Tal é o título de um artigo erudito e profundo, assinado por Jalabert, publicado sob a epígrafe de Mens agitat molem [Mente que agita a massa], pelo Écho de Sétif, um dos jornais mais acreditados da Argélia. Lamentamos que sua extensão não nos permita transcrevê-lo na íntegra, considerando-se que a interrupção prejudicaria o encadeamento dos argumentos pelos quais chega o autor, numa imensa sorites, n da criação do corpo e do Espírito por Deus, à ação do Espírito sobre a matéria, depois à possibilidade das comunicações entre o Espírito livre e o encarnado. Suas deduções são tão lógicas que, a menos que se negue Deus e a alma, não se pode deixar de dizer: Não pode ser de outro modo. Só citaremos alguns trechos, principalmente a conclusão.
Quando Fulton expôs a Napoleão I seu sistema de aplicação do vapor à navegação, afirmou e prometeu provar que, sendo seu sistema verdadeiro em teoria, não o seria menos na prática.
Que lhe respondeu Napoleão? — Que em teoria sua ideia não era realizável e não a aceitava a priori, desconsiderando as experiências já feitas pelo imortal mecânico, inclusive aquelas que pediu que ele fizesse e fez. O grande Imperador não mais pensou em Fulton e no seu sistema, até o dia em que o primeiro navio a vapor lhe apareceu no horizonte de Santa Helena.
Coisa singular, sobretudo num século de observações físicas, de ciências materiais e de positivismo. Mais uma vez, só por ser extraordinário, inaudito e novo, o fato, se assim se pode dizer, foi descartado por uma simples exceção de direito.
É assim que, para não falar senão das manifestações de Espíritos, que lembram a expressão do Espiritismo, ouvimos homens, aliás, sérios e instruídos, despejarem impropérios depois do relato consciencioso de certas manifestações vistas ou atestadas por homens inteligentes, convictos e de boa-fé. Deixai, pois, o vosso Espiritismo, as vossas manifestações e os vossos médiuns! O que contais é impossível!
Impossível! Muito bem, seja! Mas de graça, ó gênios transcendentes! Permiti vos lembre o dito célebre de um Antigo e, antes de nos ferir com o vosso supremo desdém, escutai-nos.
Lede estas linhas por inteiro, séria e atentamente; e, depois, com a mão na consciência e a sinceridade nos lábios, ousai, ousai negar a possibilidade, a racionalidade do Espiritismo!
Dizeis: Não compreendo este mistério! — Mas para nós, como para vós, o movimento material produzido pelo movimento espiritual, a matéria agitada pelo pensamento, o corpo movido pelo Espírito, é o incompreensível! Mas o incompreensível não é o impossível. Negai esta ação, negai esta influência, negai esta comunicação! Nada de criação, nada de encarnação, nada de redenção, nada de distinção entre a alma e o corpo, nada de diversidade na unidade; nada de Deus, nada de corpo, nada de Espírito, nada de religião, nada de razão! O caos! o caos ainda e sempre ou, o que é pior, o panteísmo ou o niilismo.
Resumamos. Filosoficamente, fisiologicamente, religiosamente, o Espiritismo nem é irracional, nem absurdo.
Por conseguinte, é possível.
O homem age — sobre si mesmo por seu verbo interior ou sua vontade e por seus sentidos — sobre seus semelhantes, por seu verbo exterior ou sua palavra e, ainda, pelos sentidos. Por que, então, somente com seu verbo interior não se comunicaria com Deus, com os anjos e com os Espíritos, numa palavra, com qualquer outro ser incorpóreo por natureza, ou acidentalmente não corporificado, desprendido dos sentidos?
O Espírito é uma força que atua sobre a. matéria, isto é, sobre um ser que com ele nada tem de comum, inerte, desprovido de inteligência. Entretanto, existem relações do Criador à criação, do anjo ao homem, como da alma do homem ao corpo do homem e, por ele, ao mundo exterior.
Todavia, o que é que impediria uma ação, uma comunicação recíproca de Espírito a Espírito? Se o Espírito se comunica com seres de natureza oposta à sua, seria inconcebível que não se pudesse comunicar com outros de idêntica natureza.
De onde viria o obstáculo? — Da distância? Mas, entre Espíritos, não existe distância. “O ar está cheio deles,” disse São Paulo, para nos fazer compreender que, de certo modo, eles gozam da ubiquidade divina. — De uma diferença hierárquica? Mas a hierarquia não importa: desde que são Espíritos, e assim o reclama a sua natureza, agem e se comunicam entre si. — De sua estada momentânea nos laços corporais? Mas, neste caso, salvo a diferença dos meios de comunicação, nem por isso deixa esta de ocorrer. Meu Espírito se comunica com o vosso e, como o meu, vosso Espírito habita um corpo. Com mais forte razão comunicar-se-á com um Espírito livre ou liberto da matéria, quer se trate de um Espírito de anjo, quer da alma do homem.
Há mais! Longe de qualquer impedimento, tudo, ao contrário, favorece tal comunicação; “Deus é amor” e tudo quanto tem algo de divino participa do amor. Mas o amor vive de comunicações, de comunhões. Porque ama o homem, Deus se comunica com ele: no Éden, pela palavra; no Sinai, pela escrita; no estábulo de Belém e no Calvário por seu Verbo encarnado; e no altar, por seu Verbo transubstanciado no pão e no vinho eucarísticos. † n
Tenhamos, pois, como certo, que as comunicações de alma a alma, de Espírito a Espírito são ainda mais possíveis que as de Espírito à matéria.
Agora, qual será o instrumento, o meio de comunicação dos seres entre si?
Entre seres corpóreos, tal comunicação se opera pelo movimento, que é como que o verbo do corpo; entre os seres puramente espirituais, pelo pensamento ou pela palavra interior, que é como que o movimento dos Espíritos; entre os seres ao mesmo tempo espirituais e corpóreos, por esse mesmo pensamento revestido de um sinal ao mesmo tempo corporal e espiritual, pela palavra exterior; entre um ser espiritual e corpóreo, de um lado, e um ser simplesmente espiritual, do outro, via de regra pela palavra interior, manifestando-se exteriormente por um sinal material.
E qual será este sinal? — Todo objeto material que, num dado momento, se desloca com movimento antecipadamente convencionado, sob a única influência, direta ou indireta, da vontade ou da palavra interior do Espírito com o qual desejamos entrar em comunicação.
Recomendamos este artigo ao Sr. Tony, de Rochefort. Eis um de seus confrades, que diz exatamente o contrário; um diz branco, o outro diz preto. Quem tem razão? Há entre ambos uma diferença: um sabe, o outro não sabe. Deixamos ao leitor o cuidado de pesar as duas lógicas.
O mesmo jornal publicou vários artigos sobre o assunto, de outros escritores que, como este, têm o cunho de profunda observação e de estudo sério. Deles tornaremos a falar mais tarde.
[1] Sorites: Raciocínio composto de um número indeterminado de proposições, dispostas de modo que o atributo da primeira se torna em sujeito da segunda, o atributo da segunda sujeito da terceira e assim por diante até à conclusão que toma por sujeito o sujeito da primeira e por atributo o da última.
[2] N. do T.: A última afirmativa reflete o pensamento católico sobre a eucaristia, de que o autor, provavelmente, ainda se achava impregnado.