Mais alto, ainda mais alto! É teu voo, ó minha alma,
A este puro ideal que Deus te há revelado!
Bem para além dos céus, e esses mundos sem calma,
Para o seu fim divino, eu me sinto chamado.
De Jacob subirei, adormecido, a escada,
Eu sempre a subirei sem descê-la jamais;
Porque, bondosa e doce, em mão fraternizada,
Um Espírito bom meus passos guia em paz.
Ele me mostra o fim, e com amor me consola;
Ele está lá, eu sinto, e sua voz escuto
Me soar no coração, como Éolo que se evola
Em sopros na montanha e bosques que eu perscruto.
Que importa o nome seu! Se já não é da Terra;
Anjo misterioso e de amores celestes,
Tem do desconhecido um charme a sós que o encerra;
Ele habita bem longe, em mundos incontestes!
Lá!… Seu corpo que um raio em glória transfigura,
Na sutilização do éter puro impalpável
Ele os males não vê que há na frágil natura,
E portanto ele é bom, porque na dor afável.
No silêncio sempre me falas,
Eu te vejo na escuridade;
Pressentir me fazes te embalas
Bem nas glórias da eternidade.
Não me culpas se algum mal faço:
Se em vigília os meus sonhos passo,
Me completas coisas que abraço;
Facho que, em uma sombra, luz,
A coragem tu me sustentas,
Minha nave segura orientas,
Preservando-me nas tormentas,
E teu brilho a noite reduz.
Dizes tu: amor; oração;
Esperança; dizes: virtude,
E dás bem o nome de irmão
À criança humílima e rude;
Forte, buscas minha fraqueza,
Tanto queres minha baixeza
E ditosa, a minha pobreza.
És sagrado, angélico ser,
Depurado teu fluido em graça
Esta minha mortal carcaça,
E o ar das asas tuas me enlaça
A alma envolta em paz e prazer.
Quem tu sejas, alma esperança,
Obrigado, irmão lá do além;
Mulher jovem, velho ou criança,
Que me importa! Não és o bem?
Planas sobre a minha cabeça,
Em correndo assim, tua pressa
Um cometa pois atravessa,
Algum outro astro em formação;
Tu habitas nessa atmosfera,
Marte ou de Saturno na esfera,
Ou da grande Ursa vens de espera,
De Aldebaran, de Orion, então?
E que me importa a mim onde moras!
E que importa a mim de onde venhas!
Que inaudito céus e que auroras,
Ao senti-los os meus são brenhas?
Salve, ó minha tão doce estrela;
Guia a minha indecisa vela,
Sobre o mar que a bruma cancela,
Longe enfim de escolhos, porém,
Sejas um farol na tormenta,
A se erguer da vaga espumenta,
E essa luz que amiga contenta,
Findo o exílio buscar-me vem.
Jules-Stany Doinel. (d’Aurillac.) n |