O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Revista espírita — Ano V — Julho de 1862.

(Idioma francês)

ENSINAMENTOS E DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS.


César, Clóvis e Carlos Magno.

(Sociedade Espírita de Paris,  †  24 de janeiro de 1862; assunto proposto. – Médium: Sr. A. Didier.)

(Sumário)


1. — Esta não é apenas uma questão material, mas, também, muito espiritualista. Antes de abordar o ponto principal, um há, do qual falaremos em primeiro lugar. O que é a guerra? Para começar, respondemos que a guerra é permitida por Deus, pois que existe, existiu e existirá sempre. É erro na educação da inteligência não ver em César senão um conquistador, em Clóvis senão um bárbaro, em Carlos Magno senão um déspota, cujo sonho insensato queria fundar um imenso império. Ah! meu Deus! Como geralmente se diz, os conquistadores são os próprios joguetes de Deus. Como sua audácia, seu gênio os fez chegar ao primeiro posto, viram em torno de si não só homens armados, mas ideias, progressos, civilizações, que era necessário lançar às outras nações. Partiram, como César, para levar Roma  †  a Lutécia;  †  como Clóvis, para os germes de uma solidariedade monárquica; como Carlos Magno, para irradiar o facho do Cristianismo entre os povos cegos, nas nações já corrompidas pelas heresias dos primeiros tempos da Igreja. Ora, eis o que aconteceu: César, o mais egoísta desses três grandes gênios, faz servir a tática militar, a disciplina, a lei, numa palavra, para os trazer às Gálias;  †  na retaguarda de seus exércitos seguia a ideia imortal, e as tribos, vencidas e indomáveis, sofriam o jugo de Roma, é certo, mas se transformavam em províncias romanas. A orgulhosa Marselha  †  teria existido sem Roma? Lugdunum n e tantas outras cidades célebres nos anais tornaram-se centros imensos, focos de luz para as ciências, as letras e as artes. César é, pois, um grande propagador, um desses homens universais, que se servem do homem para civilizar o homem, um desses homens que sacrificam homens em proveito da ideia.

O sonho de Clóvis foi estabelecer uma monarquia, bases, uma regra para o seu povo. Mas como a graça do Cristianismo não o iluminava ainda, foi propagador bárbaro. Devemos encará-lo na sua conversão: Imaginação ativa, febril, belicosa, viu na vitória sobre os visigodos uma prova da proteção de Deus; e, doravante, certo de estar sempre com Ele, deixou-se batizar. Eis que o batismo se propaga nas Gálias e o Cristianismo se expande cada vez mais. É o momento de dizer, com Corneille: Roma não era mais Roma. Os bárbaros invadiram o mundo romano.

Depois da pilhagem de todas as civilizações esboçadas pelos romanos, eis que um homem sonha espalhar pelo mundo, não mais os mistérios e o prestígio do Capitólio,  †  mas as crenças formidáveis de Aix-la-Chapelle;  †  eis um homem que está, ou se julga com Deus. Um culto odioso, rival do Cristianismo, ainda ocupa os bárbaros; Carlos Magno precipita-se sobre esses povos e Witikind,  †  depois de lutas e de vitórias equilibradas, enfim se submete, recebendo o batismo humildemente.

Eis aí, por certo, um quadro imenso, onde se desenrolam tantos fatos, tantos golpes da Providência, tantas quedas e tantas vitórias. Mas qual a conclusão? A ideia, universalizando-se, propagando-se cada vez mais, não se detendo nem nos desmembramentos das famílias, nem no desânimo dos povos, e tendo como objetivo, por toda parte, a implantação da cruz do Cristo em todos os pontos da Terra, não constitui um imenso fato espiritualista? É preciso, pois, considerar esses três homens como grandes propagadores que, por ambição ou por crença, avançaram a luz no Ocidente, enquanto o Oriente sucumbia na preguiça embriagadora e na inatividade. Ora, a Terra não é um mundo onde o progresso se faça rapidamente e por meio da persuasão e da mansuetude.

Não vos admireis, pois, que muitas vezes seja preciso tomar da espada, em vez da cruz.


Lamennais. n


P. — Dissestes que a guerra existirá sempre. Todavia, parece que o progresso moral, destruindo as suas causas, a fará cessar.

Resposta. – Ela existirá sempre, considerando-se que sempre haverá lutas; mas as lutas mudarão de forma. É verdade que o Espiritismo deve espalhar no mundo a paz e a fraternidade. Contudo, bem o sabeis, mesmo com o triunfo do bem sempre haverá luta. Evidentemente o Espiritismo fará compreender cada vez melhor a necessidade da paz; mas o mal vela sempre. Ainda será preciso lutar muito tempo na Terra pelo bem. Apenas as lutas se tornarão cada vez mais raras.


2. (MESMO ASSUNTO. — MÉDIUM, SR. LEYMAR.)


A influência dos homens de gênio sobre o futuro dos povos é incontestável. Nas mãos da Providência eles são instrumentos para acelerar as grandes reformas que, sem eles, só viriam depois de muito tempo. São eles que semeiam os germes das ideias novas. E, o mais das vezes, voltam alguns séculos mais tarde, sob outros nomes, para continuar ou completar a obra que começaram.

César, essa grande figura da Antiguidade, nos representa o gênio da guerra, a lei organizada. As paixões por ele levadas ao extremo abalaram profundamente a sociedade romana. Esta muda de face e na sua evolução tudo se transforma em seu redor. Os povos sentem mudar a sua antiga constituição; uma lei implacável, a da força, une o que não se devia separar, conforme a época em que vivia César. Sob sua mão triunfante as Gálias se transformam e, depois de dez anos de combates, constituem uma unidade poderosa. Mas dessa época data a decadência romana. Levada ao excesso, essa potência que fazia tremer o mundo cometia as faltas do poder extremo. Tudo quanto cresce além das proporções fixadas por Deus deve cair do mesmo modo. Esse grande império foi invadido por uma nuvem de povos saídos de regiões então desconhecidas. A fama tinha levado, com as armas de César, as ideias novas aos países do Norte, que se precipitaram sobre ele como uma torrente. Vede essas tribos bárbaras, lançando-se rapaces sobre as províncias, onde o sol era melhor, o vinho tão doce, as mulheres tão belas. Atravessaram as Gálias,  †  os Alpes,  †  os Pirineus,  †  para ir fundar suas colônias em toda parte e desagregar esse grande corpo chamado Império Romano.  †  Só o gênio de César tinha bastado para levar sua nação à culminância do poder. Dele data a época da renovação, em que todos os povos se confundem, avançam uns sobre os outros, buscando outras coesões, outros elementos. E, no entanto, durante vários séculos, quanto ódio entre essas criaturas! quantos combates! quantos crimes! quanto sangue!


Barbaret.


Com sua mão bárbara, Clóvis devia ser o ponto de partida de uma nova era para os povos. Obedecia ao costume e, para formar uma nação, não recuava diante de nenhum obstáculo. Ele a formava com o punhal e a astúcia. Criava um novo elemento adotando o batismo, iniciando seus rudes soldados numa nova crença. Entretanto, tudo foi à deriva depois dele, apesar da ideia, apesar do Cristianismo. Eram precisos Carlos Martel,  †  Pepino  †  e depois Carlos Magno.

Saudemos essa figura poderosa, essa natureza enérgica, qual novo César a reunir num feixe todos os povos dispersos, mudar as ideias e dar uma forma a esse caos. Carlos Magno é a grandeza na guerra, na fé, na política, na moralidade nascente, que devia fundir os povos e lhes dar a intuição da conservação, da unidade, da solidariedade. Dele remontam os grandes princípios que formaram a França, nossas leis e nossas ciências aplicadas. Transformador, ele era marcado pela Providência para ser o traço de união entre César e o futuro. Também o chamam o Grande porque, se empregou terríveis meios de execução, foi para dar uma forma e um pensamento único a essa reunião de povos bárbaros, que não podiam obedecer senão a quem fosse poderoso e forte.


Barbaret.


Nota. – Como esse nome era desconhecido, pediu-se ao Espírito que desse alguns esclarecimentos sobre a sua pessoa:


Eu vivia ao tempo de Henrique IV. Era muito humilde. Perdido nesta Paris  †  onde tão bem se esquece aquele que se esconde e só busca o estudo, gostava de estar só, ler e comentar à minha maneira. Pobre, trabalhava, e o labor diário me dava essa alegria inefável que se chama liberdade. Copiava livros e fazia essas maravilhosas vinhetas, prodígios de paciência e de saber, que só davam pão e água à minha paciência. Mas eu estudava, amava meu país e buscava a verdade na Ciência. Ocupava-me de História e para a minha França bem-amada eu desejava a liberdade, a realização de todas as aspirações que sonhava na minha humildade. A partir de então estou num mundo melhor e Deus me recompensou a abnegação, dando-me essa tranquilidade de Espírito, em que todas as obsessões do corpo estão ausentes, e sonho pela minha pátria, pelo mundo inteiro, pela nossa Terra, pelo amor e pela liberdade.

Venho muitas vezes para vos ver e ouvir. Gosto dos vossos trabalhos e deles participo com todo o meu ser. Desejo-vos perfeitos e satisfeitos no futuro. Que sejais felizes, como eu o desejo. Mas não o sereis completamente se não vos despojardes da roupa velha que há muito veste o mundo inteiro: refiro-me ao egoísmo. Estudai o passado, a história do vosso país e aprendereis mais com o sofrimento dos vossos irmãos que com qualquer outra ciência.

Viver é saber, é amar, é auxiliar-se mutuamente. Ide, pois, e fazei segundo o vosso Espírito. Deus está presente e vos vê e julga.


Barbaret.



[1] N. do T.: Assim se chamava Lyon, terra natal de Allan Kardec, fundada pelos romanos em 43 a.C. [Colonia Copia Claudia Augusta Lugdunum (atual: Lyon, França) foi uma importante cidade romana na Gália. A cidade foi fundada em 43 a.C. por Lucius Munatius Planco. Ela serviu como capital da província romana da Gallia Lugdunensis. Por 300 anos após sua fundação, Lugdunum foi a cidade mais importante do Noroeste da Europa. — Fonte:  † ]


[2] [v. Lamennais.]


Abrir