O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VI — Outubro de 1863.

(Idioma francês)

Benfeitores anônimos.

(Sumário)


O fato seguinte foi relatado pela Patrie do mês de abril último:

“O proprietário de uma casa na Rua du Cherche-Midi  †  tinha permitido anteontem que o inquilino se mudasse sem saldar a conta, mediante reconhecimento da dívida. Mas enquanto carregavam os móveis o proprietário mudou de ideia e quis ser pago antes da retirada da mobília. O locatário se desesperava, sua esposa chorava e dois filhos em tenra idade imitavam a mãe. Um cavalheiro, condecorado com a Legião de Honra, passava no momento por aquela rua. Parou. Tocado por esse espetáculo desolador, aproximou-se do infeliz devedor e, tendo-se informado da quantia devida pelo aluguel, entregou-lhe duas cédulas e desapareceu, acompanhado pelas bênçãos daquela família, que salvava do desespero.”

No mês de julho, o jornal L’Opinion du Midi, de Nimes,  †  relatava outro caso do mesmo gênero:

“Acaba de passar-se um fato tão estranho, pelo mistério com que se realizou, quão tocante por seu objetivo e pela delicadeza do procedimento do seu autor.

“Há três dias anunciamos que um violento incêndio tinha consumido quase completamente a loja e as oficinas do Sr. Marteau, marceneiro em Nimes. Contamos a dor desse infeliz em presença de um sinistro que consumava sua ruína, pois o seguro que fizera era infinitamente inferior ao valor das mercadorias destruídas.

“Soubemos hoje que três carretas, contendo madeira de diversas qualidades e instrumentos de trabalho, foram levadas à frente da casa do Sr. Marteau e descarregadas em suas oficinas, semidevoradas pelas chamas.

“O responsável pela condução das carretas respondeu às interpelações de que era objeto, alegando a ignorância em que se achava, relativamente ao nome do doador, cuja vontade executava. Sustentou não conhecer a pessoa que o havia comissionado para transportar a madeira e as ferramentas à casa do Sr. Marteau, e nada saber fora dessa comissão. Retirou-se após ter descarregado as três viaturas.

“A alegria e a felicidade substituíram no Sr. Marteau o abatimento de que era impossível tirá-lo desde o dia do incêndio.

“Que o generoso desconhecido, que tão nobremente veio em socorro de um infortúnio que, sem ele, talvez tivesse sido irreparável, receba aqui os agradecimentos e as bênçãos de uma família que, desde hoje, lhe deve as mais doces consolações e, talvez, logo venha a lhe dever a prosperidade.”

O coração se tranquiliza quando lemos fatos semelhantes que, de vez em quando, vêm fazer a contrapartida dos relatos de crimes e torpezas que os jornais estampam em suas colunas. Fatos como os acima relatados provam que a virtude não está inteiramente banida da Terra, como pensam certos pessimistas. Sem dúvida nela o mal ainda domina, mas quando se procura na sombra, percebe-se que, sob a erva daninha, há mais violetas, isto é, maior número de almas boas do que se pensa. Se elas surgem a intervalos tão espaçados, é que a verdadeira virtude não se põe em evidência, porque é humilde; contenta-se com os prazeres do coração e a aprovação da consciência, ao passo que o vício se manifesta afrontosamente, em plena luz; faz barulho, porque é orgulhoso. O orgulho e a humildade são os dois pólos do coração humano: um atrai todo o bem; o outro, todo o mal; um tem calma; o outro, tempestade; a consciência é a bússola que indica a rota conducente a cada um deles.

O benfeitor anônimo, do mesmo modo que o que não espera a morte para dar aos que nada têm, é, incontestavelmente, o tipo do homem de bem por excelência; é a personificação da virtude modesta, aquela que não busca os aplausos dos homens. Fazer o bem sem ostentação é um sinal incontestável de grande superioridade moral, porque é preciso uma fé viva em Deus e no futuro, um alheamento da vida presente e uma identificação com a vida futura para esperar a aprovação de Deus, bem como renunciar à satisfação proporcionada pelo testemunho atual dos homens. O favorecido abençoa de coração a mão generosa e desconhecida que o socorreu, e essa bênção sobe ao céu muito mais que os aplausos da multidão. Aquele que leva em maior conta o sufrágio dos homens do que a aprovação de Deus mostra ter mais fé nos homens do que em Deus e que a vida presente tem mais valor que a vida futura. Se disser o contrário, age como se não acreditasse no que diz. Entre estes, quantos não fazem um favor senão com a esperança de que o favorecido venha proclamar o benefício do alto dos telhados! que em plena luz dão uma grande soma, mas na obscuridade não dariam uma simples moeda! Eis por que disse Jesus: “Os que fazem o bem com ostentação já receberam a sua recompensa.” Com efeito, àquele que busca a sua glorificação na Terra, Deus nada deve; só lhe resta receber o preço de seu orgulho.

Que relação tem isto com o Espiritismo? talvez perguntem certos críticos; quantos casos mais divertidos não contareis do que esta moral enfadonha? (Jugement de la morale spirite, do Sr. Figuier, IV vol., pág. 369). Tem relação à medida que o Espiritismo, dando fé inabalável na bondade de Deus e na vida futura, graças a ele os homens que fizerem o bem pelo bem serão menos raros do que o são hoje; os jornais terão menos crimes e suicídios a registrar e mais atos da natureza dos que deram lugar a estas reflexões.


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