O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano V — Dezembro de 1862.

(Idioma francês)

Charles Fourier, Louis Jourdan e a reencarnação.

(Sumário)


1. — Extraímos a passagem seguinte de uma carta, que um amigo do autor teve a gentileza de nos enviar.

“Imagina qual não foi a minha surpresa quando, na Doutrina Espírita, da qual não fazia a menor ideia, reconheci toda a teoria de Fourier sobre a alma, a vida futura, a missão do homem na vida atual e a reencarnação das almas. Julga tu mesmo. Eis, em resumo, a teoria de Fourier:

“O homem está ligado ao planeta; vive sua vida e não a deixa nem mesmo morrendo.

“Tem duas existências: a vida atual, que Fourier compara ao sono, e a vida que chama aromal, outra vida, numa palavra, que é o despertar. Sua alma passa alternadamente de uma vida a outra e volta periodicamente a se reencarnar na vida atual.

“Na vida atual a alma não tem o sentimento de suas vidas anteriores, mas o tem na vida aromal e vê todas as suas existências pretéritas.

“As penas na vida aromal são os temores que as almas experimentam, quando reencarnam, de serem condenadas a animar o corpo de um infeliz; porque, diz Fourier, veem-se diariamente pessoas implorando caridade à porta dos castelos, dos quais foram proprietárias em suas vidas anteriores. E acrescenta: “Se os homens estivessem bem convencidos da verdade que trago ao mundo, cada um se esforçaria por trabalhar pela felicidade de todos.”

“Por esse breve extrato, caro amigo, podes ver o quanto a doutrina de Fourier e o Espiritismo se assemelham, e que, sendo falansteriano, n não era difícil fazer de mim um adepto da Doutrina Espírita.”


2. — É impossível ser mais explicito sobre o capítulo da reencarnação. Não é apenas uma ideia vaga de existências sucessivas, através de diferentes mundos: é neste que o homem renasce para se depurar e expiar. Tudo aí esta: alternativas da vida espiritual, que chama aromal, e da vida corpórea; nesta, esquecimento momentâneo das existências anteriores e lembrança do passado durante a primeira; expiação pelas vicissitudes da vida. Seu quadro dos infelizes, vindo mendigar à porta dos castelos, de que foram donos em existências precedentes, parece calcado nas revelações dos Espíritos. Por que, então, os que hoje tanto se obstinam contra a doutrina da reencarnação, nada disseram quando Fourier dela fez uma das pedras angulares de sua teoria? É que, naquela ocasião, ela lhes parecia confinada nos falanstérios, ao passo que hoje corre o mundo, além de outras razões, facilmente compreensíveis, não havendo necessidade de as desenvolver.


3. — Aliás, ele não foi o único a ter a intuição desta lei da Natureza. O germe dessa ideia é encontrado numa multidão de escritores modernos. O Sr. Louis Jourdan, redator do Siècle, formulou-a de modo inequívoco no seu encantador opúsculo Prières de Ludovic, publicado pela primeira vez em 1849, por conseguinte, antes que se cogitasse do Espiritismo. Sabe-se que esse livro não é obra de ficção, mas de convicção. Entre outras coisas, nele se lê o seguinte:

“Para mim, confesso, creio firmemente, apaixonadamente, como se cria nas épocas primitivas, que cada um de nós prepara hoje a sua transformação futura, do mesmo modo que nossa existência atual é produto de existências anteriores.” O livro é inteiramente calcado nesse elemento.


4. — Agora encaremos a questão de outro ponto de vista, para responder a uma interrogação que a respeito nos foi feita várias vezes.

Algumas pessoas se opõem à doutrina da reencarnação porque contraria os dogmas da Igreja, daí concluindo que não deve existir. O que lhes podemos responder?

A resposta é muito simples. A reencarnação não é um sistema que dependa dos homens adotar ou rejeitar, como se faz com um sistema político, econômico ou social. Se existe, é que está na Natureza; é uma lei inerente à Humanidade, como beber, comer e dormir; uma alternativa da vida da alma, como a vigília e o sono são alternativas da vida do corpo. Se for uma lei da Natureza, não será uma opinião favorável que a fará prevalecer, nem uma opinião contrária que a invalidará. A Terra não gira em torno do Sol porque se crê que ela o faça, mas porque obedece a uma lei; e os anátemas lançados contra esta lei não impediram que a Terra girasse. Dá-se o mesmo com a reencarnação; não será a opinião de alguns homens que os impedirá de renascerem, se tiverem de renascer. Admitindo que a reencarnação é uma lei da Natureza, suponhamos que ela não possa conciliar-se com um dogma; trata-se de saber quem tem razão, se o dogma ou a lei. Ora, quem é o autor de uma lei da Natureza, senão Deus? No caso direi que não é a lei que contraria o dogma, mas o dogma que contraria a lei, levando-se em conta que qualquer lei da Natureza é anterior ao dogma e os homens renasciam antes que o dogma fosse estabelecido. Se houvesse incompatibilidade absoluta entre um dogma e uma lei da Natureza, isto seria prova de que o dogma é obra dos homens, que não conheciam a lei, porquanto Deus não se pode contradizer, desfazendo de um lado aquilo que fez do outro. Sustentar essa incompatibilidade é, pois, fazer o processo do dogma. Segue-se que o dogma é falso? Não, mas simplesmente pode ser susceptível de uma interpretação, como interpretaram a Gênese quando se reconheceu que os seis dias da criação não se conciliavam com a lei da formação do globo. A religião ganhará com isso, pois encontrará menos incrédulos.

A questão é saber se existe ou não a lei da reencarnação. Para os espíritas há milhares de provas contra uma que é inútil repetir aqui. Direi apenas que o Espiritismo demonstra que a pluralidade das existências não só é possível, mas necessária, indispensável; e ele encontra a sua prova, abstração feita à revelação dos Espíritos, numa inumerável multidão de fenômenos de ordem moral, psicológica e antropológica. Tais fenômenos são efeitos que têm uma causa. Buscando-se a causa, nós a encontramos na reencarnação, posta em evidência pela observação daqueles fenômenos, como a presença do Sol, embora oculto pelas nuvens, é posta em evidência pela luz do dia. Para provar que a lei está errada, ou que não existe, seria preciso explicar melhor, por outros meios, tudo o que ela explica, o que ninguém ainda fez.

Antes da descoberta das propriedades da eletricidade, aquele que tivesse anunciado que, em cinco minutos, poderia corresponder-se a quinhentas léguas, não teriam faltado especialistas que lhe provassem cientificamente, pelas leis da mecânica, que a coisa era materialmente impossível, pois não conheciam outras leis. Para tanto havia necessidade da revelação de uma nova força. Foi assim com a reencarnação. É uma nova lei, que vem projetar luz sobre uma imensidão de questões obscuras e modificará profundamente todas as ideias quando for conhecida.

Assim, não é a opinião de alguns homens que prova a existência dessa lei: são os fatos. Se invocamos o seu testemunho, é para demonstrar que ela havia sido entrevista e suspeitada por outros antes do Espiritismo, que não é o seu inventor, mas que a desenvolveu e lhe deduziu as consequências.



[1] Falansteriano: Que habita o falanstério,  †  cidade para habitação da comuna societária; ou ainda, o sectário do sistema do sociólogo e filósofo francês Charles Fourier (1792-1837).


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