
Assim, o Espiritismo impediu um ato, um crime que teria sido cometido, não na ausência de toda fé, mas antes, diz a pessoa, pela consequência mesma de sua fé católica. Neste caso, qual foi a mais poderosa para impedir o mal? Esse rapaz será danado por ter seguido o impulso do Espiritismo, obra do demônio, segundo o autor da brochura, ou teria sido salvo, suicidando-se, por ter recebido, antes de morrer, a absolvição de um sacerdote? Que o autor da brochura, com a mão na consciência, responda a esta pergunta.
5. — Tendo sido lidos os fragmentos acima na Sociedade de Paris, † o nosso antigo colega Jobard veio dar, espontaneamente, sobre o assunto, a comunicação seguinte, por um médium em sonambulismo espiritual:
(Sociedade de Paris, 28 de fevereiro. – Médium: Sr. Morin.)
Eu passava, quando o eco me trouxe a vibração de uma imensa gargalhada. Prestei atenção e, tendo reconhecido o ruído do riso dos encarnados e dos desencarnados, me disse: Sem dúvida a coisa é interessante; vamos ver!… E eu não acreditava, senhores, ter o prazer de vir passar a noite junto de vós. Contudo, estou feliz por isto, crede-o bem, porque sei toda a simpatia que conservastes por vosso antigo colega.
Assim, aproximei-me e os ruídos da Terra me chegaram mais distintos: O fim do mundo! exclamavam; o fim do mundo!… Oh! meu Deus, me disse eu, se é o fim do mundo, em que se vão tornar?… A voz de vosso presidente e meu amigo, chegando até mim, compreendi que vos lia algumas passagens de uma brochura na qual se anuncia o fim do mundo como muito próximo. O assunto interessou-me; escutei atentamente e, após ter refletido maduramente, venho, como o autor da brochura, dizer-vos: Sim, senhores, o fim do mundo está próximo!… Oh! não vos assusteis, senhoras, porque é preciso estar bem perto para o tocar; e quando o tocardes o vereis.
Esperando, se me permitis, vou dar-vos minha apreciação sobre esta palavra, espantalho dos cérebros fracos e, também, dos Espíritos fracos; porque, sabei-o, se o temor do fim do mundo aterroriza os seres pusilânimes do vosso mundo, fere igualmente de terror os seres atrasados da erraticidade. Todos os que não estão desmaterializados, isto é, que, embora Espíritos, vivem mais materialmente que espiritualmente, se apavoram à ideia do fim do mundo, porque compreendem, por esta palavra, a destruição da matéria. Não vos admireis, pois, de que essa ideia emocione certos Espíritos, que não saberiam em que se tornar, se a Terra não existisse mais, porquanto a Terra ainda é o seu mundo, o seu ponto de apoio.
Por mim, me disse: Sim, o fim do mundo está próximo; está aí, eu o vejo, o toco… está próximo para os que, mau grado seu, trabalham para precipitar o seu advento!… Sim, o fim do mundo está próximo; mas, o fim de que mundo?
Será o fim do mundo da superstição, do despotismo; dos abusos mantidos pela ignorância, pela malevolência e pela hipocrisia; será o fim do mundo egoísta e orgulhoso, do pauperismo, de tudo o que é vil e rebaixa o homem; numa palavra, de todos os sentimentos baixos e cúpidos, que são o triste apanágio do vosso mundo.
Esse fim do mundo, essa grande catástrofe que todas as religiões concordam em prever, é o que elas entendem? Ao contrário, não se deve ver a realização dos altos destinos da Humanidade? E se refletirmos em tudo o que se passa em torno de nós, esses sinais precursores não serão o sinal do começo de um outro mundo, isto é, de um outro mundo moral, em vez do da destruição do mundo material?
Sim, senhores, um período de depuração terrestre termina neste momento; um outro vai começar… Tudo concorre para o fim do velho mundo, e os que se esforçam por sustentá-lo trabalham energicamente, sem o querer, para a sua destruição. Sim, o fim do mundo está próximo para eles; pressentem-no e se apavoram, crede bem, mais que do fim do mundo terrestre, porque é o fim de sua dominação, de sua preponderância, a que se apegam mais do que a qualquer outra coisa; e isto não será, em relação a eles, a vingança de Deus, pois Deus não se vinga, mas a justa recompensa de seus atos.
Como vós, os Espíritos são filhos de suas obras; se são bons, é porque trabalharam para o ser; se são maus, não é porque tenham trabalhado para o ser, mas porque não trabalharam para se tornarem bons.
Amigos, o fim do mundo está próximo e vos convido vivamente a tomar boa nota desta previsão; ele está tanto mais próximo quanto já se trabalha para o reconstruir. A sábia previdência d’Aquele a quem nada escapa, quer que tudo se construa, antes que tudo seja destruído; e quando o edifício novo for concluído, quando a cumeeira estiver coberta, então é que desabará o antigo; cairá por si mesmo, de sorte que entre o mundo novo e o velho não haverá solução de continuidade.
É assim que se deve entender o fim do mundo, que já pressagiam tantos sinais precursores. E quais serão os poderosos obreiros para esta grande transformação? Sois vós, senhoras; sois vós senhoritas, com o auxílio da dupla alavanca da instrução e do Espiritismo. Na mulher na qual o Espiritismo penetrou, há mais que uma mulher, há um trabalhador espiritual; nesse estado, tudo trabalhando por ela, a mulher trabalha ainda muito mais que o homem na edificação do monumento, porque, quando ela conhecer todos os recursos do Espiritismo e dele souber servir-se, a maior parte da obra por ela estará feita. Amamentando o corpo de seu filho, também poderá alimentar o seu espírito; e que melhor ferreiro do que o filho de um ferreiro, aprendiz de seu pai? Assim o menino sugará, ao crescer, o leite da espiritualidade, e quando tiverdes espíritas, filhos de espíritas e pais de espíritas, o fim do mundo, tal qual o compreendemos, não estará realizado? Depois disto, admirai-vos de que o Espiritismo seja um espantalho para tudo o que se prende ao velho mundo, e do encarniçamento com que procuram sufocá-lo em seu berço?
Jobard.
[1] [La Fin du monde en 1911, d’après une prophétie célèbre, par Joseph-Gustave Leserteur - Google Books.]
[2]
[Propheties
Barthélémy Holzhauser, 1613-1658.]
[3] [Essa
citação parece referir-se a Joel
2.28.]