1. — Sob esse título, o Sr. Aug. Bez, de Bordeaux, †
acaba de publicar o relato das manifestações de Jean Hillaire, médium
extraordinário, [Vide: O
processo Hillaire,] cujas faculdades lembram, sob muitos aspectos,
as do Sr. Home,
chegando mesmo a ultrapassá-las em certos pontos.
O Sr. Home é um homem do mundo, de maneiras afáveis e cheias de urbanidade, que só se revelou à mais alta aristocracia. Jean Hillaire é um simples cultivador da Charente-Inférieure, † pouco letrado, que vive do seu trabalho. Suas maiores excursões, ao que parece, foram de Sonnac, † seu vilarejo, a Saint-Jean d’Angely e a Bordeaux; mas Deus, na repartição de seus dons, não leva em conta as posições sociais; quer que a luz se faça em todos os graus da escala, razão por que os concede aos grandes e aos pequenos.
A crítica e a calúnia odiosa não pouparam o Sr. Home. Sem consideração às altas personagens que o honraram com sua estima, que o receberam e ainda o recebem em sua intimidade, a título de comensal e amigo, a incredulidade zombeteira, que nada respeita, se deleitou em ridicularizá-lo, em apresentá-lo como vil charlatão e hábil prestidigitador, numa palavra, como um saltimbanco de fina educação. Não se deteve nem mesmo ante a ideia de que tais ataques atingiam a honorabilidade das mais respeitáveis pessoas, acusadas, por isso mesmo, de conivência com um suposto ilusionista. Dissemos a seu respeito que basta tê-lo visto para julgar que seria o mais desastrado charlatão, porque não tem atitudes audaciosas nem loquacidade, que se não coadunariam com a sua timidez habitual. Aliás, quem poderia dizer que alguma vez ele tivesse fixado preço às suas manifestações? O motivo que ultimamente o conduzia a Roma, de onde foi expulso, para ali se aperfeiçoar em escultura e desta tirar seus recursos, é o mais formal desmentido aos seus detratores. Mas que importa! Eles disseram que é um charlatão, e não querem dar o braço a torcer.
Os que conhecem Hillaire igualmente puderam convencer-se de que ele seria um charlatão ainda mais desastrado. Nunca seria demais repetir: o móvel do charlatanismo é sempre o interesse; onde não há nada a ganhar o charlatanismo não tem objetivo; onde teria a perder, seria uma estupidez. Ora, que proveito material tirou Hilário de suas faculdades? Muitas fadigas, uma grande perda de tempo, aborrecimentos, perseguições, calúnias. O que ganhou, e para ele não tem preço, foi uma fé viva em Deus, que antes não tinha, uma fé em sua bondade, na imortalidade da alma e na proteção dos bons Espíritos. Não é este, exatamente, o fruto visado pelo charlatanismo. Mas ele sabe, também, que essa proteção não se obtém senão se melhorando; é o que se esforça por fazer, e o que, também, não interessa aos charlatães. É, igualmente, o que o faz suportar com paciência as vicissitudes e as privações.
Em semelhantes casos, uma garantia de sinceridade está, pois, no absoluto desinteresse. Antes de acusar um homem de charlatanismo, é preciso perguntar que proveito pode tirar em enganar os outros, pois os charlatães não são tolos a ponto de nada ganhar e, ainda menos, de perder, ao invés de ganhar. Assim, os médiuns têm uma resposta peremptória a dar aos detratores, perguntando-lhes: Quanto me pagaram para fazer o que faço? Uma garantia não menos significativa e susceptível de causar viva impressão é a reforma de si mesmo. Só uma profunda convicção pode levar um homem a vencer-se, a desembaraçar-se do que tem de mau, a resistir aos perniciosos arrastamentos. Então, já não é apenas a faculdade que se admira, mas a pessoa que se respeita e se impõe à zombaria.
2. — As manifestações obtidas por Hillaire são, para ele, uma coisa santa; considera-as como um favor de Deus. Os sentimentos que elas lhe inspiram estão resumidos nas seguintes palavras, extraídas do livro do Sr. Bez:
“O rumor desses novos fenômenos espalhou-se por toda parte com a rapidez do relâmpago. Todos os que, até então, ainda não haviam assistido a manifestações espíritas, ficaram mortos de vontade de ver. Mais que nunca, Hillaire foi assediado por pedidos e convites de toda sorte. Ofertas de dinheiro foram feitas por várias pessoas, a fim de o decidir a dar sessões em suas casas; mas Hillaire sempre teve a convicção profunda de que suas faculdades não lhe foram dadas senão visando à caridade, a fim de trazer a fé à alma dos incrédulos e, assim, arrancá-los ao materialismo, que os corrói sem piedade e os mergulha no egoísmo e no deboche. Desde que Deus lhe fez a graça de se servir dele para esclarecer os seus compatriotas; desde que manifestações de ordem tão elevada são produzidas por seu intermédio, o simples médium de Sonnac considerou sua mediunidade como puro sacerdócio e convenceu-se de que, no dia em que aceitasse a menor retribuição, suas faculdades lhe seriam retiradas ou entregues como um joguete aos Espíritos maus e levianos, que as utilizariam para fazer o mal ou mistificar todos aqueles que ainda cometessem a imprudência de a ele dirigir-se. E, não obstante, a posição pecuniária desse humilde instrumento se acha em estado muito precário. Sem fortuna, tem de ganhar o pão com o suor do rosto e, muitas vezes, a grande fadiga que experimenta quando se produzem algumas manifestações importantes, mina as forças que lhe são necessárias para manejar a pá e a enxada, dois instrumentos que, incessantemente, deve ter entre as mãos.”
3. — Nos momentos de infortúnio, que tinham por objetivo experimentar sua fé e sua resignação, Hillaire, tal qual acontecera com Job, encontrou asilo e assistência nos amigos reconhecidos, que lhe deviam a consolação pelo Espiritismo. Isto é pôr à venda as manifestações dos Espíritos? Não, certamente. É um socorro que Deus lhe enviou, que podia e devia aceitar sem escrúpulo; sua consciência está em paz, porque não traficou com os dons que recebeu de graça; não vendeu as consolações aos aflitos, nem a fé que deu aos incrédulos. Quanto aos que lhe vieram em auxílio, cumpriram um dever de fraternidade, pelo que serão recompensados.
As faculdades de Hillaire são múltiplas; ele é médium vidente de primeira ordem, audiente, falante, extático e, além disso, escrevente. Obteve escrita direta e transportes notáveis. Várias vezes foi levantado e transpôs o espaço sem tocar o solo, o que não é mais sobrenatural do que ver erguer-se uma mesa. Todas as comunicações e todas as manifestações que obtém atestam a assistência dos bons Espíritos e sempre se dão em plena luz. Muitas vezes entra espontaneamente em sono sonambúlico, e é quase sempre neste estado que se produzem os mais extraordinários fenômenos.
4. — A obra do Sr. Bez é escrita com simplicidade e sem exaltação. Não só o autor diz o que viu, como cita numerosas testemunhas oculares, a maioria das quais se interessou pessoalmente pelas manifestações; estes não teriam deixado de protestar contra inexatidões, sobretudo se lhes tivessem feito representar um papel contrário ao que se passou. O autor, justamente estimado e considerado em Bordeaux, não se teria exposto a receber semelhantes desmentidos. Pela linguagem se reconhece o homem consciencioso, que teria escrúpulo em alterar conscientemente a verdade. Aliás, não há um só desses fenômenos cuja possibilidade não seja demonstrada pelas explicações que se acham em O Livro dos Médiuns.
Esta obra difere da do Sr. Home; em vez de ser uma simples compilação de fatos, muitas vezes repetidos, sem deduções nem conclusões, encerra, sobre quase todos os que são relatados, apreciações morais e considerações filosóficas que dele fazem um livro ao mesmo tempo interessante e instrutivo, no qual se reconhece o espírita, não só convicto, mas esclarecido.
5. — Quanto a Hillaire, felicitando-o por seu devotamento, nós o exortamos a jamais perder de vista que o que constitui o principal mérito do médium não é a transcendência de suas faculdades, que lhe podem ser retiradas a qualquer momento, mas o bom uso que delas faz. Desse uso depende a continuação da assistência dos bons Espíritos, porque há uma grande diferença entre um médium bem-dotado e o que é bem assistido. O primeiro só excita a curiosidade; o segundo, ele próprio tocado no coração, reage moralmente sobre os outros, em razão de suas qualidades pessoais. Desejamos, tanto no seu próprio interesse quanto no da causa, que os elogios de amigos, geralmente mais entusiastas que prudentes, nada lhe tirem de sua simplicidade e de sua modéstia, e não o façam cair na armadilha do orgulho, que já perdeu tantos médiuns.
[1]
[Les
miracles de nos jours, ou, Les manifestations extraordinaires: obtenues
par l’intermédiaire de Jean Hillaire, cultivateur à Sonnac (Charente-Inférieure) — Google Books.]