1. – A propósito de nosso artigo do mês passado sobre a pastoral do Sr. Bispo de Argel, várias pessoas nos perguntaram se lho havíamos remetido. Ignoramos se alguém se encarregou disto; quanto a nós, não o fizemos e eis a nossa razão:
Não temos a menor intenção de converter o Sr. Bispo de Argel † à nossa opinião. Ele poderia ter visto na remessa direta daquele artigo uma espécie de bravata de nossa parte, o que não está em nosso caráter. Ainda uma vez, o Espiritismo deve ser aceito livremente e não violentar consciência alguma; deve atrair a si pela força de seu raciocínio, a todos acessível, e pelos bons frutos que dá; deve realizar esta palavra do Cristo: “Outrora o céu era tomado pela violência; hoje o é pela doçura.” De duas, uma: ou o Sr. Bispo de Argel se restringe a falar do que sabe, ou não se restringe. No primeiro caso, por si mesmo deve pôr-se ao corrente da questão e não se limitar aos escritos que abundam neste sentido, se não quiser expor-se a cometer erros lamentáveis; no segundo caso, seria trabalho perdido querer abrir os olhos a quem os quer manter fechados.
É um grave erro acreditar que a sorte do Espiritismo dependa da adesão desta ou daquela individualidade; ele se apoia em base mais sólida: o assentimento das massas, nas quais a opinião dos menores pesa tanto quanto a dos maiores. Não é uma pedra única que faz a solidez de um edifício, pois uma pedra pode ser derrubada, mas o conjunto de todas as pedras que lhe servem de fundação. Numa questão de tão vasto interesse, a importância das individualidades, considerada em si mesma, de certo modo se apaga; cada uma traz o seu contingente de ação, mas se algumas faltam ao chamado, nem por isso sofre o conjunto.
Em sua opinião, o Sr. Bispo de Argel julgou por bem fazer o que fez. Estava no seu direito; diremos mais: fez bem em fazê-lo, pois agiu conforme sua consciência. Se o resultado não corresponder à sua expectativa, é que se perdeu. Eis tudo. Não nos cabe modificar as suas ideias e, por este motivo, não havia por que lhe enviar nossa refutação. Não a escrevemos para ele, mas para a instrução dos espíritas de todos os países, a fim de os tranquilizar quanto às consequências de uma manobra que, provavelmente, terá imitadores. A medida, portanto, pouco importa em si mesma; o essencial era provar que nem esta nem outras podiam atingir o objetivo a que se propunham: o aniquilamento do Espiritismo.
Em princípio, em todas as nossas refutações jamais visamos os indivíduos, porque as questões pessoais morrem com as pessoas. O Espiritismo vê as coisas de mais alto; liga-se às questões de princípios, que sobrevivem aos indivíduos. Num dado tempo, todos os detratores atuais do Espiritismo estarão mortos; já que em vida não puderam deter o seu ímpeto, menos ainda poderão depois de mortos; ao contrário, mais de um, reconhecendo seu erro, secundará como Espírito o que havia combatido como homem, como fez o defunto bispo de Barcelona, que recomendamos às preces de todos os espíritas, conforme o desejo por ele expresso [Vide: Morte do Bispo de Barcelona]. Como vedes, mesmo antes de partir, alguns antagonistas já estão mortos moralmente! De todos os escritos que pretendiam pulverizar a doutrina, quantos sobreviveram? Um ou dois anos bastaram para pôr a maior parte no esquecimento, e os que fizeram mais alarido apenas acenderam um fogo de palha, já extinto, ou em processo de extinção. Mais alguns anos e já não se falará deles; serão procurados como raridades. Dá-se o mesmo com as ideias espíritas? Os fatos respondem à pergunta. É de presumir-se que, no rasto de seus autores, venham adversários mais temíveis, que terão razão contra o Espiritismo? É pouco provável, porque não é o talento, nem a boa vontade, nem a alta posição que faltam aos de hoje; eles são todo fogo e todo ardor; o que lhes faltam são argumentos que sobrelevem os do Espiritismo e, certamente, não é por falta de procurá-los. Ora, como a ideia espírita ganha partidários incessantemente, o número de adversários diminuirá proporcionalmente e estes se verão forçados a aceitar um fato consumado.
2. – Aliás, já dissemos que o clero não é unânime em sua reprovação contra o Espiritismo. Conhecemos pessoalmente vários eclesiásticos muito simpáticos a esta ideia, aceitando todas as suas consequências. Eis uma prova bem característica no fato seguinte, bem recente, cuja autenticidade podemos garantir:
Num vagão de estrada de ferro achavam-se dois senhores, um cientista materialista e ateu extremado, e seu amigo, que, ao contrário, era muito espiritualista. Discutiam calorosamente, cada um sustentando sua opinião. Numa estação subiu um jovem padre, que a princípio escuta e logo depois participa da conversa. Dirigindo-se ao incrédulo, diz-lhe: “Parece, senhor, que em nada acreditais, nem mesmo em Deus? – Confesso que é verdade, senhor padre, e ninguém ainda conseguiu me provar que eu esteja em erro. – Pois bem, senhor, eu vos aconselho a ir aos espíritas para crerdes. – Como! senhor padre, sois justamente vós que me falais assim? – Sim, senhor, e digo isto porque é a minha convicção. Sei, por experiência, que quando a religião é impotente para vencer a incredulidade, o Espiritismo triunfa. – Mas que pensaria o vosso bispo se soubesse o que acabastes de dizer-me? – Pensaria o que quisesse, e eu o diria a ele próprio, pois tenho por hábito não ocultar o meu modo de pensar.”
Foi o próprio cientista que narrou o fato a um de seus amigos, do qual o colhemos.
Eis um outro não menos significativo. Um de nossos fervorosos adeptos, tendo ido visitar um de seus tios, cura de aldeia, encontrou-o ocupado a ler O Livro dos Espíritos. Transcrevemos textualmente o relato que ele nos deu da conversa.
“Pois quê! meu tio! ledes este livro e não temeis ficar danado? Não seria para o refutar em vossos sermões? – Ao contrário, esta doutrina me tranquiliza quanto ao futuro, pois hoje compreendo muitos mistérios que não havia compreendido, mesmo no Evangelho. E tu, conheces isto? – Como não! se conheço! Sou espírita de coração e de alma; além disso, sou um pouco médium. – Então, meu caro sobrinho, chegamos a um acordo! Nunca nos tínhamos entendido sobre a religião e agora nos entendemos. Por que ainda não me tinhas falado disto? – Eu temia escandalizar-vos. – Outrora, com a tua incredulidade, tu me escandalizavas muito mais. – Se eu era incrédulo, vós fostes a causa. – Como assim? – Não fostes vós que me educastes? E o que me ensinastes em matéria de religião? Sempre quisestes me explicar o que vós mesmos não compreendíeis; depois, quando vos questionava e não sabíeis responder, dizíeis: “Cala-te, infeliz! é preciso crer e não buscar compreender. Jamais passarás de um ateu.” Agora talvez eu vos pudesse ensinar. Assim, sou eu que me encarrego de instruir meu filho; ele tem dez anos e vos garanto que é mais crente do que eu naquela idade, entre as vossas mãos, e não receio que algum dia ele perca sua fé, porque compreende tudo tão bem quanto eu. Se vísseis como ele ora com fervor, como é dócil, laborioso, atento a todos os seus deveres, ficaríeis edificado. Mas dizei-me, meu tio, pregais o Espiritismo aos vossos paroquianos? – Vontade não me falta; mas haverás de compreender que isto é impossível. – Falais sempre a eles da fornalha do diabo, como em meu tempo? Posso dizer isto agora sem vos ofender: realmente aquilo nos fazia rir muito. Estou certo de que entre os vossos ouvintes não havia mais que três ou quatro beatas que acreditavam no que dizíeis; as mocinhas, geralmente muito tímidas, tão logo saíam do sermão iam fazer o “jogo do diabo.” Se esse medo tem tão pouco império sobre gente do campo, naturalmente supersticiosas, imaginai o que deve ser entre gente esclarecida. Ah! meu caro tio, é tempo de trocar as baterias, porque o tempo do diabo acabou. – Bem o sei, e o pior de tudo isto é que a maioria não crê mais em Deus do que no diabo, daí por que vão mais ao cabaré do que à igreja. Confesso-te que por vezes me sinto embaraçado para conciliar o dever com a minha consciência. Trato de buscar uma solução intermediária: falo mais de moral, dos deveres para com a família e a sociedade, apoiando-me no Evangelho e vejo que sou mais bem ouvido e compreendido. – Que resultado pensais que seria obtido, caso se lhes pregasse a religião sob a óptica do Espiritismo? – Fizeste a tua confissão e vou fazer a minha, falando de coração aberto. Estou convicto de que antes de dez anos não haverá um só incrédulo na paróquia e todos serão pessoas honradas; o que lhes falta é fé. Neles a fé acabou e o seu cepticismo, não tendo por lastro o respeito humano, dado pela educação, tem algo de bestial. Eu lhes falo de moral, mas a moral sem a fé não tem base. O Espiritismo lhes dá essa fé, pois essas criaturas, a despeito da falta de instrução, têm muito bom-senso; raciocinam mais do que se imagina, mas são extremamente desconfiados, e essa desconfiança faz que queiram compreender antes de crer. Ora, para isto nada melhor do que o Espiritismo. – A consequência do que dizeis, meu tio, é que se esse resultado é possível numa paróquia, o é igualmente em outras. Se, pois, todos os curas da França pregassem apoiados no Espiritismo, a sociedade se transformaria em poucos anos. – É a minha opinião. – Pensais que isto aconteça um dia? – Eu o espero. – Quanto a mim, tenho certeza de que antes do fim do século se dará essa mudança. Dizei-me, meu tio, sois médium? – Psiu! (baixinho) Sim! – E o que vos dizem os Espíritos? – Dizem que… (Aqui o bom cura falou tão baixo que o sobrinho não conseguiu ouvir).
3. – Dissemos que a pastoral do Sr. Bispo de Argel não havia detido o ímpeto do Espiritismo naquela região. O resumo seguinte de duas cartas, entre muitas outras análogas, disto nos dá uma ideia:
“Caro e venerado mestre: ao confirmar-vos a minha carta anterior, por ocasião da circular do Sr. Bispo de Argel, venho renovar os protestos invioláveis de afeição que unem todos os espíritas do nosso grupo à santa e sublime doutrina do Espiritismo, doutrina que jamais nos persuadirão de ser obra do diabo, por nos haver arrancado da dúvida e do culto da matéria, tornando-nos melhores uns para com os outros, mesmo para com os nossos inimigos, pelos quais oramos diariamente. Como no passado, continuamos nos reunindo e recebendo as instruções de nossos Espíritos protetores, que nos asseguram que tudo quanto se passa é para o melhor e segundo os desígnios da Providência. Todos nos dizem que estão próximos os tempos em que grandes mudanças vão operar-se nas crenças, às quais o Espiritismo servirá de elo para levar todos os homens à fraternidade…”
Uma outra carta diz: “A pastoral do Sr. Bispo de Argel forneceu ao nosso cura assunto para um sermão fulminante contra o Espiritismo, sobretudo em razão de sua eloquência. Engano-me, porque causou tão forte impressão sobre vários zombadores que estes, vendo o Espiritismo tomado a sério pela autoridade eclesiástica, se disseram que ali deveria haver algo de sério. Puseram-se então a estudá-lo e agora não riem mais e são dos nossos. Aliás, o número de espíritas continua a aumentar e vários novos grupos estão se formando.”
Toda a nossa correspondência é no mesmo sentido e não assinala uma só defecção, mas apenas alguns indivíduos que, por sua posição dependente da autoridade eclesiástica, veem-se obrigados a não se porem em evidência, sem, contudo, deixarem de se ocupar do Espiritismo na intimidade ou no silêncio do gabinete. Pode-se impor atos exteriores, mas não dominar a consciência. A comunicação que se segue comprova que o ímpeto não diminuiu, seja da parte dos Espíritos, seja da parte dos homens:
4. – “Sétif, † 17 de setembro de 1863.
“Meus amigos, venho a vós cheio de alegria, vendo o Espiritismo fazer rápidos progressos, diariamente haurir novas forças, em meio aos entraves que lhe opõem. Essas forças não são apenas as do número, mas, também, da união, da fraternidade, da caridade. Tende, pois, confiança, esperança e coragem, marchando nesta santa via do progresso espírita, da qual nenhuma força humana vos desviará.
“Não obstante, esperai a luta e preparai-vos para a sustentar. Lá estão os inimigos a forjar-vos pesadas cadeias, com as quais vos esperam vencer e domar. Que farão contra a vontade de Deus, que vos protege? Os fundamentos de sua lei se elevarão, a despeito de todas as dificuldades. Os servos do Todo-Poderoso estão cheios de ardor e zelo; não se deixarão abater; resistirão a todos os ataques; seguirão sua rota sempre e apesar de tudo; os entraves e as cadeias se quebrarão como se fossem de vidro.
“Eu vos digo, velai, orai, estendei a mão aos infelizes, abri os olhos que estão fechados; que vossos corações e vossos braços a todos se abram, sem exceção. Espíritas, vossa tarefa é bela! Que há de mais belo, de mais consolador que esse pacto de união entre os vivos e os mortos? Que imensos serviços nos poderemos prestar mutuamente! Por vossas preces a Deus, partidas do fundo do coração, muito podeis para o alívio das almas que sofrem e quão suave é o benefício ao coração de quem o pratica! Que tocante harmonia a das bênçãos que houverdes merecido! Ainda uma vez, orai elevando vossa alma ao céu e persuadi-vos de que cada uma de vossas preces será ouvida e atenuará uma dor.
Compreendei bem que quanto mais homens levardes a vos imitar, mais poderoso será o conjunto de vossas preces. Tomai os homens pela mão e conduzi-os ao verdadeiro caminho, onde aumentarão a vossa falange. Pregai a boa doutrina, a doutrina de Jesus, a que o Divino Mestre ensina em suas comunicações, que não fazem senão repetir e confirmar a doutrina dos Evangelhos. Os que viverem verão coisas admiráveis, eu vo-lo digo.
P. – É preciso responder a essa pastoral pela imprensa?
Resposta. – Meu Deus! permiti-me dizer o que penso! Eles estabeleceram uma rota. Varrem-na, para que o povo passeie com mais comodidade e em maior número; assim, a multidão vem comprimir-se. Deveis compreender minha linguagem, um tanto enigmática. Vosso dever de espíritas é mostrar-lhes que abriram uma porta, ao invés de fechá-la.
São José. n
Observação. – Esta comunicação foi obtida por um operário, médium completamente iletrado e que mal assinava o nome. Depois que se tornou médium, escreve um pouco, mas com extrema dificuldade. Não se pode, assim, supor que a dissertação acima seja obra de sua imaginação.
[1]
[v. São
José.]