1. — Lê-se no Siècle de 12 de outubro de 1864:
“Numa horrível mansarda da passagem Saint-Pierre, em Clichy, † vivia um homem chamado Louis-Henri, de sessenta e quatro anos, mas parecendo ter oitenta. Tinha descido ao último degrau da vida social. Diziam que outrora tinha sido belo e perdulário; que havia transtornado muitas cabeças femininas e levado a existência em alta velocidade.
“Com efeito, por momentos lhe escapavam maneiras de falar características da sociedade refinada, e em sua casa viam-se duas deliciosas miniaturas, representando encantadoras mulheres. O círculo desses medalhões há muito tinha sido vendido e a pintura tinha-se tornado muito apagada para que dela se pudesse tirar proveito. “Louis-Henri exercia o ofício de trapeiro. Mas era tão fraco, tão alquebrado, tão trêmulo, que não recolhia quase nada. Deitava-se sobre imundícies, que lhe serviam de leito, sem ao menos tirar os trapos. Outros trapeiros, quase tão pobres quanto ele, se cotizavam para lhe dar alguns alimentos, tais como casca de pão e restos de cozinha, provenientes de suas cestas. Estava coberto de chagas e roído de vermes. Já por várias vezes, diz o Opinion nationale, os soldados da brigada de Clichy tinham feito uma coleta entre si, a fim de pagar banhos sulfurosos àquele infeliz. Ele não sabia o paradeiro de sua família e havia esquecido o próprio nome. Só se recordava dos prenomes Louis-Henri.
“Desde alguns dias, o leproso, como o chamavam, não mais fora visto. Um odor infecto, que escapava de seu tugúrio, atraiu a atenção dos locatários; estes avisaram o comissário de polícia que, assistido pelo Dr. Massart, dirigiu-se ao local e mandou abri-lo por um serralheiro. Entre as imundícies, encontraram, corroídos pelos ratos, os restos decompostos do trapeiro, que se extinguira em meio às suas enfermidades e males.”
Eis aí um triste revés da sorte e uma prova de que a justiça divina nem sempre espera a vida futura para agir sobre o culpado. Dizemos culpado por hipótese, porque uma tal degradação não pode ser senão o resultado do vício no seu mais alto grau. O homem mais rico e mais altamente colocado pode tombar na última categoria da escala social; mas conservará a dignidade, se nele a honra não for abafada na mais profunda miséria.
2. — Presumindo que a vida desse homem pudesse oferecer um ensinamento, a Sociedade de Paris † julgou dever evocá-lo, na expectativa de, ao mesmo tempo, lhe ser útil.
(Sociedade de Paris, 28 de julho de 1864. – Médium: Sr. Vézy.)
1.
Pergunta. – Os detalhes que lemos de vossa vida e vossa morte
nos interessaram, primeiro por vós, porque todos os que sofrem têm direito
às nossas simpatias; e, depois, para nossa instrução. Seria útil, do
ponto de vista moral, reconhecer como e por que causas, de uma existência
que parece ter sido brilhante, caístes em tal abjeção, e qual a vossa
situação atual? Rogamos a um bom Espírito que vos assista na comunicação
que nos derdes.
Resposta – Não paguei bastante minha dívida de sofrimentos na Terra, para que me sejam concedidas algumas horas de lucidez no além-túmulo? É por que meu corpo está infecto e corroído pelos vermes, em disputa com a podridão que o dilacera, que meu Espírito está perturbado? Deixai que me reconheça um pouco.
A vós, que conheceis as leis divinas da imigração das almas, não preciso explicar o porquê desse estado abjeto a que desci. Todavia, desde que tal me é ordenado, vou contar-vos minha história… Aliás, uma anedota no meio de vossas sábias discussões e de vossos sérios argumentos causará diversão. Tendes aqui um certo público e isto os distrairá mais que a vossa moral e a vossa filosofia. Começo, pois.
Observação. – Nesse dia a Sociedade tinha uma sessão geral, isto é, daquelas em que são admitidos uns tantos ouvintes estranhos. É a isto que o Espírito faz alusão.
Por que vos calaria o nome que tinha e que, sobretudo em meus últimos anos, eu mesmo parecia ter esquecido completamente? Não adivinhastes que a imundície que me arrasava era a única causa de meu silêncio a respeito? Eu fingia esquecer. Chamo-me… mas não; não quero jogar lama sobre os fraques e vestidos de seda e veludo dos que foram meus parentes e meus amigos, com os quais vivi durante a juventude e que ainda vivem. Também não quero que algumas velhas damas, que mudaram de residência, passando do toucador para o oratório, vejam no medalhão, que ainda conservam, pendurado nos lambris de suas alcovas, sob as vestes de galante gentil-homem, o infeliz abandonado. Para umas, morri na América, durante as guerras que se seguiram ao despertar de seus povos; para outras, fui dos últimos a morrer nas escaramuças sanguinolentas da Vandeia, † gritando: Viva o Rei!
Não toquemos nesses louros, sobre os quais repouso em seus corações!… Morri para todas há muito tempo!… Também morri para ela!… Ah! Não gracejamos aqui!… Sim, para ti estou bem morto! morto para a eternidade! E, contudo, na Terra, quantas horas de êxtase e de arrebatamento não passamos! Quantas vezes teu olhar encontrou o meu olhar, meus sorrisos o teu sorriso! Não vives ainda senão para me mostrar tuas rugas e teus cabelos brancos. Mas quando chegar tua vez, em que serás tocada pela morte, não te verei mais!… Não!… Não!… Maldição! Ouço vozes que me gritam: Maldito!… Não, não, não a verei mais. Para ela, um dia a luz e o brilho; para mim, a noite e as trevas! Arranquei as asas do anjo na Terra, mas suas lágrimas lhe devolverão a pureza, e o perdão de Deus lhe concederá asas brancas de serafim.
Ah! por que a mocidade joga assim com o seu coração? Por que colher todas as flores à sua passagem, para depois as espezinhar? Entretanto, quando seu coração fala a linguagem da alma a uma outra alma, não mente. Por que é necessário que o sopro das paixões impuras a envelheça e atire seu corpo no esterco?… Deixai que também derrame algumas lágrimas: elas são doces para os que sofrem!
Como gostaria de retornar à minha vida de outrora, para utilizar melhor as horas da juventude! Oh! como gostaria de possuir o meu coração de vinte anos! Eu o daria por inteiro a um coração irmão do meu; daria minha alma inteirinha a uma alma irmã da minha e, nas minhas aspirações, pediria a Deus que nos fizesse sentir todas as alegrias do céu!… Mas está feito. Por que minhas lágrimas e meus pesares? Homem degradado, que sonhas? Tudo está perdido para quem não soube aproveitar o tempo que lhe foi dado! Tudo está perdido para o miserável que não tirou proveito das qualidades que possuía!
Ó vós que me ouvis; sim, este que vos fala era dotado de belas faculdades. Para que lhe serviram? Para enganar com astúcia e conhecimento de causa! para cometer crimes! Mais tarde eu abafava os remorsos na orgia para não ouvir os gritos da consciência. Era gentil-homem; manejava a palavra e a espada com audácia; as mulheres me chamavam de refinado, acariciando-me a fronte e os cabelos em sua alcova, enquanto os homens me chamavam de invencível e de bravo! Orgulho!… Por que essas lembranças de outros tempos? Desgraça!… danação!… Vejo sangue em volta de mim! Por que esta espada, que usei para ferir, não se voltou contra meu peito?… Entre esses mortos, vedes este cadáver?… É meu filho!… Ironia!… Eis a consequência dos costumes de uma sociedade na qual riem de tudo!… Era eu o culpado e sabia que era meu filho? Sabia que a amante abandonada há vinte anos jogaria em meu caminho um fruto adulterino, que eu não reconhecia e que viria disputar uma presa ao novo Don Juan?… E queríeis que não tivesse esquecido meu nome depois de tais crimes? Ah! para mim a taça de vergonha e de infâmia! Eu devia morrer como morri, na imundícia. Sinto o frio do túmulo! sinto os vermes que me roem! Mas nada disto me faz sofrer tanto quanto a vista desta enorme ferida, feita por minha espada… Meu filho, graça! se teu pai não te deu o nome, riscou o seu do mundo; se te deu a morte, também morreu na lama. Ah! abre-me teus braços; ensina a teu pai o caminho de Deus pelo perdão.
Que lúgubre história! Ao tomar esta mão para escrever, pensava que ia reencontrar meus sorrisos de outrora! Don Juan! Então é o meio em que me encontro que me penetra e me transforma?… Por que me evocastes? Por que me retirastes da noite para me mostrar um pouco de luz e, em seguida, lançar-me nas trevas? Por minha vez vos interrogo; respondei-me.
2. P. – Nós vos chamamos para vos ser úteis, e porque nos condoemos com os vossos sofrimentos. Que podemos fazer por vós?
Resposta. – Ai! que sei eu? Cabe-vos instruir-me. Não me lanceis na obscuridade… Despertastes mortos; eu os vejo na noite; tenho medo!
3. P. – Oraremos por vós.
Resposta. – Ah! orai. Dizem que a prece faz tanto bem aos que sofrem!
4. P. – Quereis assinar o vosso nome?
Resposta. – Não, não! orai por mim.
3. — Alguns dias depois outro médium, o Sr. Rul, de Passy, † fez em particular a evocação do mesmo Espírito, dele obtendo as três comunicações seguintes. Julgamos supérfluo reproduzir os conselhos dados pelo médium ao Espírito; são os de um espírita sincero, animado de verdadeira caridade para com os seus irmãos sofredores.
Sim, orai por mim, porque as preces de vossos irmãos já me fizeram bem. Se soubésseis o que é o sofrimento de um desencarnado! Se pudésseis ler em meu semblante espiritual as marcas das paixões que o sulcaram, seríeis tomado de piedade e vossa mão fraternal, apertando a minha, sentiria a febre que me agita. Como sofro, desde que fui evocado pelo vosso presidente! Reconheço a justiça divina. Só, errando entre os mortos, pensava ser o único a conhecer os meus sofrimentos, e eis que em plena luz da publicidade sou chamado para fazer a confissão de meus erros! Oh! quantos erros a paixão me fez cometer! Não disse tudo ao vosso irmão; o pudor, a vergonha, me retinham; preferia não ter revelado as confissões que fiz e apagar esses caracteres indeléveis, que me punham no pelourinho de vossas consciências. Mas oraram por mim e hoje reconheço o bem que me fizeram vossos corações caridosos; e para melhor merecer a vossa compaixão, porque sois espíritas, o que quer dizer indulgentes e compassivos, admito não ter recuado diante de nenhuma perversidade para satisfazer minhas paixões. Não cometi nenhum dos crimes punidos pela lei dos homens; contudo, os vícios que vossa sociedade tolera e desculpa, sobretudo quando se tem nome e fortuna, estão sujeitos à jurisdição divina, que jamais os deixa impunes. Eu os expiei cruelmente na Terra; caí no último grau da miséria, do aviltamento e do desprezo, eu que outrora brilhava e fazia invejosos e ciumentos, e o castigo me perseguiu no além-túmulo. Não matei como um vil assassino; não roubei, porque o meu orgulho de gentil-homem se teria revoltado à só ideia de ser confundido com os criminosos; e, no entanto, matei, salvaguardando a honra, segundo o mundo; levei a ruína, a vergonha e o desespero às famílias, e me chamavam o felizardo, o homem de sorte! Quantas vítimas clamam por vingança em volta de mim! Oh! por quanto tempo carregarei o fardo desses crimes! Orai por mim, porque sofro a ponto de sentir minha alma se partir!
Obrigado, obrigado, caro irmão. Quero dar-te o nome que me dás; agradeço tuas lágrimas, pois me aliviaram; agradeço a tua prece, pois atraiu para junto de mim Espíritos cheios de glória, que me dizem: Espera, tu que foste tão culpado; espera na misericórdia de Deus, que perdoa a todos os seus filhos que se arrependem. Persevera nas boas resoluções e serás mais forte para suportar teus sofrimentos.
Obrigado a ti, que me tiras do nevoeiro que me envolvia. Possa eu te provar um dia que o reconhecimento de teu irmão é para a eternidade!
O remorso me persegue; sofro muito, mas compreendo a necessidade de sofrer; compreendo que a impureza só se pode tornar pura depois de transformada ao contato do fogo.
Os bons Espíritos me dizem que espere, e eu espero; que ore, e orei; mas preciso de um amigo que me dê a mão para me sustentar e me impedir de sucumbir sob o meu fardo, que é muito pesado. Sê para mim esse irmão caridoso, esse amigo devotado. Escutarei teus conselhos; orarei contigo; prosternar-me-ei contigo aos pés do Eterno.
Quantas vezes vi minha espada tinta do sangue de um de meus irmãos! Fui implacável em minhas vinganças, e quando o aguilhão da carne, a vaidade e o desejo de triunfar sobre os meus rivais me exaltavam, eu precisava da vitória a qualquer preço. Triste vitória! manchada pelas mais baixas paixões. Era cruel quando meu orgulho estava excitado; sim, fui um grande culpado, mas quero tornar-me um filho do Senhor. Por isto vim dizer-te: Sê meu irmão para me ajudar a purificar-me. Irmãos, oremos juntos.
Obrigado, obrigado, irmão. Estou sob a impressão das palavras que acabas de pronunciar. Estou mais forte; vejo o objetivo e, sem tentar medir a distância que dele me separa, digo com os meus botões: Chegarei, porque quero, e tenho confiança nos bons Espíritos, que me dizem que espere. Na Terra jamais duvidei do sucesso, quando fazia o mal; como poderei duvidar, quando hoje quero fazer o bem?
Obrigado, irmão, por tua caridade, por tuas boas preces, por teus ensinamentos, pois deles tiro minha força e sinto crescer o meu arrependimento. Se o arrependimento duplica o sofrimento, sei que esse tratamento não durará mais que um tempo e que a felicidade me espera após a depuração. Quero, então, sofrer, sofrer muito, para merecer ser feliz mais rapidamente dessa felicidade que gozam os Espíritos radiantes, que vejo perto de ti.
Até breve, irmão, pois vejo que tens um outro Espírito sofredor para consolar e fortalecer em seu arrependimento. Pensa em mim; em tua prece da noite estarei junto de ti.
4 CONSIDERAÇÕES GERAIS.
É evidente que esse Espírito está no bom caminho, há nele uma luta de bom augúrio, pois só pede para ser esclarecido.
Entretanto, suas ideias se ressentem de certos preconceitos. Como muita gente que neles imaginam encontrar uma desculpa, ele se prende à sociedade. Mas, o que é que torna má a sociedade, senão as pessoas viciosas? Sem dúvida a sociedade deixa muito a desejar, no que diz respeito às instituições; mas desde que nela se encontram criaturas honestas, cumpridoras de seus deveres, todos poderiam fazer o mesmo, já que ela não força ninguém a fazer o mal. Era a sociedade que obrigava Louis-Henri a abandonar aquela mulher e seu filho? Se não reconheceu este, por que o perdeu de vista, sem se inquietar com sua existência? Foram os preconceitos sociais que o impediram de dar seu nome àquela mulher? Não, porque tinha como móvel apenas suas paixões. Era a instrução que lhe faltava? Não, pois pertencia à classe alta. A sociedade não é culpada para com ele; ela nada lhe recusou, já que em tudo o favorecera. Ele, pois, é que foi culpado para com a sociedade, porque agiu livremente, voluntariamente e com conhecimento de causa. Quem lançou seu filho no caminho dos excessos? O acaso? Não: a Providência, a fim de que o remorso, que mais tarde experimentaria, servisse ao seu adiantamento. n
A verdadeira chaga da sociedade, a causa primeira de todas as desordens, é a incredulidade. A negação do princípio espiritual, a crença no nada depois da morte, as ideias materialistas, numa palavra, altamente preconizadas por homens influentes, infiltram-se na juventude, que as suga, por assim dizer, com o leite. O homem que só acredita no presente quer gozar a qualquer preço e é consequente consigo mesmo, pois nada espera além da tumba; como não espera nada, nada teme. Se Louis-Henri tivesse tido fé em sua alma e no futuro, teria compreendido que a vida corporal é fugidia e precária e dela não teria feito o seu único objetivo; sabendo que nada do que aqui se adquire é perdido, ter-se-ia preocupado com sua sorte futura, ao passo que agiu como alguém que dissipa o capital e joga sua última carta.
Quantas desordens, quantas misérias, quantos crimes têm sua fonte nesta maneira de encarar a vida! Quais os primeiros culpados? Os que a erigem em dogma, em crença, zombando e tratando como loucos os que acreditam que nem tudo está na matéria e no mundo visível. Louis-Henri não foi bastante forte para resistir a essa corrente de ideias; sucumbiu, vítima de suas paixões, que encontravam uma justificação no materialismo, ao passo que uma fé sólida e raciocinada lhe teria posto um freio mais poderoso que todas as leis repressivas, incapazes de alcançar todos as ações más. O Espiritismo dá esta fé, razão por que opera tão numerosas transformações morais.
As três últimas comunicações confirmam a primeira, obtida por outro médium; evidentemente, o cerne do pensamento é o mesmo. Aí se nota o progresso operado nesse Espírito, e nela podemos colher mais de um ensinamento.
Na primeira, fazendo a confissão de suas faltas, ainda não há arrependimento sério, nem resolução tomada; quase protesta por ter sido evocado.
Na segunda, diz: “Como sofro desde que fui evocado por vosso presidente!”. Estas palavras justificariam o dito de certas pessoas, que pretendem que os mortos são perturbados quando se os evoca? Não, certamente; primeiro, porque só vêm quando lhes convém; em segundo lugar porque, em sua maioria, testemunham satisfação por serem chamados, quando o são por um sentimento simpático e benevolente. Certos culpados só vêm com repugnância e, neste caso, não são constrangidos pela evocação, mas por Espíritos superiores, tendo em vista o seu adiantamento. Sua repugnância é a do criminoso conduzido a um tribunal. A evocação dos Espíritos culpados, tendo como objetivo e resultado a sua melhora, a contrariedade momentânea que lhes causa é vantajosa para eles, porquanto, ao excitá-los ao arrependimento, abreviam os sofrimentos que suportam no mundo dos Espíritos. Seria, então, mais caridoso deixá-los apodrecer na abjeção em que se acham, do que dali os tirar? O sofrimento que disso resulta é semelhante ao que o médico faz passar o doente, para o curar. Tirai da lama um homem embrutecido: ele protestará. Dá-se o mesmo com os Espíritos.
Nas comunicações desse Espírito encontra-se um pensamento análogo ao que exprimia Latour sobre o sofrimento causado pelo arrependimento. Explicamos a causa desse sentimento (número de novembro de 1864); é o mesmo que levou este a dizer: “Sofro desde que fui evocado, e o remorso me persegue; sofro muito.” É, pois, o remorso que o faz sofrer, mas é esse remorso que o deve salvar, e foi a evocação que o provocou. Mas ele acrescenta estas palavras notáveis: “Compreendo a necessidade de sofrer; compreendo que a impureza só se torna pura depois de transformada ao contato do fogo.” E mais adiante: “Se o arrependimento duplica o sofrimento, sei que esse sofrimento apenas durará um tempo, e que a felicidade me aguarda após a depuração.” Esta certeza o faz dizer: “Quero sofrer, sofrer muito, para mais depressa ser feliz.” Depois disto, é de admirar que um Espírito escolha terríveis provações em nova existência? Não está no caso de um doente que se resigna a uma operação dolorosa para ficar bom? ou no de um homem que se expõe a todos os perigos, que suporta todas as misérias, todas as fadigas e todas as privações, com vistas a adquirir a fortuna ou a glória? Nada há, pois, de irracional, no princípio da livre escolha das provas da vida. Para aproveitá-la, a condição não é recuar. Ora, é recuar não as suportar com coragem e resignação.
Qual será a sorte de Louis-Henri numa nova existência? Como expiou cruelmente suas faltas em sua última existência, e como no estado de Espírito é sincero o seu arrependimento e sérias as suas boas resoluções, é provável que seja posto em condições de reparar os erros, fazendo o bem. Mas como pagou sua dívida de sofrimentos corporais, não terá mais de passar pelas mesmas vicissitudes.
É o que lhe auguramos e, por isso, oramos por ele.
[1] Obs. Nós não podemos imaginar a Providência lançando um de seus filhos no caminho do mal (desbordamentos, excessos, etc.), mas podemos acreditar que não foi por acaso que aquele Espírito, que reencarnaria como seu filho adulterígeno, tivesse identidade de sentimentos com os pais viciosos, e fosse arrastado às más paixões. Tinha o livre arbítrio, poderia ceder ou não às más influências, se cedesse, aí sim a consequência seria o remorso e o desejo de não mais seguir aquele caminho. Vide as questões 207; 845 e 872 do Livro dos Espíritos. — (Nota do Compilador.)