1. — Para o Espiritismo, o ano que acaba de passar não foi menos fecundo que os precedentes, distinguindo-se, no entanto, por vários traços particulares. Mais que todos os outros, foi marcado pela violência de certos ataques, sinal característico cujo alcance a ninguém escapou. Todos dizem: Se se encolerizam, é porque têm medo; se têm medo, é que existe algo de sério.
Como, porém, está hoje bem constatado que essas agressões fizeram avançar o Espiritismo, em vez de o deter, naturalmente os ataques diminuirão com o tempo; mas não se deve subestimar esta calma aparente, nem crer que os inimigos do Espiritismo logo vão tirar partido; é, pois, necessário nos persuadirmos de que a luta não terminou, mas que haverá uma mudança de tática. Eis por que dizemos aos espíritas que velem sem cessar sobre o que se passa à sua volta, e se lembrem do que dissemos no número de dezembro último, sobre o período de luta, a guerra surda e os conflitos; que não se surpreendam se o inimigo se insinua até em suas fileiras; Deus o permite para experimentar a fé, a coragem e a perseverança de seus verdadeiros servidores. Doravante a meta será procurar todos os meios possíveis de comprometer o Espiritismo, a fim de o desacreditar; induzir os grupos, sob a aparência de zelo e o pretexto de que devem ir avante, a se ocuparem de coisas estranhas ao objetivo da doutrina; a tratarem de questões políticas ou outras, capazes de provocar discussões irritantes e semear a divisão, tudo com o pretexto de pedirem o seu fechamento. A moderação dos espíritas é o que surpreende e mais contraria os adversários; tudo farão para os tirar de lá, até mesmo a provocação; mas eles saberão frustrar essas manobras por sua prudência, como já o fizeram em mais de uma ocasião, e não cair nas armadilhas que lhes estenderão; aliás, verão os instigadores se emaranharem em seus próprios fios, pois é impossível que, mais cedo ou mais tarde, não se deixem descobrir. Será um momento mais difícil a passar que o da guerra aberta, onde se vê o inimigo face a face; porém, quanto mais rude a prova, tanto maior será o triunfo.
2. — Aliás, esta campanha tem tido imenso resultado: o de provar a impotência das armas dirigidas contra o Espiritismo; os homens mais capazes do partido contrário entraram na liça; todos os recursos da argumentação foram empregados e, não tendo sofrido o Espiritismo, cada um ficou convencido de que não se lhe podia opor nenhuma razão peremptória; a maior prova da falta de boas razões foi terem recorrido ao triste e ignóbil expediente da calúnia. Contudo, por mais que quisessem fazer o Espiritismo dizer o contrário do que diz, a doutrina aí está, escrita em termos tão claros que desafiam toda falsa interpretação, razão por que o odioso da calúnia recai sobre os que a empregam e os convence de sua impotência. Eis aí um fato considerável no ano que termina; e, ainda mesmo que só tivéssemos obtido esse resultado, deveríamos nos dar por satisfeitos. Mas outros há, não menos positivos.
3. — O ano de 1863 é marcado, sobretudo, pelo aumento do número de grupos e sociedades, formadas numa porção de localidades onde não os havia ainda, tanto na França quanto no estrangeiro, sinal evidente do número de adeptos e da difusão da doutrina. Paris, que havia ficado na retaguarda, finalmente cede ao impulso geral e começa a mover-se. Diariamente se formam reuniões particulares, com objetivo eminentemente sério e em excelentes condições. A Sociedade que presidimos vê com alegria multiplicarem-se à sua volta rebentos vivazes, capazes de espalhar a boa semente. Os grupos particulares, quando bem dirigidos, são muito úteis à iniciação de novos adeptos. Em razão da extensão de suas relações, a Sociedade principal, sendo o centro de convergência de todas as partes do mundo, não pode nem deve ocupar-se senão do desenvolvimento da ciência e das questões gerais, que absorvem todo o seu tempo; deve forçosamente abster-se de tudo quanto seja elementar e pessoal. Os grupos particulares vêm, assim, preencher a lacuna que, forçosamente, a Sociedade deixa na prática, razão por que esta encoraja e secunda com seus conselhos e seu apoio moral as pessoas que se dedicam a essa obra de propagação. Se, por alguns instantes, foi possível conceber um certo receio quanto aos efeitos de algumas dissidências na maneira de encarar o Espiritismo, existe um fato capaz de dissipá-lo completamente: é o número sempre crescente das Sociedades que, em todos os países, se colocam espontaneamente sob o patrocínio da de Paris e erguem a sua bandeira. É notório que a doutrina exposta em O Livro dos Espíritos é hoje o ponto para onde converge a imensa maioria dos adeptos; a máxima Fora da caridade não há salvação ( † ) reuniu todos os que veem o lado moral do Espiritismo, porque não há duas maneiras de o interpretar e ela satisfaz a todas as aspirações. Desde a constituição do Espiritismo em corpo de doutrina, já caíram muitos sistemas isolados e os poucos traços que ainda deixam não têm influência na opinião geral. As sólidas bases em que ele se apoia triunfarão sem custo das divisões que os adversários não deixarão de suscitar, porque estes não contam com Espíritos que protejam sua obra e se servem dos próprios inimigos para garantirem o sucesso. Teria sido um fato sem precedentes pudesse uma doutrina ter se estabelecido sem dissidência e, se nos podemos admirar de algo, quanto ao Espiritismo, é ver formar-se a unidade tão prontamente.
4. — Seja como for, o Espiritismo ainda não penetrou em toda parte e em muitos lugares mal é conhecido de nome. Os raros adeptos aí encontrados o atribuem a duas causas: a primeira, ao caráter das populações, muito absorvidas pelos interesses materiais; a segunda, à ausência de pregações contrárias. Eis por que apelam, com todas as suas forças, para sermões do gênero dos que foram pregados alhures, ou alguma manifestação ruidosa de hostilidade, que chame a atenção e desperte a curiosidade. Contudo, que tenham paciência: como é preciso que todos lá cheguem, os Espíritos saberão perfeitamente acudir com outros meios.
5. — Mas o sinal mais característico do ano de 1863 foi o movimento que se produziu na opinião, concernente à Doutrina Espírita; é surpreendente a facilidade com que o princípio é aceito por pessoas que até há pouco o teriam repelido e levado ao ridículo. As resistências — falamos das que não são sistemáticas e interesseiras — diminuem sensivelmente. Citam-se vários escritores de boa-fé que fizeram luta renhida contra o Espiritismo, e que hoje, dominados por seu meio social, sem se confessarem vencidos, renunciam a uma luta que consideram inútil. É que a necessidade de uma transformação moral se faz sentir cada vez mais; a ruína do velho mundo é iminente, porque as ideias que ele preconiza já não estão à altura a que chegou a Humanidade inteligente. Tudo parece a ele conduzir e, na retaguarda, entreveem vagamente novos horizontes; sente-se que é preciso algo melhor do que o que existe e o procuram inutilmente no mundo atual; alguma coisa circula no ar como uma corrente elétrica precursora e cada um espera; mas cada um também diz que não é a Humanidade que deve recuar.
Outro fato não menos significativo, que muitos notaram, e que é consequência do atual estado de espírito, é o prodigioso número de escritos, sérios ou ligeiros, feitos fora e, provavelmente, sem o conhecimento do Espiritismo, nos quais se encontram pensamentos espíritas. O princípio da pluralidade das existências, sobretudo, tem uma tendência manifesta a entrar na opinião das massas e na filosofia moderna; muitos pensadores a ele são conduzidos pela lógica dos fatos e em pouco esta crença se tornará popular; evidentemente, são os precursores da adoção do Espiritismo, cujas vias são assim preparadas e aplainado o caminho. Estas ideias são semeadas de diversos lados, em escritos que vão a todas as mãos, tornando cada vez mais fácil a sua aceitação.
6. — O estado do Espiritismo, em 1863, pode ser assim resumido: ataques violentos; multiplicação de escritos a favor e contra; movimento nas ideias; notável extensão da doutrina, mas sem sinais exteriores capazes de produzir uma sensação geral; as raízes se estendem, crescem os rebentos, esperando que a árvore desenvolva os seus ramos. O momento de sua maturidade ainda não chegou.
No número das publicações que, neste último ano, vieram participar da luta e concorrer para a defesa do Espiritismo, colocamos em primeira linha os jornais Ruche, de Bordeaux, † e Vérité, de Lyon, † cujos redatores merecem o reconhecimento e o encorajamento de todos os verdadeiros espíritas, pela perseverança, devotamento e desinteresse de que deram provas. No centro espírita mais numeroso da França, e talvez do mundo inteiro, o Vérité veio firmar-se como um atleta temível, por seus artigos de uma lógica tão cerrada, que não deixam nenhuma margem à crítica. Ao que tudo indica, em breve o Espiritismo terá um novo e importante órgão na Itália, que, como os seus mais velhos da França, marchará de comum acordo com os grandes princípios da doutrina.