1. — Por certo a maioria dos nossos leitores leu nos jornais a comovente notícia do naufrágio do Borysthène, nas costas da Argélia, † no dia 15 de dezembro de 1865. Extraímos a passagem seguinte do relato de um passageiro que escapou do desastre, publicado no Siècle de 26 de janeiro.
“…No mesmo instante, um estalo terrível, indefinível, se fez ouvir, acompanhado de abalos tão violentos, que eu caí.
Depois ouvi um marinheiro gritar: “Meu Deus! estamos perdidos! orai por nós!” Acabávamos de bater num rochedo e o navio abriu-se; ouvia-se o borbulhar da água que entrava no porão. Os soldados, que se deitavam na ponte, safam-se na confusão, não importa onde, soltando gritos horríveis; os passageiros, seminus, atiram-se para fora dos camarotes; as pobres mulheres se agarravam a todo o mundo, suplicando que as salvassem. Rogavam a Deus aos gritos; despediam-se. Um negociante engatilha a pistola e quer estourar o cérebro: arrancam-lhe a arma.
“Os abalos continuavam; o sino de bordo tocava alarme, mas o vento rugia de modo tão terrível que o sino não era ouvido a cinquenta metros. Eram gritos, urros, preces; era não sei que de horroroso, de lúgubre, de medonho. Jamais vi, jamais li cena tão horrível, tão pungente. Estar ali, cheio de vida, de saúde, em face de uma morte que se julga certa, é uma morte terrível!
“Naquele momento supremo e indescritível, o vigário, Sr. Moisset, deu a todos a sua bênção. A voz cheia de lágrimas desse pobre padre, recomendando a Deus duzentos e cinquenta infelizes, que o mar ia devorar, revolvia todas as entranhas.”
2. — Não há um grande ensinamento nessa espontaneidade da prece, em face de um perigo iminente? No meio dessa multidão empilhada no navio, certamente havia incrédulos, que antes quase não pensavam em Deus nem em sua alma, e eis que, em presença de uma morte tida como certa, volvem o olhar para o Ser Supremo, como para a única tábua de salvação. É que no momento em que se ouve soar a última hora, involuntariamente o coração mais endurecido se pergunta o que vai ser dele. O doente, em seu leito, espera até o último momento, razão por que afronta todo poder sobre-humano; e quando a morte o fere, no mais das vezes já perdeu a consciência de si mesmo. Num campo de batalha há uma superexcitação que faz esquecer o perigo; e, depois, nem todos são atingidos e se tem alguma chance de escapar; mas no meio do oceano, quando o seu navio está sendo tragado, só se espera o socorro desta Providência que se havia esquecido, e à qual o ateu está prestes a pedir um milagre. Mas, ai! passado o perigo, quantos não dão graças ao acaso e à sua boa sorte! ingratidão que, cedo ou tarde, pagarão muito caro. (O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XXVII, nº 8).
3. — Em semelhante circunstância, qual o pensamento do espírita sincero? Diz ele: “Sei que devo esforçar-me por conservar a vida corporal; farei, pois, tudo quanto estiver em meu poder para escapar ao perigo, porque, se me entregasse voluntariamente, seria um suicídio; mas se aprouver a Deus ma retirar, que importa que seja de uma maneira ou de outra, um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde! A morte não me traz nenhum temor, porque sei que apenas o corpo morre e que é a entrada na verdadeira vida, a do Espírito livre, onde encontrarei todos os que me são caros.” Entrevê, pelo pensamento, o mundo espiritual, objetivo de suas aspirações, do qual só alguns instantes ainda o separam, e que a morte do corpo, que o retinha na Terra, vai enfim lhe dar acesso; alegra-se, em vez de afligir-se, como o prisioneiro, que vê se abrirem as portas de sua prisão. Só uma coisa o entristece: deixar aqueles que ama; mas se consola pela certeza de que não os abandonará e que estará mais vezes e mais facilmente junto deles do que em vida, que poderá vê-los e protegê-los. Se, ao contrário, escapou do perigo, dirá: “Já que Deus ainda me deixa viver na Terra, é que minha tarefa ou minhas provas ainda não acabaram. O perigo que corri é um aviso que Deus me dá, para estar preparado desde o primeiro momento, procedendo de modo que o seja nas melhores condições possíveis.” Depois lhe agradecerá o sursis concedido e se esforçará em aproveitá-lo para o seu adiantamento.
4. — Um dos episódios mais curiosos desse drama é o fato daquele passageiro que queria estourar os miolos, dando-se morte certa, ao passo que, correndo o risco do naufrágio, podia surgir um socorro inesperado. Que móvel poderia levá-lo àquele ato insano? Muitos dirão que tinha perdido a cabeça, o que era possível; mas talvez se tivesse movido, mau grado seu, por uma intuição da qual não se dava conta. Embora não tenhamos nenhuma prova material da verdadeira explicação, que é dada a seguir, o conhecimento das relações que subsistem entre as diferentes existências, pelo menos lhe dá um alto grau de probabilidade.
As duas comunicações seguintes foram dadas na sessão da Sociedade de Paris, † realizada em 12 de janeiro.
I.
5. — A prece é o veículo dos fluidos espirituais mais poderosos, e que são como um bálsamo salutar para as feridas da alma e do corpo. Atrai todos os seres para Deus e, de certo modo, faz a alma sair da espécie de letargia na qual está mergulhada quando esquece seus deveres para com o Criador. Dita com fé, provoca nos que a ouvem o desejo de imitar os que oram, porque o exemplo e a palavra também levam fluidos magnéticos de grande força. As que foram ditas pelo padre no navio naufragado, com o acento da convicção mais tocante e da mais santa resignação, tocaram o coração de todos aqueles infelizes, que julgavam chegada a sua última hora.
Quanto ao homem que queria suicidar-se em face da morte certa, a ideia lhe veio de uma repulsa instintiva pela água, porque é a terceira vez que morre dessa maneira e suportou alguns momentos de angústias terríveis. Naquele momento, teve a intuição de suas desventuras passadas, que se projetaram vagamente em seu espírito: por isso queria acabar diferentemente. Duas vezes afogou-se voluntariamente, arrastando consigo toda a família. A impressão confusa que lhe tinha ficado dos sofrimentos suportados lhe davam o temor desse gênero de morte.
Orai por aqueles infelizes, meus bons amigos; a prece de várias pessoas forma um feixe que sustenta e fortifica a alma pela qual é feita; dá-lhe força e resignação.
São Bento. n
(médium: Sra. Delanne.)
II.
6. — Não é raro ver pessoas que, desde muito tempo não haviam pensado em orar, fazê-lo quando ameaçadas de um perigo iminente e terrível. De onde, então, pode vir essa propensão instintiva a aproximar-se de Deus nos momentos críticos? Do mesmo pendor que nos leva a nos aproximar de alguém que sabemos poder defender-nos, quando estamos em grande perigo. Então as doces crenças dos primeiros anos, as sábias instruções, os piedosos conselhos dos pais vêm como um sonho à memória desses homens vacilantes que, pouco antes, achavam Deus muito longe deles, ou negavam a utilidade de sua existência. Esses espíritos fortes, tornados pusilânimes, sentem tanto mais as angústias da morte quanto mais tempo ficaram sem acreditar em nada. Pensavam não ter necessidade de Deus e se podiam bastar. Deus, para lhes fazer sentir a utilidade de sua existência, permitiu que fossem expostos a um fim terrível, sem esperança de serem ajudados por nenhum socorro humano. Então se lembram que outrora oraram, e que a prece dissipa as tristezas, faz suportar os sofrimentos com coragem e suaviza os últimos momentos do agonizante.
Tudo isto aparece a esse homem em perigo; tudo isto o incita a orar novamente àquele a quem orou na infância. Então se submete e ora a Deus do mais íntimo do coração, com uma fé viva que toca as raias do desespero, para lhe perdoar seus desvarios passados. Nessa hora suprema já não pensa em todas as vãs dissertações sobre a existência de Deus, pois não mais duvida. Nesse momento crê e aí está uma prova de que a prece é uma necessidade da alma; que, se não tivesse resultado, pelo menos a aliviaria e, por isto mesmo, deveria ser repetida mais vezes; mas, felizmente, tem uma ação mais positiva e é reconhecido, como vos foi demonstrado, que a prece tem para todos uma imensa utilidade, tanto para os que a fazem, quanto para aqueles aos quais se aplica.
O que eu disse só é verdadeiro para o maior número. Porque, ah! alguns não recuperam a fé na hora extrema; que, com o vazio na alma, pensam que vão abismar-se no nada e, por uma espécie de frenesi, eles próprios querem precipitar-se. Esses são os mais infelizes, e vós, que sabeis toda a utilidade e todos os efeitos da prece, orai sobretudo por eles.
André. n
(médium: Sr. Charles B.)
[1]
[v. São
Bento.]
[2]
[v. André.]