1. — Ultimamente vimos uma seita tentar formar-se, arvorando como bandeira: A negação da prece. Acolhida em seu início por um sentimento geral de reprovação, nem chegou a viver. Os homens e os Espíritos se uniram para repelir uma doutrina que era, ao mesmo tempo, uma ingratidão e uma revolta contra a Providência. Isto não era difícil, porque, melindrando o sentimento íntimo da imensa maioria, trazia em si o seu princípio destruidor. (Revista de janeiro de 1866).
Eis agora uma outra que se ensaia em novo terreno. Tem por divisa: Nada de comunicação dos Espíritos. É muito singular que esta opinião seja hoje preconizada por alguns dos que outrora exaltaram a importância e a sublimidade dos ensinamentos espíritas, e que se vangloriavam do que eles próprios recebiam como médiuns. Terá mais chance de sucesso que a precedente? É o que vamos examinar em poucas palavras.
Esta doutrina, se é que se pode dar tal nome a uma opinião restrita a alguns indivíduos, fundamenta-se nos seguintes dados:
“Os Espíritos que se comunicam não passam de Espíritos ordinários, que, até hoje, não nos ensinaram nenhuma verdade nova, e que provam a sua incapacidade não saindo das banalidades da moral. O critério que se pretende estabelecer sobre a concordância de seu ensino é ilusório, por força de sua insuficiência. Cabe ao homem sondar os grandes mistérios da Natureza e submeter o que eles dizem ao controle de sua própria razão. Como suas comunicações nada nos podem ensinar, proscrevemo-las de nossas reuniões. Discutiremos entre nós; buscaremos e decidiremos, em nossa sabedoria, os princípios que devem ser aceitos ou rejeitados, sem recorrer ao assentimento dos Espíritos.”
Notemos que não se trata de negar o fato das manifestações, mas de estabelecer a superioridade do julgamento do homem, ou de alguns homens, sobre o dos Espíritos; numa palavra, de desvincular o Espiritismo do ensino dos Espíritos, pois as instruções destes últimos estariam abaixo do que pode a inteligência humana.
Esta doutrina conduz a uma singular consequência, que não daria uma ideia exata da superioridade da lógica do homem sobre a dos Espíritos. Graças a estes últimos, sabemos que os da ordem mais elevada pertenceram à humanidade corporal, que ultrapassaram há muito tempo, como o general ultrapassou a classe do soldado de onde saiu. Sem os Espíritos, ainda acreditaríamos que os anjos são criaturas privilegiadas e os demônios criaturas predestinadas ao mal por toda a eternidade. “Não, dirão, porque houve homens que combateram essa ideia.” Seja; mas que eram esses homens, senão Espíritos encarnados? Que influência teve sua opinião isolada sobre a crença das massas? Perguntai ao primeiro que aparecer se conhece ao menos de nome a maioria desses grandes filósofos. Ao passo que os Espíritos, vindo a toda a superfície da Terra, manifestar-se ao mais humilde como ao mais poderoso, a verdade propagou-se com a rapidez do relâmpago.
Os Espíritos podem dividir-se em duas categorias: os que, chegados ao ponto mais elevado da escala, deixaram definitivamente os mundos materiais, e os que, pela lei da reencarnação ainda pertencem ao turbilhão da humanidade terrena. Admitamos que só estes últimos tenham o direito de comunicar-se com os homens, o que é uma interrogação: nesse número há os que, em vida, foram homens esclarecidos, cuja opinião fez autoridade, e que seria uma ventura consultá-los se ainda fossem vivos. Ora, da doutrina acima resultaria que esses mesmos homens superiores tornaram-se nulidades ou mediocridades, ao passarem para o mundo dos Espíritos, incapazes de nos darem instrução de algum valor, ao passo que se inclinariam respeitosamente diante deles se se apresentassem em carne e osso nas mesmas assembleias onde se recusam a escutá-los como Espíritos. Disso resulta ainda que Pascal, por exemplo, não é mais uma luz desde que é Espírito; mas que, se reencarnasse num Pedro ou num Paulo, necessariamente com o mesmo gênio, já que nada teria perdido, seria um oráculo. Esta consequência é de tal modo rigorosa, que os partidários deste sistema admitem a reencarnação como uma das maiores verdades. Enfim, é preciso inferir que os que colocam — supomos que de muito boa-fé — sua própria inteligência muito acima da dos Espíritos, serão, eles mesmos, nulidades ou mediocridades, cuja opinião não terá valor, de sorte que seria preciso crer no que dizem enquanto estão vivos, e não crer amanhã, quando estiverem mortos, ainda mesmo quando viessem dizer a mesma coisa e, menos ainda, se viessem dizer que se enganaram.
2. — Sei que se opõem à grande dificuldade da constatação da identidade. Essa questão já foi amplamente tratada, de modo que é supérfluo a ela voltar. Certamente não podemos saber, por uma prova material, se o Espírito que se apresenta sob o nome de Pascal é realmente o do grande Pascal. Que nos importa, se diz boas coisas! Cabe a nós pesar o valor de suas instruções, não a forma da linguagem, que se sabe marcada, muitas vezes, pela inferioridade do instrumento, mas pela grandeza e pela sabedoria dos pensamentos. Um grande Espírito que se comunica por um médium pouco letrado é como um hábil calígrafo que se serve de uma pena ruim; no conjunto a escrita terá o sinete do seu talento, mas os detalhes da execução, que não dependem dele, serão imperfeitos.
Jamais disse o Espiritismo que era preciso fazer abnegação de seu julgamento e submeter-se cegamente ao dizer dos Espíritos; são os próprios Espíritos que nos dizem passar todas as suas palavras pelo cadinho da lógica, ao passo que certos encarnados dizem: “Não creiais senão no que dizemos, e não acrediteis no que dizem os Espíritos.” Ora, como a razão individual está sujeita a erro, e o homem, muito geralmente, é levado a tomar sua própria razão e suas ideias como a única expressão da verdade, aquele que não tem a orgulhosa pretensão de se julgar infalível a refere à apreciação da maioria. Por isto é tido como abdicando da sua opinião? De modo algum; está perfeitamente livre de crer que só ele tenha razão contra todos, mas não impedirá a opinião do maior número de prevalecer e de ter, em definitivo, mais autoridade que a opinião de um só ou de alguns.
3. — Examinemos agora a questão sob outro ponto de vista. Quem fez o Espiritismo? É uma concepção humana pessoal? Todo o mundo sabe o contrário. O Espiritismo é o resultado do ensino dos Espíritos, de tal sorte que, sem as comunicações dos Espíritos, não haveria Espiritismo. Se a Doutrina Espírita fosse uma simples teoria filosófica nascida de um cérebro humano, não teria senão o valor de uma opinião pessoal; saída da universalidade do ensino dos Espíritos, tem o valor de uma obra coletiva, e é por isto mesmo que em tão pouco tempo ela se propagou por toda a Terra, cada um recebendo por si mesmo, ou por suas relações íntimas, instruções idênticas e a prova da realidade das manifestações.
4. — Pois bem! é em presença deste resultado patente, material, que se tenta erigir em sistema a inutilidade das comunicações dos Espíritos. Convenhamos que se elas não tivessem a popularidade que adquiriram, não as atacariam, e que é a prodigiosa vulgarização dessas ideias que suscita tantos adversários ao Espiritismo. Os que hoje rejeitam as comunicações não se assemelham a essas crianças ingratas que negam e desprezam os pais? Não é a ingratidão para com os Espíritos, a quem devem o que sabem? Não é servir-se do que eles ensinaram para os combater, voltar contra eles, contra seus próprios pais, as armas que nos deram? Entre os Espíritos que se manifestam não está o Espírito de um pai, de uma mãe, dos seres que nos são mais caros, dos quais se recebem essas tocantes instruções que vão diretamente ao coração? Não é a eles que devemos ter sido arrancados da incredulidade, das torturas da dúvida sobre o futuro? E é quando se goza do benefício que se desconhece a mão do benfeitor?
Que dizer dos que, tomando sua opinião pela de todo o mundo, afirmam seriamente que, agora, não querem comunicações em parte alguma? Estranha ilusão! que um olhar lançado em torno deles baste para fazer desvanecer-se. Por seu lado, que devem pensar os Espíritos que assistem às reuniões onde se discute se se devem condescender em os escutar, ou se se deve, ou não, excepcionalmente, permitir-lhes a palavra para agradar os que têm a fraqueza de se prenderem às suas instruções? Sem dúvida lá se acham Espíritos ante os quais se cairia de joelhos se, nesse momento, eles se apresentassem à vista. Já pensaram no preço que podia ser pago por tal ingratidão?
5. — Tendo os Espíritos a liberdade de comunicar-se, independentemente do seu grau de saber, resulta que há uma grande diversidade no valor das comunicações, como nos escritos, num povo onde todo mundo tem a liberdade de escrever e onde, por certo, nem todas as produções literárias são obras-primas. Segundo as qualidades individuais dos Espíritos, há, pois, comunicações boas pelo fundo e pela forma; outras que são boas pelo fundo e más pela forma; outras, enfim, que nada valem, nem pelo fundo, nem pela forma. Cabe-nos escolher. Rejeitá-las em bloco, porque algumas são más, não seria mais racional do que proscrever todas as publicações, só porque há escritores que produzem banalidades? Os melhores escritores, os maiores gênios, não têm partes fracas em suas obras? Não se fazem seleções do que produzem de melhor? Façamos o mesmo em relação às produções dos Espíritos; aproveitemos o que há de bom e rejeitemos o que é mau; mas, para arrancar o joio, não arranquemos o bom grão.( † )
Consideremos, pois, o mundo dos Espíritos como uma réplica do mundo corporal, como uma fração da Humanidade, e digamos que não devemos desdenhar de ouvi-los, agora que estão desencarnados, pois não o teríamos feito quando encarnados; estão sempre em nosso meio, como outrora; apenas estão atrás da cortina, e não à frente: eis toda a diferença.
6. — Mas, perguntarão, qual o alcance do ensino dos Espíritos, mesmo no que há de bom, se não ultrapassa o que os homens podem saber por si mesmos? É bem certo que não nos ensinam mais nada? No seu estado de Espírito não veem o que não podemos ver? Sem eles, conheceríamos seu estado, sua maneira de ser, suas sensações? Conheceríamos, como hoje conhecemos, esse mundo onde talvez estejamos amanhã? Se esse mundo não tem para nós os mesmos terrores, se encaramos sem pavor a passagem que a ele conduz, não é a eles que o devemos? Esse mundo está completamente explorado? Diariamente ele não nos revela uma nova face? e nada é saber aonde se vai e o que se pode ser ao sair daqui? Outrora lá entrávamos tateando e estremecendo, como num abismo sem fundo; agora esse abismo é resplandecente de luz e nele se entra contente. E ainda ousam dizer que o Espiritismo nada nos ensinou? (Revista Espírita, agosto de 1865: “O que ensina o Espiritismo”).
Sem dúvida, o ensino dos Espíritos tem seus limites. Só se lhe deve pedir o que pode dar, o que está na sua essência, no seu objetivo providencial, e ele dá muito a quem sabe buscar. Mas, tal como é, já fizemos todas as suas aplicações? Antes de lhe pedir mais, sondamos as profundezas dos horizontes que nos descortina? Quanto ao seu alcance, ele se afirma por um fato material, patente, gigantesco, inaudito nos fastos da História: é que apenas em sua aurora, já revoluciona o mundo e abala as forças da terra. Que homem teria tal poder?
7. — O Espiritismo contribui para a reforma da Humanidade pela caridade. Não é, pois, de admirar que os Espíritos preguem a caridade sem cessar; eles a pregarão ainda por muito tempo, enquanto ela não houver extirpado o egoísmo e o orgulho do coração dos homens. Se alguns acham as comunicações inúteis, porque repetem incessantemente as lições de moral, devem ser cumprimentados, pois são bastante perfeitos para delas não mais necessitarem; mas devem pensar que os que não têm tanta confiança em seu próprio mérito e tomam a peito o se melhorarem não se cansam de receber bons conselhos. Não busqueis, pois, lhes tirar esse consolo.
Esta doutrina tem chances de prevalecer? Como dissemos, as comunicações dos Espíritos fundaram o Espiritismo. Repeli-las depois de as haver aclamado, é querer sapar o Espiritismo pela base, arrancar seus alicerces. Tal não pode ser o pensamento dos espíritas sérios e devotados, porque seria absolutamente como aquele que se dissesse cristão negando o valor dos ensinamentos do Cristo, sob o pretexto de que sua moral é idêntica à de Platão. É nessas comunicações que os espíritas encontraram alegria, consolação, esperança; é por elas que compreenderam a necessidade do bem, da resignação, da submissão à vontade de Deus; é por elas que suportam com coragem as vicissitudes da vida; é por elas que não há mais separação real entre eles e os objetos de suas mais ternas afeições. Não é enganar-se com o coração humano crer que ele possa renunciar a uma crença que faz a felicidade!
Repetimos aqui o que dissemos a propósito da prece: Se o Espiritismo deve ganhar em influência, é aumentando a soma das satisfações morais que proporciona. Que os que o acham insuficiente tal qual é se esforcem por dar mais que ele; mas não será dando menos, tirando o que faz o seu charme, a força e a popularidade que o suplantarão.