Um dos nossos assinantes de Boulogne-sur-Mer † manda-nos o seguinte, em data de 24 de dezembro de 1865:
“Há alguns dias fiquei sabendo que em Équihen, † vilarejo de pescadores, perto de Boulogne, † em casa de um tal L…, fazendeiro muito rico, passavam-se fatos com o caráter de manifestações físicas espontâneas, e que lembram os de Grandes-Ventes, perto de Dieppe, de Poitiers, de Marselha, etc. Todos os dias, em torno das sete horas da noite, pancadas e rolamentos muito barulhentos são ouvidos no soalho. Um armário fechado a chave se abre de repente e as roupas que contém são lançadas no meio do quarto; as camas, sobretudo a da filha da casa, são bruscamente desfeitas várias vezes seguidas.
“Embora a população estivesse longe de se ocupar de Espiritismo e, mesmo, de saber do que se trata, pensaram que o autor desse tumulto, cuja causa as pesquisas e uma vigilância muito minuciosa foram incapazes de descobrir, bem poderia ser um irmão do tal L…, antigo militar, morto há dois anos na Argélia. † Parece que tinha recebido dos parentes a promessa que, se morresse em serviço, mandariam trazer o corpo para Équihen. Como a promessa não foi cumprida, supunham que fosse o Espírito desse irmão que, diariamente e há seis semanas, viesse perturbar a casa e todo o vilarejo.
“O clero incomodou-se com os fenômenos; quatro curas da localidade e das circunvizinhanças, depois cinco redentoristas e três ou quatro religiosas, vieram para exorcizar o Espírito, mas inutilmente. Vendo que não conseguiam fazer cessar o barulho, aconselharam o tal L… a partir para a Argélia, a fim de buscar o corpo do irmão, o que fez imediatamente. Antes da partida, esses senhores fizeram com que toda a família se confessasse e comungasse; depois disseram que era preciso dizer missas, sobretudo uma missa cantada, depois missas rezadas diariamente. Celebrada a primeira, os redentoristas se encarregaram das outras. Recomendaram expressamente às senhoras L… que abafassem aqueles ruídos e dissessem a todos quantos viessem informar-se se a coisa continuava, que o barulho era provocado pelos ratos. E acrescentaram: É preciso que vos guardeis de propagar essas coisas, pois isto seria uma grave ofensa a Deus, e porque existe uma seita que procura destruir a religião; que se ela soubesse o que se passa, não deixaria de tirar partido, a fim de a prejudicar, pelo que a família seria responsável perante Deus; que era uma infelicidade que a coisa já se tivesse espalhado. A partir desse momento as portas foram hermeticamente fechadas, a cancela do pátio cuidadosamente trancada a chave e a entrada interdita a todos os que viessem todas as noites ouvir o barulho. Mas se puseram chaves em todas as portas, não as puderam colocar em todas as línguas, e os ratos agiram tão bem que eram ouvidos num raio de dez léguas. Engraçadinhos disseram ter visto os ratos roendo a roupa, mas não as atirar para fora, nem abrir portas fechadas a chave. É que, diziam eles, provavelmente são ratos de uma nova espécie, trazidos por algum navio estrangeiro. Esperamos com impaciência que os mostrem ao público.”
O mesmo fato nos é relatado por dois outros correspondentes. Disso ressalta uma primeira consideração, a de que esses senhores do clero, que eram numerosos, e que tinham interesse em descobrir uma causa vulgar, não teriam deixado de assinalá-la, caso existisse, e, sobretudo, não teriam prescrito a pequena mentira dos ratos, sob pena de incorrer no desagrado de Deus. Reconheceram, pois, a intervenção de um poder oculto. Mas, então, por que o exorcismo é sempre impotente em semelhantes casos? Para isto há, antes de mais, uma razão peremptória: é que o exorcismo se dirige aos demônios; ora, como os Espíritos obsessores e batedores não são demônios, mas seres humanos, o exorcismo não tem influência sobre eles. Em segundo lugar, o exorcismo é um anátema e uma ameaça que irrita o Espírito malfeitor, e não uma instrução capaz de o tocar e o conduzir ao bem.
Na circunstância presente, aqueles senhores reconheceram que podia ser o Espírito do irmão morto na Argélia, sem o que não teriam aconselhado que fossem buscar o seu corpo, a fim de cumprir a promessa que lhe fora feita; não teriam recomendado missas, que não podiam ser ditas em favor dos demônios. Em que se torna, pois, a doutrina dos que pretendem que só os demônios podem manifestar-se e que tal poder é negado às almas dos homens? Se um Espírito humano pôde fazê-lo no caso de que se trata, por que não o faria em outros? Por que um Espírito bom e benevolente não se comunicaria senão pela violência, para ser lembrado pelos que o amaram e lhes dar sábios conselhos?
É preciso ser consequente consigo mesmo. Dizei sem rodeios, de uma vez por todas, que são sempre os demônios, sem exceção: a gente acreditará no que quiser; ou, então, reconhecei que os Espíritos são as almas dos homens, e que no número, há bons e maus que podem comunicar-se.
Aqui se apresenta uma questão especial do ponto de vista espírita. Como os Espíritos podem exigir que seus corpos fiquem de preferência num lugar a outro? Os Espíritos de certa elevação não se prendem absolutamente a isto; mas os menos adiantados não são tão desprendidos da matéria, a ponto de não ligar importância às coisas terrenas, de que o Espiritismo oferece numerosos exemplos. Mas aqui o Espírito pode ser solicitado por outro motivo, o de lembrar ao irmão que ele faltou à sua promessa, negligência que este não podia se desculpar pela falta de recursos, já que era rico. Talvez tivesse pensado consigo mesmo: “Ah! meu irmão está morto; não irá fazer a sua reclamação, e será uma grande despesa a menos.”
Ora, suponhamos que o irmão, fiel aos seus compromissos, desde logo tivesse ido à Argélia, mas não encontrasse o corpo, dada a confusão inevitável em tempo de guerra, e tivesse trazido outro corpo, que não o do seu parente: este último não teria ficado menos satisfeito, porque o dever moral fora cumprido. Os Espíritos nos dizem sem cessar: O pensamento é tudo; a forma nada é e não nos prendemos a ela.