O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano V — Abril de 1862.

(Idioma francês)

DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS.


Os mártires do Espiritismo.

(Sumário)


1. — A respeito da questão dos milagres do Espiritismo, que nos tinha sido proposta e que foi tratada em nosso último número [O Espiritismo é provado por milagres?], também nos propuseram esta pergunta: “Os mártires selaram com o próprio sangue a verdade do Cristianismo. Onde estão os mártires do Espiritismo?”

Tendes, pois, muita pressa em ver os espíritas na fogueira e atirados às feras, o que leva a supor que boa vontade não vos faltaria se isto ainda pudesse acontecer. Quereis, a todo custo, promover o Espiritismo à categoria de uma religião! Notai que ele jamais teve essa pretensão; nunca se colocou como rival do Cristianismo, do qual declara ser filho; que combate seus mais cruéis inimigos: o ateísmo e o materialismo. Ainda uma vez, é uma filosofia que repousa sobre as bases fundamentais de toda religião e na moral do Cristo; se renegasse o Cristianismo, ele se desmentiria e se suicidaria. São seus inimigos que o apresentam como uma nova seita, que lhe deram sacerdotes e sumo-sacerdotes. De tanto gritarem que é uma religião, as pessoas acabarão por crer. É preciso ser uma religião para possuir seus.mártires? A Ciência, as artes, o gênio, o trabalho e as ideias novas não tiveram, em todas as épocas, os seus mártires?

Não ajudam a fazer mártires os que apontam os espíritas como reprovados, como párias de quem se deve fugir ao contato? os que sublevam contra eles a populaça ignorante a ponto de lhes tirar os meios de subsistência, esperando vencê-los pela fome, em falta de boas razões? Bela vitória se o conseguissem! Mas a semente está lançada e germina em toda parte; se for abafada num ponto, crescerá em cem outros. Tentai, pois, ceifar a terra inteira!

Deixemos, porém, que falem os Espíritos encarregados de responder à questão.


I.


2. — Pedistes milagres e hoje pedis mártires! Já existem os mártires do Espiritismo: entrai nas casas e os vereis. Exigis perseguidos: abri, pois, o coração desses fervorosos adeptos da ideia nova, que lutam contra os preconceitos, com o mundo, muitas vezes até com a família! Como seus corações sangram e se enchem quando seus braços se estendem para abraçar um pai, uma mãe, um irmão ou uma esposa e não recebem, como paga de suas carícias e de seus transportes, senão sarcasmos, sorrisos de desdém e desprezo! Os mártires do Espiritismo são os que, a cada passo, ouvem estas palavras insultuosas: louco, insensato, visionário!… e durante muito tempo terão de suportar essas afrontas da incredulidade e outros sofrimentos ainda mais amargos; mas a sua recompensa será bela, porque se o Cristo mandou preparar um lugar soberbo para os mártires do Cristianismo, o que prepara aos mártires do Espiritismo será ainda mais brilhante. Mártires do Cristianismo na infância, marchavam para o suplício com coragem e resignação, porque não contavam sofrer senão dias, horas e segundos do martírio, aspirando depois a morte como única barreira a transpor para viver a vida celeste. Os mártires do Espiritismo não devem buscar nem desejar a morte; devem sofrer tanto tempo quanto praza a Deus deixá-los na Terra, e não ousam julgar-se dignos dos puros gozos celestes logo que deixam a vida. Oram e esperam, murmurando palavras de paz, de amor e de perdão aos que os torturam, enquanto aguardam novas encarnações nas quais poderão resgatar suas faltas passadas.

O Espiritismo se elevará como um templo soberbo. No começo os degraus serão difíceis de subir; mas, transpostos os primeiros degraus, os bons Espíritos ajudarão a vencer os outros até um lugar plano e reto que conduz a Deus.

Ide, ide, filhos, pregar o Espiritismo! Pedem mártires: vós sois os primeiros que o Senhor marcou, pois sois apontados a dedo e tratados como loucos e insensatos, por causa da verdade! Mas, eu vo-lo digo, em breve vai chegar a hora da luz; então, não mais haverá perseguidores nem perseguidos: sereis todos irmãos e o mesmo banquete reunirá opressores e oprimidos!


Santo Agostinho. n

(Médium: Sr. E. Vézy.)       


II.


3. — O progresso do tempo substituiu as torturas físicas pelo martírio da concepção e do nascimento cerebral das ideias que, filhas do passado, serão as mães do futuro. Quando o Cristo veio destruir o costume bárbaro dos sacrifícios, quando veio proclamar a igualdade e a fraternidade entre a túnica proletária e a toga patrícia, os altares ainda vermelhos fumegavam o sangue das vítimas imoladas; os escravos tremiam ante os caprichos do senhor e os povos, ignorando sua grandeza, esqueciam a justiça de Deus. Nesse estado de rebaixamento moral, as palavras do Cristo teriam sido impotentes e desprezadas pela multidão, se não tivessem sido gritadas pelas suas chagas é tornadas sensíveis pela carne palpitante dos mártires. Para ser cumprida, a misteriosa lei das semelhanças exigia que o sangue derramado pela ideia resgatasse o sangue derramado pela brutalidade.

Hoje, os homens pacíficos ignoram as torturas físicas. Só o seu ser intelectual sofre, porque se debate, comprimido pelas tradições do passado, enquanto aspira novos horizontes. Quem poderá descrever as angústias da geração presente, suas dúvidas pungentes, suas incertezas, seus ardores impotentes e sua extrema lassidão? Inquietos pressentimentos dos mundos superiores, dores ignoradas pela antiguidade material, que só sofria quando não gozava; dores que são a tortura moderna e que transformam em mártires aqueles que, inspirados pela revelação espírita, crerão e não serão acreditados, falarão e serão censurados, marcharão e serão repelidos. Não desanimeis; vossos próprios inimigos vos preparam uma recompensa tanto mais bela quanto mais espinhos houverem semeado em vosso caminho.


Lázaro.

(Médium: Sra. Costel.)


III.


4. — Como bem dizeis, em todos os tempos a crença tem produzido mártires. Mas, também — é preciso que se diga – muitas vezes o fanatismo estava de ambos os lados e então, quase sempre, corria sangue. Hoje, graças aos moderadores das paixões, aos filósofos ou, antes, graças a essa filosofia que começou com os escritores do século dezoito, o fanatismo apagou o seu facho e embainhou a espada. Em nosso tempo é difícil imaginar a cimitarra de Maomé, a forca e a roda n da Idade Média, suas fogueiras e torturas de toda sorte, assim como não fazemos ideia das feiticeiras e dos magos. Outros tempos outros costumes, diz um sábio provérbio. Como vedes, a palavra costumes n tem aqui acepção muito ampla; conforme a sua etimologia latina, significa: hábitos, maneira de viver. Ora, em nosso século, nossa maneira de ser não é de cobrir-se com cilício, ir às catacumbas nem de subtrair suas preces aos procônsules e aos magistrados da cidade de Paris.  †  O Espiritismo, pois, não verá erguer-se o machado, nem a chama das fogueiras devorarem os seus adeptos. A gente se bate a golpes de ideias, a golpes de livros, a golpes de comentários, a golpes de ecletismo e a golpes de teologia, mas a noite de São Bartolomeu não mais se repetirá. [v. Os gritos da noite de São Bartolomeu.] Certamente poderá haver algumas vítimas nas nações atrasadas; contudo, somente a ideia será combatida e ridicularizada nos centros civilizados. Assim, pois, nada de machado, de feixe de varas, de óleo fervente; mas atentai para o espírito voltaireano mal compreendido: eis o carrasco. É preciso preveni-lo, mas não temê-lo: ele ri, em vez de ameaçar; lança o ridículo, em vez da blasfêmia e seus suplícios são as torturas do espírito que sucumbe à opressão do sarcasmo moderno. Mas, sem desagradar aos pequenos Voltaires de nossa época, a juventude compreenderá facilmente essas três palavras mágicas: liberdade, igualdade, fraternidade. Quanto aos sectários, estes são mais para temer, porque são sempre os mesmos, malgrado o tempo e apesar de tudo; podem fazer o mal algumas vezes, mas são incoerentes, fingidos, velhos e impertinentes. Ora, vós que passais pela fonte de Juventa,  †  e cuja alma remoça e se revigora, não os temais, porque o seu próprio fanatismo os perderá.


Lamennais. n

(Médium: Sr. A. Didier.)



[1] [v. Santo Agostinho.]


[2] N. do T.: Suplício que consistia em amarrar alguém numa espécie de cruz, quebrar-lhe os membros com uma clava e, em seguida, atar-lhe o corpo a uma roda, que era posta em movimento.


[3] N. do T.: Grifo nosso.


[4] [v. Lamennais.]


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