O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VII — Março de 1864.

(Idioma francês)

VARIEDADES.


Uma rainha médium.

(Sumário)

1. — Não teríamos tomado a iniciativa de publicar o fato seguinte; desde, porém, que foi reproduzido em diversos jornais, entre outros o Opinion nationale e o Siècle, de 22 de fevereiro de 1864, conforme o Bulletin diplomatique, não vemos motivo algum para nos abstermos.

“Uma carta procedente de pessoa bem informada revela que, recentemente, num conselho privado, onde era examinada a questão dinamarquesa, a rainha (Vitória) declarou que nada faria sem consultar o príncipe Alberto.  †  E, com efeito, depois de se ter recolhido por algum tempo em seu gabinete, voltou dizendo que o príncipe se pronunciara contra a guerra. Esse fato, e outros semelhantes transpiraram e deram origem à ideia de que seria oportuno estabelecer uma regência.”

Tínhamos, pois, razão quando escrevemos que o Espiritismo tem adeptos até nos degraus dos tronos. Poderíamos ter dito: até nos tronos. Vê-se, porém, que os próprios soberanos não escapam à qualificação dada aos que acreditam nas comunicações de além-túmulo. Os espíritas, que são tratados como loucos, devem consolar-se por estarem em tão boa companhia. Assim, o contágio é muito grande, pois sobe tanto! Entre os príncipes estrangeiros sabemos de bom número que tem esta suposta fraqueza, pois alguns fazem parte da Sociedade Espírita de Paris.  †  [Vide: À S. A. o Príncipe G.] Como querem que a ideia não penetre a sociedade inteira, quando parte de todos os níveis da escala?

Por aí o Sr. cura de Marmande  †  pode ver que não há médiuns só entre os engraxates. [Referência ao artigo: Cura de uma obsessão.]


2. — O Journal de Poitiers,  †  que relata o mesmo caso, o faz acompanhar desta reflexão:

“Cair assim no domínio dos Espíritos não é abandonar o das únicas realidades que têm direito de conduzir o mundo?”

Até certo ponto concordamos com a opinião do jornal, mas de outro ponto de vista. Para ele os Espíritos não são realidades, porque, segundo certas pessoas, só há realidade no que se vê e se toca. Ora, sendo assim, Deus não seria uma realidade e, no entanto, quem ousaria dizer que ele não conduz o mundo? que não há acontecimentos providenciais para levar a um determinado resultado? Pois bem! os Espíritos são os instrumentos de sua vontade; inspiram os homens, solicitam-nos, mau grado seu, a fazerem tal ou qual coisa, a agirem num sentido e não em outro, e isto tanto nas grandes resoluções quanto nas circunstâncias da vida privada. Sob esse aspecto, portanto, não somos da opinião do jornal.

Se os Espíritos inspiram de maneira oculta, é para deixar ao homem o livre-arbítrio e a responsabilidade de seus atos. Se receber inspiração de um mau Espírito, pode estar certo de receber, ao mesmo tempo, a de um bom, pois Deus jamais deixa o homem sem defesa contra as más sugestões. Cabe a ele pesar e decidir conforme a sua consciência.

Nas comunicações ostensivas por via mediúnica não deve mais o homem renunciar ao livre-arbítrio; seria erro regular cegamente e sem exame todos os seus passos e atitudes pelo conselho dos Espíritos, porque existem os que ainda podem ter ideias e preconceitos da vida. Só os Espíritos superiores disso estão isentos. Os Espíritos dão seu conselho, sua opinião; em caso de dúvida, pode-se discutir com eles como se fazia quando eram vivos; então se pode avaliar a força de seus argumentos. Os Espíritos verdadeiramente bons jamais se recusam a isso; os que repelem qualquer exame, que exigem submissão absoluta, provam que contam pouco com a excelência de suas razões para convencer e devem ser tidos por suspeitos.

Em princípio, os Espíritos não nos vêm guiar como a uma criança; o objetivo de suas instruções é tornar-nos melhores, dar fé aos que não a têm e não o de nos poupar o trabalho de pensar por nós mesmos.

Eis o que não sabem os que criticam as relações de além-túmulo; acham-nas absurdas, porque as julgam conforme suas ideias, e não consoante a realidade, que desconhecem. Também não se deve julgar as manifestações pelo abuso ou pelas falsas aplicações que delas possam fazer algumas pessoas, assim como não seria racional julgar a religião pelos maus sacerdotes. Ora, para saber se há boa ou má aplicação de uma coisa, deve-se conhecê-la, não superficialmente, mas a fundo. Se fordes a um concerto para saber se a música é boa e se os músicos a executam bem, antes de tudo é preciso saibais música.


3. — Isto posto, pode servir de base para apreciar o fato de que se trata. Censurariam a rainha se ela tivesse dito: “Senhores, o caso é grave, permiti que me recolha um instante e peça a Deus que me inspire na resolução que devo tomar?” O príncipe não é Deus é verdade; mas como ela é piedosa, é provável que tenha pedido a Deus que inspirasse a resposta do príncipe, o que dá no mesmo. Ela o fez agir como intermediário, em razão da afeição que lhe tem.

As coisas podem ainda ter-se passado de outra maneira. Se, em vida do príncipe, a rainha tinha o hábito de nada fazer sem o consultar, morto ele, ela pergunta a sua opinião como se ele estivesse vivo, e não porque seja um Espírito, pois, para ela, ele não está morto; está sempre ao seu lado; é seu guia, seu conselheiro oficioso; não há entre ambos senão um corpo de menos. Se o príncipe vivesse, ela teria feito o mesmo; assim, não há nenhuma mudança em seu modo de agir.

Agora, era boa ou má a política do príncipe-Espírito? É o que não nos cabe examinar. O que devemos refutar é a opinião daqueles a quem parece bizarro, pueril, estúpido mesmo, que uma pessoa de bom-senso possa crer na realidade de quem não tem mais corpo, porque lhes agrada pensar que eles próprios, quando estiverem mortos, não serão mais absolutamente nada. A seus olhos a rainha não praticou um ato mais sensato do que se tivesse dito: “Senhores, vou interrogar minhas cartas, ou um astrólogo.”

Se esse fato é de somenos importância para a política, o mesmo não se dá do ponto de vista espírita, pela repercussão que teve. Sem dúvida a rainha podia abster-se de dar o motivo de sua ausência e que tal era o conselho do príncipe. Dizê-lo numa circunstância tão solene era, de certa forma, confessar publicamente a crença nos Espíritos e em suas manifestações, e reconhecer-se médium. Ora, quando tal exemplo vem de uma cabeça coroada, pode bem encorajar a opinião dos que estão menos altamente colocados.

Só podemos admirar a fecundidade dos meios empregados pelos Espíritos para obrigar os incrédulos a falar do Espiritismo e fazer sua ideia penetrar em todas as camadas da sociedade. Nesta circunstância, eles são obrigados a criticar com cautela.


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