O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VIII — Fevereiro de 1865.

(Idioma francês)

QUESTÕES E PROBLEMAS.


O Ramanenjana.

(Sumário)


1. — Os Anais da propagação da fé, de setembro de 1864, em seu número 216, contêm o relato minucioso dos acontecimentos ocorridos em Tananarive  †  (Madagáscar), no decorrer do ano de 1863, entre outros o da morte do rei Radama II. n Aí encontramos o seguinte relato:

O mais grave dos fatos ocorridos em Tananarive em 1863 é, incontestavelmente, a morte de Radama II. Antes, porém, de narrar o fim trágico desse infeliz príncipe, é necessário lembrar outro fato que não teve menor repercussão que o primeiro, testemunhado por mais de duzentos mil homens, e que pode ser encarado como o prelúdio ou o precursor do atentado cometido contra a pessoa real do infortunado Radama. Quero falar do Ramanenjana.


2. O que é o Ramanenjana?


Esta palavra, que significa tensão, exprime uma estranha doença que, de início, se manifestou ao sul de Emirne.  †  Dela se teve conhecimento em Tananarive cerca de um mês antes. A princípio era apenas um vago rumor que circulava entre o povo. Assegurava-se que numerosos grupos de homens e mulheres, acometidos por uma afecção misteriosa, subiam do sul para a capital, para falar ao rei, da parte de sua mãe (a defunta rainha). Dizia-se que tais grupos se encaminhavam em pequenas jornadas, acampando cada noite nos vilarejos e engrossando, ao longo do caminho, com todos os recrutas que fazia na sua passagem.

Mas ninguém teria imaginado que o Ramanenjana estivesse tão perto da cidade real, quando, de repente, fez sua primeira aparição alguns dias antes do Domingo de Ramos.

Eis o que a respeito nos escrevem:

“No momento em que o julgávamos ainda muito afastado, o Ramanenjana, ou Ramenabé, como outros também o chamam, veio estourar como uma bomba. Não há rumor na cidade senão de convulsões e convulsionários: existem por todos os lados; avalia-se seu número em mais de dois mil. Neste momento eles acampam em Machamasina, campo de Marte situado próximo à capital. A algazarra que fazem é tal que nos impede de dormir. Julgai como deve ser forte, para que a uma légua de distância possa chegar até aqui e perturbar o sono!

“Na terça-feira santa havia uma grande revista em Soanerana. Quando os tambores deram o toque de reunir, eis que mais de mil soldados deixaram bruscamente as fileiras e começaram a dançar o Ramanenjana. Por mais que os chefes gritassem, esbravejassem e ameaçassem, tiveram de renunciar à passagem da revista.”


3. Caráter do Ramanenjana.


Esta doença age especialmente sobre os nervos, neles exercendo uma pressão tal que logo provoca convulsões e alucinações, das quais apenas se dá conta do ponto de vista da ciência.

Os que são atingidos sentem, inicialmente, violentas dores na cabeça, na nuca e depois no estômago. Ao cabo de algum tempo começam os acidentes convulsivos; é então que os vivos entram em comunicação com os mortos: veem a rainha Ranavalona,  †  Radama I,  †  Andrian Ampoinemerina  †  e outros, que lhes falam e lhes dão incumbências. A maior parte dessas mensagens é dirigida a Radama II.

Os Ramanenjana parecem especialmente enviados para a velha Ranavalona, para dar a entender a Radama que ele deve voltar ao antigo regime, fazer cessar a prece, expulsar os brancos, interditar os porcos na cidade santa, etc., etc.; caso contrário, grandes desgraças o ameaçam, e que ela o renegará como seu filho.

Um outro efeito dessas alucinações é que a maior parte dos que lhes são vítimas imaginam-se carregando pesados fardos que levam na comitiva dos mortos; imaginam ter à cabeça uma caixa de sabão, um cofre, um colchão, fuzis, chaves, talheres de prata, etc., etc.

Esses fantasmas precisam andar em disparada, pois os infelizes que estão às suas ordens fazem um esforço danado para os seguir, a despeito de irem sempre em passo de corrida. Também é preciso, tão logo recebam a sua missão de além-túmulo, que se ponham a sapatear, a gritar, a pedir graça, agitando a cabeça e os braços, sacudindo as extremidades do lambá ou o pedaço de pano que lhes cobre o rosto. Depois, ei-los se atirando, sempre gritando, dançando, saltando e se agitando em convulsões. Seu grito mais comum é: Ekala! e este outro: Izahay maikia! “estamos com pressa!” Geralmente uma multidão os acompanha cantando, batendo palmas e tocando tambor; dizem que é para os superexcitar ainda mais e apressar o fim da crise, como se vê o cavaleiro hábil afrouxar as rédeas de seu corcel fogoso e, longe de procurar retê-lo, o instigar, com a voz de comando e a espora, até que este, tremendo sob a mão que o conduz, ofegante, coberto de suor, acabe parando por si mesmo, esgotado de fadiga e sem forças.

Ainda que essa doença acometa especialmente os escravos, é certo dizer que não poupa ninguém. É assim que um filho de Radama e de Maria, sua concubina, de repente se viu atormentado por alucinações do Ramanenjana; e ei-lo a gritar, a se agitar, a dançar e a correr como os outros. No primeiro momento de pavor, o próprio rei se pôs a persegui-lo; mas, nessa corrida precipitada, feriu-se ligeiramente na perna, o que o levou a dar ordem de sempre ter um cavalo selado, em caso de novo acidente.

As corridas desses energúmenos nada têm de bem determinado; uma vez impelidos não sei por que força irresistível, eles se espalham no campo, uns para um lado, outros para outro. Antes da Semana Santa dirigiam-se aos túmulos, onde dançavam e ofereciam uma moeda.

Mas no próprio Dia de Ramos – singular coincidência – uma nova moda foi criada entre eles: ir à parte baixa da cidade, cortar uma cana-de-açúcar; levam-na triunfalmente sobre os ombros e vêm depositá-la sobre a pedra sagrada de Mahamasin, em honra a Ranavalona. Aí dançam, agitam-se caxn todas as contorções e convulsões de hábito; depois depõem a cana e uma moeda, e voltam correndo, dançando, saltando, tal como chegaram.

Alguns levam uma garrafa de água à cabeça, para beber e se borrifar; e, coisa surpreendente! a despeito de tanta agitação e evoluções convulsivas, a garrafa mantém-se em equilíbrio; dir-se-ia pregada e grudada no crânio.

Escrevem-nos ainda que uma nova fantasia acaba de apoderar-se deles: exigem que todos tirem o chapéu por onde quer que passem.

Infeliz de quem se recusar obedecer a essa injunção, por mais absurda que seja! Disso já resultou mais de uma luta, que o pobre Radama julgou poder prevenir impondo uma multa de 150 fr. aos recalcitrantes. Para não infringir a prescrição real, a maioria dos brancos tomou o partido de só sair sem chapéu. Um dos nossos padres viu-se exposto a um caso muito mais grave: tratava-se nada menos do que fazê-lo tirar a batina, pois o Ramanenjana pretendia que a cor preta o ofuscava. Felizmente o padre pôde escapar e entrar em casa, sem ser obrigado a despojar-se das vestes sacerdotais.

Os acessos dos convulsionários não são contínuos. Depois de fazerem seus trejeitos diante da pedra sagrada, pedra sobre a qual fazem subir o herdeiro do trono para o apresentar ao povo, muitos deles vão atirar-se à água, subindo depois tranquilamente para repousarem até nova crise.

Algumas vezes outros caem de esgotamento, no caminho ou na via pública, adormecem e se levantam curados. Há os que adoecem dois ou três dias antes de se libertarem completamente. Em muitos o mal é mais tenaz e por vezes dura cerca de quinze dias.

Durante o acesso, o indivíduo atingido pelo Ramanenjana não reconhece ninguém. Quase não responde às perguntas que lhe dirigem. Depois do acesso, se se lembra de alguma coisa, é vagamente e como num sonho.

Uma particularidade bastante notável é que, em meio às evoluções mais ofegantes, as mãos e os pés ficam frios como gelo, enquanto o resto do corpo está banhado em suor e a cabeça em ebulição.

Agora, qual pode ser a causa dessa doença singular? Aqui todos concordam inteiramente entre si; vários o atribuem pura e simplesmente ao demônio, que, como antes, se havia revelado nas mesas girantes, pensantes, etc. Daí por que, pouco preocupados de saudar essa diabólica majestade, muitos se resignaram a andar sem chapéu.


4. Estudo sobre o fenômeno do Ramanenjana.


Seria de causar admiração se o nome do Espiritismo não tivesse sido misturado neste caso. Ainda bem que seus adeptos não foram acusados de provocar os fenômenos. O que não teriam dito se esses pobres malgaxes tivessem lido O Livro dos Espíritos! Não teriam deixado de afirmar que ele lhes tinha virado a cabeça. Quem, pois, sem o Espiritismo, lhes ensinou a crer nos Espíritos, na comunicação dos vivos com as almas dos mortos? É que o que está na Natureza se produz tão bem no selvagem quanto no homem civilizado, no ignorante como no sábio, no vilarejo quanto na cidade. Como há Espíritos em toda parte, as manifestações ocorrem em todos os lugares, mas com esta diferença: nos homens próximos da Natureza, o orgulho do saber ainda não embotou as ideias intuitivas, que aí estão vivazes e em toda a sua ingenuidade. Eis por que neles não se encontra a incredulidade erigida em sistema. Eles podem julgar mal as coisas, em virtude da pobreza de sua inteligência; mas a crença no mundo lhes é inata e entretida pelos fatos que testemunham.

Tudo prova, pois, que lá, como em Morzine, esses fenômenos são o resultado de uma obsessão, ou possessão coletiva, verdadeira epidemia de maus Espíritos, como se produziu ao tempo do Cristo e em muitas outras épocas. Cada população deve fornecer ao mundo invisível ambiente Espíritos similares que, do espaço, reagem sobre essas mesmas populações, das quais, devido à sua inferioridade, conservaram os hábitos, as inclinações e os preconceitos. Os povos selvagens e bárbaros estão, pois, cercados por uma massa de Espíritos ainda selvagens e bárbaros, até que o progresso os tenha levado a se encarnarem num meio mais adiantado. É o que resulta da comunicação abaixo.

Depois de lido o relato acima numa reunião íntima, um dos guias espirituais da família ditou espontaneamente o seguinte:


5. (Paris, 12 de janeiro de 1865. – Médium: Sra. Delanne.)


Esta noite eu vos ouvi ler os fatos de obsessão ocorridos em Madagáscar.  †  Se o permitis, darei minha opinião a respeito.

Observação – O Espírito não tinha sido evocado. Lá estava, pois, em meio à sociedade, escutando sem ser visto o que aí se dizia. É assim que, sem nos darmos conta, incessantemente temos testemunhas invisíveis de nossas ações.

Essas alucinações, como as chama o corresponde do jornal, não passam de uma obsessão, embora de caráter diferente do das que conheceis. Aqui é uma obsessão coletiva, produzida por uma plêiade de Espíritos atrasados que, tendo conservado suas antigas opiniões políticas, vêm tentar perturbar os seus compatriotas, por meio dessas manifestações, a fim de que estes últimos, tomados de pavor, não ousem apoiar as ideias de civilização que começam a implantar-se nesses países onde o progresso começa a despontar.

Os Espíritos obsessores que impelem essa pobre gente a tantas manifestações ridículas são os dos antigos malgaxes, furiosos, repito, por verem os habitantes dessas regiões admitindo as ideias de civilização, que alguns Espíritos adiantados, encarnados, têm a missão de implantar entre eles. Assim, muitas vezes os ouvis repetir: “Nada de preces, abaixo os brancos, etc.” É para vos fazer compreender que são antipáticos a tudo quanto possa vir dos europeus, isto é, do centro intelectual.

Essas manifestações, dadas à vista de todo um povo, não são uma grande confirmação dos vossos princípios? São produzidas mais para a sanção dos vossos trabalhos do que para essa populaça semiselvagem.

As possessões de Morzine [v. Estudos sobre os possessos de Morzine.] têm um caráter mais particular, ou, melhor dizendo, mais restrito. Podem estudar-se no local as fases de cada Espírito. Observando os detalhes, cada individualidade oferece um estudo especial, ao passo que as manifestações de Madagáscar têm a espontaneidade e o caráter nacional. É toda uma população de antigos Espíritos atrasados, que veem com despeito sua pátria sofrer a influência do progresso. Não tendo progredido, eles próprios buscam entravar a marcha da Providência.

Comparativamente, os Espíritos de Morzine  †  são mais adiantados. Conquanto brutos, julgam mais sensatamente que os malgaxes; discernem o bem do mal, pois sabem reconhecer que a forma da prece nada é, mas que o pensamento é tudo. Aliás, mais tarde vereis, pelos estudos que fizerdes, que eles não são assim tão atrasados quanto parecem à primeira vista. Aqui é para mostrar que a Ciência é impotente para curar esses casos por meios materiais; ali é para atrair a atenção e confirmar o princípio. [Vide também: Epidemia demoníaca na Saboia.]


Um Espírito Protetor.



[1] [Radama II (23 de setembro de 1829 — 12 de Maio de 1863) foi rei do Reino Merina que controlava quase toda a ilha de Madagascar. Ele governou de 1861 até seu assassinato em 1863.]  † 


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