1. — Sob esse título, o jornal de Constantinopla † publicou, em março último, três artigos muito extensos sobre, ou melhor, contra o magnetismo e o Espiritismo que, naquela capital, têm muitos adeptos fervorosos. Como, em geral, fazemos em todas as críticas, em vão procuramos argumentos sérios, ao passo que vimos a prova evidente de que o autor fala de algo que desconhece, ou só conhece muito superficialmente; julga o Espiritismo pelas aparências, por ouvir-dizer, pela leitura de alguns fragmentos incompletos, pelo relato de alguns fatos excêntricos repudiados pelo próprio Espiritismo, o que lhe parece suficiente para proferir uma sentença. Como se vê, é uma nova demonstração da lógica dos nossos antagonistas. O que parece ter sido mais lido é o Sr. de Mirville, a magia do Sr. Dupotet e a vida do Sr. Home; mas da ciência espírita propriamente dita, não se veem estudos, nem observações sérias.
Estamos longe de pretender que quem estude o Espiritismo deva necessariamente aprová-lo. Mas, se for de boa-fé, mesmo censurando não se afastará da verdade; não nos fará dizer o contrário do que dizemos, o que ocorrerá fatalmente se não souber tudo quanto dissemos. Só reconheceríamos como crítico sério aquele que, saindo das generalidades, aos nossos argumentos opusesse argumentos peremptórios e provasse, sem réplica possível, que os fatos sobre os quais nos apoiamos são falsos, inventados e radicalmente impossíveis. É o que ninguém ainda fez, tanto o redator do jornal de Constantinopla quanto os outros. O Espiritismo tem sido atacado de todas as maneiras, com todas as armas que julgaram mais mortíferas; nada foi poupado para o aniquilar, nem mesmo a calúnia; não há o mais medíocre escritor que, num opúsculo ou folhetim, não se tenha jactado de lhe dar o golpe de misericórdia; entre os seus adversários encontram-se homens de real valor, que esmiuçaram até o fundo o arsenal das objeções, com ardor tanto maior quanto maior o interesse em o abafar. No entanto, a despeito do que tenham feito, não só ele ainda está de pé, mas se espalha, dia a dia, cada vez mais; implanta-se por toda parte; o número de seus adeptos cresce incessantemente. Isto é um fato notório. Que se deve concluir disto? É que nada lhe puderam opor de sério e concludente. Nosso contraditor de Constantinopla seria mais feliz? Duvidamos muito, se não tiver melhores argumentos a fazer valer. Seus artigos, longe de deter o movimento espírita no Oriente, só o pode favorecer, como aconteceu com todos do mesmo gênero, pois giraram exatamente no mesmo círculo; eis por que não nos preocupamos. Limitar-nos-emos a citar alguns trechos, que resumem a opinião do autor.
Não há uma só de suas objeções contra o Espiritismo que não encontre sua refutação em nossas obras. Se tivéssemos de refutar todos os absurdos atribuídos ao assunto, teríamos de nos repetir incessantemente, o que é inútil, pois, em última análise, não tendo essas críticas nenhum fundo sério, mais ajudam que prejudicam.
“Ao lado dos praticantes habilidosos, tais como o Sr. Dupotet, mágico, ou o Sr. Home, médium, vêm colocar-se operadores de uma ordem diferente, em cujas primeiras filas figura o Sr. Allan Kardec. Este pode ser apresentado como o modelo sobre o qual é calcado todo um quadro de espíritas, cuja boa-fé não poderia ser posta em dúvida.
“Como já dissemos, os espíritas de Constantinopla pertencem a essa escola literária e artística, que milita principalmente por seus escritos, dos quais a Revista Espírita, do Sr. Allan Kardec, é o tipo mais perfeito. São os adeptos desta categoria que estabeleceram a doutrina. A teoria dos Espíritos não tem mais nenhum segredo para eles; assim, na maioria das vezes desdenham recorrer aos processos materiais empregados pelos médiuns comuns. Têm manifestações diretas. Seu processo, tão simples quanto eles próprios, consiste em tomar um lápis comum, como o primeiro profano que chegasse, com o auxílio do qual são postos em relação imediata com os Espíritos e escrevem sob o seu ditado. Entre outras vantagens, este método lhes permite pôr de lado toda a modéstia e dar às suas próprias obras os mais exagerados louvores, cobrindo-se com o nome de seus supostos autores.
“Antes de crer na exatidão do médium escrevente mecânico, gostaríamos de ver um idiota escrever alguma bela página, tal como os Espíritos que agem por via mediúnica jamais ditaram. O médium intuitivo é mais aceitável; mas nos parece muito difícil que a experiência ensine a distinguir o pensamento do Espírito do [pensamento] do médium. Aliás, o papel representado por este último pode ser facilmente explicado. Na maioria dos casos ele é sincero e é antes a ele do que aos operadores da ordem dos senhores Home e Dupotet que se aplicaria com justeza a opinião emitida pelo Sr. Conde de Gasparin. † Quanto à opinião do Sr. de Mirville, aqui não há lugar para discuti-la, pois está perfeitamente provado que nenhum médium, pelo menos em Constantinopla, seja feiticeiro.
“Se tivéssemos de defender os espíritas contra acusações tão odiosas quanto as que aqui repelimos, bastaria, para demonstrar sua completa inocência, citar alguns dos ensinamentos dados pelos Espíritos.
“Os diferentes planetas que circulam no espaço são povoados como a nossa Terra. As observações astronômicas induzem a pensar que os meios aonde vão os seus respectivos habitantes são bastante diversos para necessitar organizações corpóreas diferentes; mas o perispírito se acomoda à variedade dos tipos e permite ao Espírito que ele encobre encarnar na superfície de planetas diferentes.
“O estado moral, intelectual e físico desses mundos forma uma série progressiva, na qual a nossa Terra não ocupa a primeira, nem a última posição; ela é, contudo, um dos globos mais materiais e mais atrasados. Uns há onde o mal moral é desconhecido; onde as artes e as ciências chegaram a um grau de perfeição que não podemos compreender; onde a organização física não está sujeita aos sofrimentos, nem às doenças; onde os homens vivem em paz, sem se prejudicarem, isentos de pesares e de preocupações.
“Com meus novos instrumentos, esta noite verei homens na Lua…” diz, em algum lugar, o rei Afonso. Mais ditosos que ele, os espíritas os viram, mas não é justo que invejem a sorte dos lunáticos; pensamos que nada os impediria de gozar à vontade, a partir deste mundo.
“De tudo o que precede, vê-se a que se reduzem o maravilhoso e o sobrenatural do Espiritismo. Para os aniquilar, basta examinar todos os fatos que citamos, sem ideias preconcebidas e neles achar as mais repreensíveis práticas de feitiçaria, ou a ação de um fluido, cuja existência os cientistas negam. Para quem quiser se dar ao trabalho de assistir às suas sessões, sem se condenar a tomar os fatos que eles produzem pelo que dizem que são, os senhores Home e Dupotet, como todos os operadores da mesma ordem, serão, muito evidentemente, mistificadores interessados. Quando muito, suas operações serão comparáveis, quanto à habilidade, às do Sr. Bosco, mas este tem mais sinceridade, o que não permite levar mais longe a comparação entre eles.
“Muito diferente dos mágicos de que acabamos de falar, os médiuns da categoria do Sr. Allan Kardec, à qual pertencem, em geral, os espíritas de Constantinopla, são, ao contrário, mistificados. Todos os seus esforços tendem a tornar cada vez mais completa a mistificação de si próprios. A despeito de toda a boa vontade que se lhes tenha, é verdadeiramente impossível levar a sério qualquer de suas práticas. Todavia, é permitido lamentar que criaturas honestas assim passem a maior parte de seu tempo a se persuadirem de erros que, para eles, se tornam a realidade. Por mais inofensivos que, no fundo, possam parecer esses erros, não é menos certo que só podem produzir funestos resultados, pois tomam o lugar da verdade. É neste sentido que são condenáveis.”
Os próprios espíritas de Constantinopla se encarregaram de responder em dois artigos que o jornal publicou, em seus números de 21 e 22 de março último. Um é de um médium, que dá conta da maneira pela qual a sua faculdade se desenvolveu e triunfou sobre a sua incredulidade. O outro, que reproduzimos a seguir, é em nome de todos.
“Senhor redator,
“Vosso jornal acaba de publicar três longos artigos intitulados: O Espiritismo em Constantinopla, em consequência dos quais vimos pedir que vos digneis abrir espaço às linhas seguintes:
2.
O VERDADEIRO ESPIRITISMO EM CONSTANTINOPLA.
“A doutrina que se baseia na crença de um Deus infinitamente justo e infinitamente bom: o amor infinito; que indica como objetivo aos Espíritos, criados por esse mesmo Deus, o encaminhamento para a perfeição cada vez mais completa; e para castigo, no estado de Espírito, a perfeita percepção desse objetivo, com o pesar de dele se haver afastado, simultaneamente à necessidade de recomeçar esta marcha ascensional para novas encarnações… A doutrina que ensina a moral mais pura, a mesma que o Cristo expôs por estas simples palavras: Amai-vos uns aos outros… ( † ) Uma tal doutrina de amor, digamo-lo altivamente, pode muito bem se privar das manifestações que o autor dos artigos O Espiritismo em Constantinopla, depois de haver prometido explicá-los fora do Espiritismo, limita-se a qualificar de mistificações.
“Mas essas manifestações, hoje tão bem constatadas, e cuja prova se acha quase em cada página da história da Humanidade, Deus as permite continuamente, a fim de dar a todos a prova da solidariedade que existe entre os Espíritos encarnados e desencarnados; e isto a fim de que uns e outros se auxiliem mutuamente e que o ser espiritual, chamado à vida eterna, possa atingir mais facilmente e, sobretudo, mais seguramente, o objetivo providencial atribuído à Criação.
“Se os fatos dos quais decorrem semelhantes teorias que são a base da Doutrina Espírita, podem ser tomados por certas pessoas como mistificações, pelo menos elas deveriam indicar as razões e, o que seria ainda melhor, apresentar outras teorias mais racionais e, sobretudo, mais verdadeiras.
“Agora, chamai a verdade feitiçaria, magia, prestidigitação e outros epítetos ainda mais ridículos e não impedireis que esta verdade se propague e estenda os seus raios benfazejos sobre todo o gênero humano.
“Eis por que o Espiritismo espalhou-se tão rapidamente em toda a face da Terra, apesar das críticas do gênero dos citados artigos, os quais não impedirão que os seus adeptos se contem por milhões.”
Os espíritas de Constantinopla.
Dirigimos aos nossos irmãos espíritas de Constantinopla, tanto em nosso nome pessoal quanto no dos membros da Sociedade de Paris, † as sinceras felicitações que merece sua resposta, ao mesmo tempo digna e moderada. A carta seguinte, que a respeito nos escreve o Sr. Repos, advogado, presidente da Sociedade Espírita de Constantinopla, testemunha muito bem o devotamento à causa da doutrina, para que tomemos como um dever e sincero prazer a sua publicação, a fim de que os espíritas de todos os países saibam que na capital do Oriente existem irmãos com cuja fraternidade podem contar. Falando do Oriente, não devemos esquecer os de Esmirna; eles também se fazem merecedores de todas as suas simpatias.
“Constantinopla, † 15 de junho de 1864.
“Caro mestre e mui honrado irmão em Espiritismo,
“Recebi em tempo vossa estimável carta de 8 de abril último, que me deu o maior prazer, assim como aos nossos irmãos espíritas, aos quais dei conhecimento em sessão.
“Associam-se a mim todos os espíritas de Constantinopla para, em conjunto, assegurarmos os nossos fraternos sentimentos a vós e a todos os espíritas que fazem parte da Sociedade de Paris. E agradecendo o encorajamento que nos dais, para nos ajudar a combater por nossa grande causa, ficai persuadido de que não falharemos na tarefa que empreendemos, e que todos os nossos esforços se concentrarão para a propagação da verdade, do amor do bem e da emancipação intelectual dos outros homens, nossos irmãos em Deus, ainda que tivéssemos de sustentar as mais encarniçadas lutas contra os nossos inimigos. Se há homens bastante servis e bastante covardes para ousarem combater a verdade, também os há suficientemente independentes e corajosos para defendê-la, assim obedecendo aos sentimentos de justiça e de amor fraterno, que fazem do ser humano um verdadeiro filho de Deus.
“Foi com vivíssimo interesse que li os interessantes detalhes contidos em vossa citada carta, em relação ao progresso do Espiritismo na França e alhures. Esperamos que, no futuro, a ideia cresça cada vez mais e o desejamos ardentemente pelos nossos irmãos terrenos de todos os países e de todas as religiões.
“O jacto possante da revelação brota por todos os lados; cego quem não o vê, imprudente quem o nega, insensato quem o combate, buscando reprimi-lo na fonte; sua água pura e límpida não vem do trono eterno para se espalhar em suave e fecundo orvalho sobre a Terra inteira, que deve regenerar? Nenhuma força humana poderá, então, comprimi-la!… E, com efeito, não vemos que, desde que um jacto surge em qualquer parte, se alguém fizer esforços para o comprimir, logo se veem milhares de jactos surgindo em todas as direções e em todos os degraus da escala social? Tanto é verdade que a vontade divina é onipotente e que, num dado momento, nenhum obstáculo se lhe pode opor, sob pena de ser derrubado e esmagado pelo carro deslumbrante da justiça e da verdade.
“Caro mestre, tenho grato dever a cumprir: o de vos cumprimentar, tanto
em meu nome quanto no de todos os irmãos espíritas do Oriente, pela
condenação sofrida por vossas obras pela santíssima inquisição do pensamento,
quero dizer, a condenação do Índex. [Vide: O
Índex da Cúria Romana.] Rejubilai-vos, pois, com todos os nossos
irmãos: se vossas obras levantaram grandes cóleras, estas não vos puderam
ferir, servindo apenas para tornar ridículos os vossos contraditores
e revelar as suas intenções ocultas. Tal julgamento já foi declarado
nulo e sem valor pela opinião pública de todos os países.
“Provavelmente já recebestes os jornais de Constantinopla que vos enviei e nos quais se achavam a maioria dos artigos publicados contra o Espiritismo e os espíritas. Vistes as nossas duas pequenas respostas? Que pensais delas? Aqui produziram bom efeito e agora se fala do Espiritismo mais que nunca. Esperamos pacientemente o que direis para nos ajudar a combater a fraude e a mentira, único apanágio dos inimigos de nossa bela doutrina.
“Aqui já começou a perseguição surda que anunciastes. Um dos nossos irmãos perdeu o emprego devido à sua qualidade de espírita; outros são perseguidos, ameaçados em seus mais caros interesses de família ou nos meios de subsistência, pelas manobras tenebrosas dos eternos inimigos da luz, que ousam dizer que o Espiritismo é obra do anjo-das-trevas! Se é assim que julgam sufocá-lo, enganam-se. Longe de deter, a perseguição faz crescer toda ideia que vem do alto; apressa sua eclosão e sua maturidade, porque é o adubo que a fecunda; prova a ausência de qualquer meio inteligente para combatê-la. O sangue dos mártires sufocou a ideia cristã?
“Até a vista, caro mestre. Crede em minha dedicação muito sincera a vós e aos nossos irmãos espíritas de Paris, aos quais vos peço apresenteis os meus cumprimentos.”
B. Repos Filho,
Advogada.