O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano V — Julho de 1862.

(Idioma francês)

Hereditariedade moral.

(Sumário)


1. — Um dos nossos assinantes nos escreve de Wiesbaden:  † 

“Senhor, eu estudo cuidadosamente o Espiritismo em todos os vossos livros e, apesar da clareza que deles emanam, dois pontos importantes não me parecem bastante explicados aos olhos de certas pessoas, a saber: 1º as faculdades hereditárias; 2º os sonhos.

“De fato, como conciliar o sistema da anterioridade da alma com a existência das faculdades hereditárias? Entretanto elas existem, embora não de maneira absoluta. Diariamente elas nos chocam na vida privada; e também vemos, numa ordem mais elevada, os talentos sucedendo aos talentos, a inteligência à inteligência. O filho de Racine foi poeta; Alexandre Dumas tem como filho um autor ilustre; na arte dramática vemos a tradição de talentos numa mesma família e na arte da guerra uma raça, tal a dos duques de Brunswick,  †  por exemplo, que forneceu uma série de heróis. A inépcia, o vício, o próprio crime também conservam sua tradição. Eugène Sue cita famílias onde várias gerações passaram sucessivamente pelo homicídio e pela guilhotina. A criação da alma por indivíduos explicaria ainda menos essas dificuldades, bem o compreendo, mas é preciso confessar que ambas as doutrinas se prestam aos golpes dos materialistas, que não vêm em todas as faculdades senão uma concentração de forças nervosas.

“Quanto aos sonhos, a doutrina espírita não concilia bem o sistema das peregrinações da alma durante o sono com a opinião vulgar que o torna simples reflexo das impressões percebidas durante a vigília. Esta última opinião poderia parecer a verdadeira explicação dos sonhos, ao passo que a peregrinação seria apenas um caso excepcional. (Seguem-se alguns exemplos em apoio).

“Que fique bem claro, senhor presidente, que aqui não pretendo fazer nenhuma objeção em meu nome pessoal; entretanto, pareceu-me útil que a Revista Espírita se ocupasse dessas questões, ainda que fosse para fornecer os meios de responder aos incrédulos. Quanto a mim, sou crente e apenas busco a minha instrução.”


2. — A questão dos sonhos será examinada posteriormente, em artigo especial [v. Teoria dos sonhos]. Hoje só nos ocuparemos da hereditariedade moral, deixando que dela tratem os Espíritos e nos limitando a algumas observações preliminares.

Diga-se o que se disser a respeito, os materialistas não ficarão mais convencidos, porque, não admitindo o princípio, não lhe podem admitir as consequências. Antes de tudo seria necessário que se tornassem espiritualistas. Ora, não é por essa questão que se deve começar. Assim, não nos ocuparemos de suas objeções.

Tomando por ponto de partida a existência de um princípio inteligente fora da matéria, em outras palavras, a existência da alma, a questão é saber se as almas procedem das almas, ou se são independentes. Cremos já haver demonstrado, em nosso artigo sobre Os Espíritos e a linhagem, publicado no mês de março último, a impossibilidade da criação de alma por alma. Efetivamente, se a alma da criança fosse uma parte da do pai, deveria sempre ter as suas qualidades e imperfeições, em virtude do axioma: a parte é da mesma natureza que o todo. Ora, a experiência prova todos os dias o contrário. É verdade que citam exemplos de similitudes morais e intelectuais que parecem devidos à hereditariedade, sendo forçoso concluir que tivesse havido uma transmissão. Mas, então, porque essa transmissão nem sempre ocorre? Por que vemos, diariamente, pais essencialmente bons ter filhos instintivamente viciosos e vice-versa? Desde que é impossível fazer da hereditariedade moral uma regra geral, trata-se de explicar, com o sistema da recíproca independência das almas, a causa das similitudes. Isto poderia ser no máximo uma dificuldade, mas em nada comprometeria a doutrina da anterioridade da alma e a da pluralidade das existências, considerando-se que esta doutrina está provada por centenas de fatos concludentes, contra os quais é impossível levantar objeções sérias. Deixemos falar os Espíritos que houveram por bem tratar da questão. Eis as duas comunicações que a respeito obtivemos.


3. (Sociedade Espírita de Paris,  †  23 de maio de 1862 – Médium: Sr. d’Ambel.)


Já foi dito muitas vezes que não havia necessidade de erguer um sistema sobre simples aparências; e é dessa natureza o sistema que deduz das semelhanças familiares uma teoria contrária àquela que vos demos, da existência das almas, anteriormente à sua encarnação terrestre. É positivo que muitas vezes estas [almas] jamais tiveram relações diretas com os meios, com as famílias nas quais se reencarnam. Já vos repetimos muitas vezes que as semelhanças corporais são devidas a uma questão material e fisiológica absolutamente independentes da ação espiritual, e que as aptidões e gostos semelhantes resultam, não da procriação da alma por outra já nascida, mas porque os Espíritos semelhantes se atraem. Daí as famílias de heróis ou as raças de salteadores. Admiti, pois, em princípio, que os bons Espíritos escolhem de preferência para sua nova etapa terrestre o meio onde o terreno já esteja preparado, a família de Espíritos adiantados, onde têm certeza de encontrar os materiais necessários ao seu progresso futuro; admiti, igualmente, que os Espíritos atrasados, ainda inclinados aos vícios e aos apetites animais, fujam dos grupos elevados, das famílias moralizadas e, ao contrário, se encarnem onde esperam encontrar os meios de satisfazerem às paixões que ainda os dominam. Assim, pois, em tese, as semelhanças espirituais decorrem do fato de que os semelhantes atraem os semelhantes, ao passo que as semelhanças corpóreas são devidas à procriação. Agora é preciso acrescentar isto: muitas vezes nascem em famílias, dignas em todos os sentidos do respeito de seus concidadãos, indivíduos viciosos e maus, que aí são enviados para servirem de pedra de toque daquelas. Por vezes, ainda, eles vêm por conta própria, na esperança de saírem da situação difícil em que até então se demoravam, para se aperfeiçoarem sob a influência desses meios virtuosos e moralizados. Sucede o mesmo com Espíritos já adiantados moralmente que, a exemplo dessa jovem de Saint-Étienne,  †  de que se falou ano passado, se reencarnam em famílias obscuras, entre Espíritos atrasados, a fim de lhes mostrar o caminho que conduz ao progresso. Tenho certeza de que não esquecestes o anjo de asas brancas em que ela pareceu transfigurar-se aos olhos dos que a tinham amado na Terra, quando estes, por sua vez, retornaram ao mundo dos Espíritos. (Revista Espírita de junho de 1861. – Médium: Sra. Gourdon.)


Erasto. n


4. (Outra; mesma sessão. – Médium: Sra. Costel.)


Venho explicar-vos a importante questão da hereditariedade das virtudes e dos vícios na raça humana. Essa transmissão faz que vacilem aqueles que não compreendem a imensidade do dogma revelado pelo Espiritismo. Os mundos intermediários são habitados por Espíritos que esperam a prova da reencarnação ou a ela se preparam novamente, conforme o seu grau de adiantamento. Nesses centros de formação da vida eterna, os Espíritos são agrupados e divididos em grandes tribos, uns à frente, outros a reboque do progresso, e cada um escolhe, entre os grupos humanos, aqueles que correspondem simpaticamente às suas faculdades adquiridas, as quais progridem e não podem retrogradar.

O Espírito que se reencarna escolhe o pai, cujo exemplo o fará avançar na senda preferida, de modo a refletir, elevando-os ou enfraquecendo-os, os talentos daquele que lhe deu a vida corporal. Em ambos os casos, a união simpática já existe anteriormente ao nascimento e a seguir é desenvolvida nas relações de família, pela imitação e pelo hábito.

Depois da hereditariedade familiar, meus amigos, quero vos revelar a origem da discordância que separa os indivíduos de uma mesma raça, repentinamente ilustrada ou desonrada por um de seus membros tornado estranho ao meio. O bruto vicioso que se encarnou num centro elevado e o Espírito luminoso que se reencarna entre seres grosseiros, obedecem à misteriosa harmonia que aproxima as partes divididas de um todo e faz a concordância entre o infinitamente pequeno com a suprema grandeza. O Espírito culpado, apoiado nas virtudes adquiridas de seu procriador terreno, espera fortificar-se por elas e, se ainda sucumbe na prova, adquire pelo exemplo o conhecimento do bem, retornando à erraticidade menos carregado de ignorância e mais bem preparado para sustentar uma nova luta.

Os Espíritos adiantados entreveem a glória de Jesus, tomados pelo desejo ardente de esgotar o cálice da caridade. Como ele, também, querem guiar a Humanidade para o objetivo sagrado do progresso, renascendo nas baixas camadas sociais, onde lutam, acorrentados uns aos outros, contra a ignorância e o vício, dos quais são, sucessivamente, os vencedores e os mártires.

Caso esta resposta não satisfaça a todas as vossas dúvidas, interrogai-me, meus amigos.


São Luís. n



[1] [v. Erasto.]


[2] [v. São Luís.]


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