Encontramos a carta seguinte no jornal de Saint Jean-d’Angely, † de 15 de junho de 1862:
“Ao Sr. Pierre de L…, redator substituto do jornal Le Mellois.
“Numa carta dirigida ao Mellois de 8 de junho último, lançais um desafio ao que chamais a pequena igreja de Saint Jean-d’Angely. † Ofendido por ter sido repelido pelo Sr. Borreau, que não vos quis receber, voltai-vos contra seu colega em Espiritismo, a fim de o interrogar. Sem ser o médium notável que designais sob uma transparente inicial, tomo a liberdade de vos apresentar algumas observações.
“Qual teria sido o vosso objetivo ao lançar um desafio, primeiro ao Sr. Borreau, depois aos espíritas de Saint Jean-d’Angely, para que evocassem a alma de Jacques Bujault? n Uma brincadeira para pôr fim à guerra civil e intestina que parece querer ensanguentar os campos férteis do Poitou? † Se assim é, penso que deveis compreender que a dignidade das pessoas sérias e conscienciosas, que acreditam firmemente nas teorias estabelecidas sobre os fenômenos, cuja certeza reconheceram, lhes impõe não se associem ao vosso jogo. Como os cépticos, tendes liberdade, certamente, de rir dessas teorias. Como sabeis, senhor, na França riem de tudo. No entanto, por melhor que fosse a vossa brincadeira, ela não é nova e, entre outros, certo cronista do jornal ao qual dirijo a presente, já se havia servido dela em seu começo.
“Se levantastes a questão com seriedade, permiti dizer-vos que não seguistes o caminho adequado para atingir o objetivo. Não seriam os sarcasmos contidos no vosso primeiro artigo que iriam persuadir o Sr. Borreau de vossa sinceridade. Era-lhe perfeitamente.licito duvidar e não vos permitir que discutísseis a evocação do prior que conheceis, como se fora mero esboço espiritual. Do mesmo modo, não são as vossas observações satíricas sobre a completa inutilidade do Espiritismo e sobre as dissidências que dividem os seus adeptos que irão convencer o Sr. C… da boa-fé com a qual reclamais suas luzes. Se, pois, realmente tendes a intenção de resolver esse problema, eis, em minha opinião, o meio mais rápido e mais conveniente: Vinde ao cenáculo e aí, despojado de qualquer ideia preconcebida, fazendo tábua rasa de todas as prevenções anteriores, examinai friamente os fenômenos que se produzirão em vossa presença e os submetei ao critério da certeza. Que, se uma ou duas vezes temeis ser vítima de alucinações, repeti as vossas experiências. Como o Cristo a Tomé, ( † ) o Espiritismo vos dirá:
Vide pedes, vide manus,
noli esse incredulus. ( † )
“E se tais experiências levam sempre ao mesmo resultado, conforme todas as regras da lógica, devereis ter confiança no testemunho dos vossos sentidos, a menos que estejais reduzido ao mais completo cepticismo, no que não posso crer.
“Se, ao contrário, como vaticinei acima, vossos artigos não passavam
de um jogo para divertir o conflito local suscitado pelo voto malfadado
da Sociedade de Agricultura de Niort, †
continuai vossas agradáveis brincadeiras, assaltos brilhantes que nós,
espectadores desinteressados, muito admiramos. Apenas permitireis aos
espíritas que conservem a sua fé. Com efeito, nem sempre a zombaria
tem razão; o aforismo: o ridículo mata, [v. O
poder do ridículo,] não é de uma exatidão a toda prova, e poderíamos
dizer a essa arma tão cruel, sobretudo entre nós, o que foi dito a uma
personagem da comédia:
“Todos os que matais passam muito bem.”
“Riram de todas as grandes coisas, trataram-nas como loucura, o que não as impediu se realizassem. Riram da existência de um outro mundo, e a América foi descoberta; riram do vapor e estamos no século das estradas de ferro; riram dos barcos a vapor n de Fulton, seu inventor, que agora navegam em nossos mares e rios; riram — inclinai-vos senhor — riram do Cristo e sua sublime loucura, a loucura da cruz, conquistou e subjugou o Universo. Assim, se no momento o Espiritismo está na berlinda, exposto aos epigramas dos discípulos de Voltaire, assume sua posição e segue o seu caminho; o futuro o julgará. Se este sistema está baseado na verdade, nem pilhérias, nem paixões prevalecerão contra ele; se não passa de um erro – erro muito generoso, é bom confessar – em nosso século de materialismo ele irá encontrar no nada as mil e uma aberrações do espírito que, sob nomes diversos e extravagantes, desviaram a Humanidade.
“Recebei, senhor, a expressão de minhas atenciosas saudações.
Um adepto.”
Observação. – Não é a primeira vez que um adepto aceita o desafio lançado contra o Espiritismo pelos zombadores, e mais de um, entre estes últimos, puderam convencer-se de que se defrontavam com uma parte mais forte e mais numerosa do que imaginavam. Assim, muitos agora compreendem que é mais prudente calar-se. E, depois, é preciso dizer que as ideias espíritas penetraram até mesmo o campo dos adversários, onde começam a sentir-se ultrapassados e, então, esperam. Hoje o Espiritismo já não é professado em segredo; as pessoas se dizem espíritas abertamente, como se confessam francesas ou inglesas, católicas, judias ou protestantes, partidárias desta ou daquela filosofia. Todo receio pueril foi banido. Que, pois, todos os espíritas tenham a coragem de suas opiniões, que é o meio de calar a boca dos detratores e levá-los à reflexão.
O Espiritismo cresce incessantemente como uma vaga que sobe e circunscreve a ilhota, inicialmente muito grande, mas que alguns dias mais tarde estará reduzida a um ponto. Que farão os negadores quando se virem sobre esse ilhéu, cada dia mais reduzido pelo oceano das ideias novas? Vemos crescer a onda que nos transporta. Eis por que não nos inquietamos. Um dia, porém, os que estiverem na ilhota, apavorados pelo isolamento, estenderão os braços e nos rogarão socorro.
[1]
Jacques Bujault, nasceu em Forêt-sur-Sèvre, †
perto de Bressuire †
em 1º de janeiro de 1771, e falece em 22 de dezembro de 1842. De início
foi advogado, atuou em algumas funções administrativas e, em seguida
afastou-se dessas funções dedicando-se inteiramente aos cuidados da
agricultura. —
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[2] N. do T.: Pyroscaphes † no original: primeiro nome dado aos barcos a vapor.