O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VI — Junho de 1863.

(Idioma francês)

Um Espírito premiado nos Jogos Florais.

(Sumário)

1. — Reproduzimos textualmente a carta seguinte, que nos foi enviada de Bordeaux,  †  em 7 de maio de 1863:


“Caro Mestre,

“No dia 22 de abril passado recebi do Sr. T. Jaubert, vice-presidente do tribunal civil de Carcassonne,  †  presidente honorário da Sociedade Espírita de Bordeaux, uma carta em que me informava que a Academia dos Jogos Florais de Toulouse  †  havia julgado o mérito das poesias admitidas ao concurso de 1863. Sessenta e oito concorrentes inscreveram-se na modalidade fábula; duas fábulas se destacaram: uma obteve o primeiro prêmio (a Primavera); a outra foi elogiada em ata. Ora, essas duas peças, diz-me o Sr. Jaubert, são ambas de seu Espírito familiar.

“Como esse fato era capital para o Espiritismo, eu próprio quis ser testemunha. Dirigi-me, então, a Toulouse, com uma delegação da Sociedade Espírita de Bordeaux, para assistir à premiação do Espírito batedor de Carcassonne. Assistimos, pois, à sessão solene dos prêmios e, depois da leitura da fábula premiada, misturamo-nos aos aplausos do público da cidade e vimos, pelos sufrágios e pelas honras que colheram dos distintos membros da academia, desmoronar sob os seus aplausos a hidra do materialismo e, em seu lugar, surgir o dogma santo e consolador da imortalidade da alma.

“Ao vosso lado, caro mestre, não passamos de meros intérpretes do nosso honrado presidente, Sr. Jaubert. Ele nos encarregou de vos comunicar esse feliz acontecimento, sabendo como nós que ninguém poderá, com tanta sabedoria, lhe deduzir as consequências, para o tornar útil à causa que temos orgulho de servir sob vossa paternal direção.

“Aproveitamos esta ocasião para testemunhar nosso reconhecimento ao excelente e honrado Sr. Jaubert, pela acolhida cordial e simpática que ele fez à delegação da Sociedade de Bordeaux. Tais testemunhos de amizade são preciosos para nós e nos encorajam a marchar com perseverança na via penosa e laboriosa do apostolado, sem nos determos nos obstáculos que aí poderíamos encontrar. O Sr. Jaubert é um desses homens que podem servir de exemplo aos outros; é um verdadeiro espírita, simples, modesto e bom, cheio de dignidade e de abnegação; calmo e grave como tudo o que é grande; sem orgulho e sem entusiasmo, qualidades essenciais a todo homem que se faz apóstolo de uma doutrina, e que liga seu nome às corajosas profissões de fé que envia aos fracos e aos tímidos.

“Consideramos o triunfo do Espírito no Capitólio de Toulouse como uma vitória para nossa santa e sublime doutrina. Deus quer calar os sorrisos de ironia e de incredulidade. É sem dúvida por isso que permitiu que os doutos jurados premiassem a alma de um morto. Que o 3 de maio seja, pois, gravado em letras de ouro nos fastos do Espiritismo. Ele cimenta o primeiro elo da solidariedade fraternal que une os vivos aos mortos: revelação esplêndida e sublime que aquece e vivifica as almas pela radiação da fé.

“Para todos os espíritas que assistiam àquela solenidade, como era bela a festa! Desprendendo o pensamento do mundo material, eles viam na sala dos Jogos Florais, volitando aqui e ali, grupos de bons Espíritos, que se felicitavam por essa vitória obtida. por um de seus irmãos e, irradiando sobre todos, o Espírito Clemência Isaura,  †  a fundadora desses novos Jogos Olímpicos, tendo nas mãos uma coroa flexível para depositar, no momento do triunfo, sobre a fronte do Espírito laureado.

“Se há na vida momentos de amargura, também os há de inefável felicidade. Isto quer dizer que em 3 de maio de 1863, em Tolouse,  †  eu vi, ou antes, nós vimos um destes momentos que fazem esquecer as tribulações da vida terrena.

“Recebei, caro mestre, etc.

Sabò.”


É, com efeito, um fato importante este que acaba de se passar em Toulouse, e todos compreenderão a emoção dos espíritas sinceros que assistiam àquela solenidade, pois expressão da verdade sem fanfarrice, sem jactância e sem bravatas inúteis.

Algumas pessoas poderiam admirar-se de que o Sr. Jaubert não tenha confundido os adversários do Espiritismo, proclamando, durante a sessão, e perante a multidão, a verdadeira origem das fábulas premiadas. Se não o fez, a razão é muito simples: é que o Sr. Jaubert é um homem modesto, que não procura fazer ruído e que, acima de tudo sabe viver. Ora, entre os juízes provavelmente havia alguns que não partilhavam de suas ideias a respeito dos Espíritos. Seria, então, jogar-lhes publicamente na face uma espécie de desafio, um desmentido, procedimento indigno de um homem elegante, diremos melhor, de um verdadeiro espírita, que respeita todas as opiniões, mesmo as que não são suas. Que teria produzido esse arruído? Protestos da parte de alguns assistentes, talvez escândalo. O Espiritismo teria lucrado com isso? Não; teria comprometido sua dignidade. O Sr. Jaubert, assim como os numerosos espíritas que assistiam à cerimônia, deram, pois, prova de alta sabedoria, abstendo-se de qualquer demonstração pública. Era um sinal de deferência e de respeito, tanto para com a academia, quanto para com a assembleia. Provaram mais uma vez, nesta circunstância, que os espíritas sabem conservar a calma no sucesso, como perante as injúrias de seus adversários, e que não é da parte deles que se deve esperar o incitamento à desordem. O fato nada perde em importância, porque em breve será conhecido e aclamado em cem países diferentes.

Os negadores de boa ou de má-fé, porquanto os há uns e outros, por certo dirão que nada prova a origem dessas fábulas, e que o laureado, para servir aos interesses do Espiritismo, poderia ter atribuído aos Espíritos os produtos de seu próprio talento. Para isto há uma resposta muito simples: é a honorabilidade notória do caráter do Sr. Jaubert, que desafia qualquer suspeita de ter representado uma comédia indigna de sua seriedade e de sua posição. Quando os adversários nos opõem charlatães, que simulam fenômenos espíritas nos palcos improvisados, nós lhes respondemos que o Espiritismo verdadeiro nada tem de comum com eles, assim como a verdadeira Ciência não tem relação com os prestidigitadores que se dizem físicos; aos que quiserem dar-se ao trabalho de estudá-lo, cabe fazer a diferença. Tanto pior para o julgamento dos que falam daquilo que não conhecem.

Não podendo ser posta em dúvida a questão da lealdade, resta saber se o Sr. Jaubert é poeta e se, de boa-fé, não teria tomado como dos Espíritos uma obra sua. Ignoramos se é poeta; mas, se tivesse o talento de Racine, o meio pelo qual obtém suas fábulas espíritas não pode deixar sombra de dúvida a respeito. É notório que todas as que obteve o foram pela tiptologia, isto é, pela linguagem alfabética das pancadas, e que a maioria tivera numerosas testemunhas, não menos dignas de fé que ele. Ora, para quem quer que conheça esse processo, é evidente que sua imaginação não poderia exercer a mínima influência. A autenticidade da origem é, pois, incontestável e a Academia de Toulouse poderia certificar-se assistindo a uma experiência.

Damos a seguir as duas fábulas premiadas.


2 O LEÃO E O CORVO.


(Primeiro prêmio.)

Percorria um leão seus domínios imensos,

Por um nobre orgulho dominado;

Sem raiva a devorar vassalos indefensos;

Bom príncipe afinal, desde que bem jantado!

E nunca andava só; de sua juba em volta

Apressados se veem lobos, tigres, panteras,

Leopardos, javalis; uma faminta escolta;

E até raposas longe das feras.

Ora, o monarca quis certo dia

Aos campônios falar e à corte com alegria:

“ – Companheiros, sois vós apoio à minha glória

E submissos fiéis a uma gula notória,

Por entender-me bem que viestes vós,

Que por graça de Deus sou rei!

Ouvi-me a voz: Eu poderia…

Mas, por que o poder citar?”

Logo o leão sem se embaraçar,

Qual melhor não fizera experiente advogado

Ou bom procurador de inteligência astuta,

Dos deveres falou nos encargos do Estado,

Dos pastores, dos cães, da nova carta arguta,

Do mal que muita vez dele um tolo afirmou;

E cheio de emoção, matreiro terminou:

“Se o meu palácio deixo é pra vos dar prazer;

Vossas mágoas falai; verei o que fazer;

Touros, ovelhas… ouvirei com bondade.

Eu espero; falai com toda a liberdade,

Pois que! Todo o reino aqui reputo,

Sem um só infeliz! Nenhuma queixa escuto!…”

Velho corvo então o interrompeu,

E já livre no ar respondeu:

“Satisfeitos os crês; seu silêncio te toca,

Grande rei!… É o terror o que lhes fecha a boca.”


3 O OSSO PARA ROER.


(Menção honrosa.)

Ornado de um chapéu e com benevolência,

Um discípulo do extinto Vatel,

No pátio de seu grandioso hotel,

A seus cães ele dava audiência.

“Em vós, ele dizia, estou sempre a pensar;

Eu vos amo muito e é uma ação minha

Destinar-vos sobras da cozinha,

Este osso, este belo osso eu vou dar!

Mas só um vai gozar de meu grande favor;

Por justiça o darei ao mais merecedor.

Está aberto o concurso; atentai nos acertos.”

Um cão d’água famoso e dentre os mais espertos,

De uma tropa canina era outrora o primeiro,

Logo o dono saudou como alegre rafeiro,

Passeou ante os demais de olhar triunfador,

Latiu, morto se fez, mostrou-se ao imperador.

Eis que um dogue exclamou: “Que importa tal jactância!

Da casa e sem cessar cuido da vigilância.

Senhor, não esqueçais que um ladrão imprudente

Caiu, no ano passado, em meu dente.”

Disse um cãozinho então: “Valente e sem censura,

Anos, já faz uns dez, vos sirvo com finura;

E sempre, para vós, com este pequeno saco,

Só para vos comprar no empório um bom tabaco.”

“ – Eu amo, uivou Tayant, a fanfarra sonora

Já me vistes na caça entre os retardatários?

Ao menos me deveis raposas, coelhos vários;

Eu sou sóbrio e submisso; e nunca o que devora

A perdiz encontrada no laço.”

E o osso enfim quem roeu? Foi um bassê já baço!

Como o teria feito, outrora, um deputado,

E que sem mais rubor, fará de novo, então,

Diante do chefe pois, ventre ao piso colado,

Lambeu-lhe alegre os pés e… o fez abrir a mão.

Vós, bassês dos Chefões, de condição notória,

Eis, ó vis bajoulos, vossa história.



[Vide artigo: Quadro mediúnico na Exposição de Constantinopla, os comentários de Allan Kardec sobre o segredo da origem das fábulas do Sr. Jaubert aos juízes do concurso de Toulouse.]


[Vide também: Carta do Sr. T. Jaubert, de Carcassone.]


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