Senhoras e Senhores, todos vós, meus caros e bons irmãos no Espiritismo:
Se há circunstâncias em que se pode lamentar a insuficiência de nossa pobre linguagem humana, é sem dúvida quando se trata de exprimir certos sentimentos; tal é no momento a minha posição. O que experimento é, ao mesmo tempo, uma surpresa muito agradável, quando vejo o terreno imenso que a Doutrina Espírita conquistou entre vós no último ano, o que me faz admirar a Providência; uma alegria indizível à vista do bem que ela aqui produz, das consolações que espalha sobre tantas dores, ostensivas ou ocultas, podendo deduzir o futuro que a aguarda; é uma felicidade inexprimível encontrar-me em meio a esta família, que em pouco tempo se tornou tão numerosa e cresce a cada dia; é, enfim e acima de tudo, uma profunda e sincera gratidão pelos comoventes testemunhos de simpatia que recebo de vós todos.
Esta reunião tem um caráter particular. Graças a Deus, aqui somos todos muito bons espíritas, penso eu, para não vermos senão o prazer de nos acharmos juntos, e não o de nos encontrarmos à mesa. E, diga-se de passagem, creio mesmo que um festim de espíritas seria uma contradição. Presumo, também, que me convidando tão graciosamente e com tanto empenho para vir ao vosso meio, não imaginastes que a questão do banquete fosse para mim motivo de atração. Foi o que me apressei a escrever aos meus bons amigos Rey e Dijoud, quando se desculparam pela simplicidade da recepção. Ficai bem certos: o que mais me honra nesta circunstância, aquilo de que posso, com razão, estar orgulhoso, é a cordialidade e a sinceridade do acolhimento, o que raramente se encontra nas recepções aparatosas, pois aqui os rostos não estão mascarados.
Se uma coisa pudesse diminuir a felicidade que tenho de me achar entre vós, seria não poder ficar aqui senão por pouco tempo. Ter-me-ia sido muito agradável prolongar minha estada num dos centros mais numerosos e mais zelosos do Espiritismo; desde, porém, que desejastes receber algumas instruções, havereis de permitir que eu utilize todos os instantes, saia um pouco das banalidades muito comuns em semelhantes circunstâncias, e que minha alocução assuma certa gravidade, a mesma gravidade, aliás, do motivo que nos reúne. Certamente, se estivéssemos num jantar de bodas ou de batizado, seria inoportuno falar de almas, da morte e da vida futura; mas, repito, aqui estamos para nos instruir, e não para comer; em qualquer caso, jamais para nos divertirmos.
Não imagineis, senhores, que esta espontaneidade que vos levou a vos reunirdes aqui seja um fato puramente pessoal. Não duvideis de que esta reunião tem um caráter especial e providencial; uma vontade superior a provocou; mãos invisíveis vos impeliram, mau grado vosso, e talvez um dia ela seja assinalada nos fastos do Espiritismo. Possam os nossos irmãos do futuro lembrar este dia memorável, em que os espíritas lioneses, dando exemplo de união e concórdia, plantaram nesses ágapes a primeira baliza da aliança que deve reinar entre os espíritas de todos os países do mundo; porque o Espiritismo, restituindo ao Espírito o seu verdadeiro papel na Criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, faz com que desapareçam, naturalmente, todas as distinções estabelecidas entre os homens; conforme as vantagens corporais e mundanas, sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos de cor. Ampliando o círculo da família pela pluralidade das existências, o Espiritismo estabelece entre os homens uma fraternidade mais racional que aquela que não tem por base senão os frágeis laços da matéria, porquanto esses laços são perecíveis, ao passo que os do Espírito são eternos. Uma vez bem compreendidos, esses laços influirão, pela própria força das coisas, nas relações sociais e, mais tarde, na legislação social, que tomará por base as leis imutáveis do amor e da caridade. Ver-se-á então desaparecerem essas anomalias que chocam os homens de bom-senso, como as leis da Idade Média chocam os homens de hoje. Mas isto é obra do tempo. Deixemos a Deus o cuidado de fazer com que cada coisa venha a seu tempo; esperemos tudo de sua sabedoria e Lhe agradeçamos tão somente por nos haver permitido assistir à aurora que se levanta para a Humanidade e por nos ter escolhido como os pioneiros da grande obra que se prepara. Que Ele se digne de espargir a sua bênção sobre esta assembleia, a primeira em que os adeptos do Espiritismo estão reunidos em tão grande número, com o sentimento de verdadeira confraternidade.
Digo de verdadeira confraternidade porque tenho a íntima convicção de que todos vós, aqui presentes, não trazem outra. Mas não duvideis que numerosas coortes de Espíritos estejam entre nós; de que nos ouvem neste momento, espreitam todas as nossas ações e nos sondam os pensamentos, perscrutando sua força ou sua fraqueza moral. Os sentimentos que os animam são muito diversos; se uns estão felizes nesta união, crede que outros padecem de terrível inveja. Saindo daqui, vão tentar semear a discórdia e a desunião; cabe a vós, bons e sinceros espíritas, provar-lhes que perdem o tempo e se equivocam, julgando encontrar aqui corações acessíveis às suas pérfidas sugestões. Invocai, pois, com fervor a assistência dos vossos anjos da guarda, a fim de que afastem de vós todo pensamento que não seja para o bem. Ora, como o mal não pode ter sua fonte no bem, diz o simples bom-senso que todo pensamento mau não pode vir de um bom Espírito; e um pensamento é necessariamente mau quando contraria a lei de amor e de caridade; quando tem por móvel a inveja ou o ciúme, o orgulho ferido, ou mesmo uma pueril susceptibilidade do amor-próprio ultrajado, irmão gêmeo do orgulho, que levaria a olhar seus irmãos com desdém. Amor e caridade para com todos, diz o Espiritismo; Amarás o próximo como a ti mesmo, disse o Cristo; ( † ) não são sinônimos?
Meus amigos, eu vos felicitei pelos progressos que o Espiritismo fez entre vós, e não poderia me sentir mais feliz em constatá-lo. Felicitai-vos, por vosso lado, porque esse progresso é o mesmo em toda parte. Sim, este último ano viu o Espiritismo crescer em todos os países, numa proporção que ultrapassou todas as expectativas; está no ar, nas aspirações de todos, e por toda parte encontra ecos, bocas que repetem: Eis o que eu esperava, o que uma voz secreta me fazia pressentir. Mas o progresso se manifesta ainda sob uma nova fase: é a coragem de opinião, que há bem pouco ainda não existia. Só se falava do Espiritismo em segredo, de maneira disfarçada; hoje a gente se confessa espírita com tanta altivez quanto se confessa católico, judeu ou protestante. Afronta-se a zombaria, e tal ousadia se impõe aos gracejadores, os quais se comportam como esses cachorrinhos de madame: correm atrás dos que fogem, mas se acovardam quando perseguidos. A zombaria dá coragem aos tímidos e em muitas localidades revela numerosos espíritas que se desconheciam mutuamente. Tal movimento pode estacionar? Poderão detê-lo? Digo com toda clareza: Não! Para isto, lançaram mão de todos os meios: sarcasmos, deboches, ciência, anátemas; ele tudo superou, sem diminuir sua marcha um segundo. Cego, pois, quem nisto não visse o dedo de Deus. Poderão entravá-lo; detê-lo, jamais, porquanto, se não escapar pela direita, fugirá pela esquerda.
Vendo os benefícios morais que proporciona, as consolações que prodigaliza e os próprios crimes que já impediu, somos naturalmente levados a perguntar: quem poderia ter interesse em combatê-lo? Primeiramente tem contra si os incrédulos, que o ridicularizam: estes não são para temer, pois viram suas setas afiadas quebrar-se contra a própria couraça; Em segundo lugar os ignorantes, que o combatem sem conhecê-lo: constituem maioria; mas, combatida pela ignorância, a verdade jamais teve algo a temer, já que os ignorantes se refutam por si mesmos e sem o querer, conforme testemunho do Sr. Louis Figuier, na sua História do Maravilhoso. n A terceira categoria de adversários é mais perigosa, porque tenaz e pérfida; compõe-se de todos aqueles cujos interesses materiais podem ser contrariados; combatem na sombra, e os dardos envenenados da calúnia não lhes faltam. Eis os verdadeiros inimigos do Espiritismo, como em todos os tempos o têm sido de todas as ideias do progresso; são encontrados em todas as fileiras, em todas as classes da sociedade. Levarão a melhor? Não, desde que não é dado ao homem opor-se à marcha da Natureza e o Espiritismo está na ordem das coisas naturais. Mais cedo ou mais tarde terão de tomar-lhe o partido e aceitar o que for aceito por todos. Não! Não o vencerão: eles é que serão vencidos.
Um novo elemento vem juntar-se à legião dos espíritas: o das classes laboriosas. Notai nisto a sabedoria da Providência. O Espiritismo propagou-se primeiro nas classes esclarecidas, nas sumidades sociais. Tal era necessário: a princípio, para lhe dar mais crédito; depois, para que fosse elaborado e expurgado das ideias supersticiosas que a falta de instrução nele poderia introduzir, e com as quais o teriam confundido. Apenas constituído, se assim se pode falar de uma ciência tão nova, sensibilizou as classes operárias e entre elas se propaga com rapidez. Ah! é que nele há tantas consolações a dar, tanta coragem moral a levantar, tantas lágrimas a enxugar, tanta resignação a inspirar que foi acolhido como uma âncora de salvação, como um escudo contra as terríveis tentações da necessidade. Por toda parte onde o vi penetrar nas casas de trabalho, nelas percebi que ele havia produzido seus efeitos benfazejos e moralizadores. Regozijai-vos, pois, operários lioneses que me ouvis, porque tendes em outras cidades, como Sens, † Lille, † Bordeaux, † irmãos espíritas que, como vós, abjuraram as censuráveis esperanças da desordem e os criminosos desejos da vingança. Continuai, pelo exemplo, a provar os benéficos resultados desta doutrina. Aos que perguntarem para que pode ela servir, respondei: Em meu desespero eu queria me matar; o Espiritismo me deteve, porque agora sei o que custa abreviar voluntariamente as provas que Deus houve por bem mandar aos homens. Para me atordoar, embriagava-me; compreendi o quanto era desprezível por me tirar voluntariamente a razão, privando-me assim de ganhar o pão e o de meus filhos. Havia-me divorciado de todos os sentimentos religiosos: hoje rogo a Deus e deponho as esperanças na sua misericórdia. Só acreditava no nada, como supremo remédio para as minhas misérias; meu pai comunicou-se comigo e me disse: Filho, coragem! Deus te vê; mais um esforço e estarás salvo! Ajoelhei-me perante Deus e lhe pedi perdão. Vendo ricos e pobres, gente que tem tudo e outros que nada têm, acusava a Providência; hoje sei que Deus tudo pesa na balança da justiça e espero o seu julgamento; se estiver em seus decretos que eu deva sucumbir no sofrimento, então sucumbirei, mas com a consciência pura e sem levar o remorso de haver roubado um óbolo a quem me podia salvar a vida. Dizei-lhes: Eis para que serve o Espiritismo, esta loucura, esta quimera, como o chamais. Sim, meus amigos, continuai a pregar pelo exemplo; fazei com que entendam o Espiritismo com suas consequências salutares, pois quando for compreendido não mais se aterrorizarão; muito mais: será acolhido como garantia da ordem social, e os próprios incrédulos serão forçados a falar dele com mais respeito.
Falei dos progressos do Espiritismo. É que, com efeito, não há exemplo de uma doutrina, seja qual for, que tenha marchado com tanta rapidez, sem excetuar o próprio Cristianismo. Isto significa que lhe seja superior, que o deva suplantar? Não; mas é aqui o lugar de fixar o seu verdadeiro caráter, a fim de destruir uma prevenção por demais espalhada entre os que não o conhecem.
Em sua origem, o Cristianismo teve de lutar contra uma potência perigosa: o paganismo, então universalmente disseminado. Entre eles não havia nenhuma aliança possível, como não há entre a luz e as trevas; numa palavra, não poderia propagar-se senão destruindo o que havia. Assim, a luta foi longa e terrível, de que as perseguições são a prova. O Espiritismo, ao contrário, nada vem destruir, porque assenta suas bases no próprio Cristianismo; sobre o Evangelho, do qual não é mais que a aplicação. Concebeis a vantagem, não de sua superioridade, mas de sua posição. Não é, pois, como o pretendem alguns, quase sempre porque não o conhecem, uma religião nova, uma seita que se forma à custa das mais antigas; é uma doutrina puramente moral, que absolutamente não se ocupa dos dogmas e deixa a cada um inteira liberdade de suas crenças, pois não impõe nenhuma. E a prova disto é que tem aderentes em todas, entre os mais fervorosos católicos, como entre os protestantes, os judeus e os muçulmanos. O Espiritismo repousa sobre a possibilidade de comunicação com o mundo invisível, isto é, com as almas. Ora, como os judeus, os protestantes e os muçulmanos têm almas como nós, o que significa que podem comunicar-se tanto com eles quanto conosco, e que, conseguintemente, eles podem ser espíritas como nós.
Não é uma seita política, como não se trata de uma seita religiosa; é a constatação de um fato que não pertence mais a um partido do que a eletricidade e as estradas de ferro; é, insisto, uma doutrina moral, e a moral está em todas as religiões, em todos os partidos.
É boa ou má a moral que ensina? É subversiva? Eis toda a questão. Que o estudem e saberão em que ela se baseia. Ora, desde que é a moral do Evangelho desenvolvida e aplicada, condená-la seria condenar o Evangelho.
O Espiritismo tem feito o bem ou o mal? Estudai-o ainda, e vereis. Que tem feito? Tem impedido inumeráveis suicídios; restaurou a paz e a concórdia num grande número de famílias; tornou mansos e pacientes homens violentos e coléricos; deu resignação aos que não a tinham e consolações aos aflitos; reconduziu a Deus os que não O conheciam, destruindo-lhes as ideias materialistas, verdadeira chaga social que aniquila a responsabilidade moral do homem. Eis o que tem feito e faz todos os dias, o que fará cada vez mais, à medida que se espalhar. Será isto o resultado de uma doutrina má? Não sei de ninguém que tenha atacado a moral do Espiritismo; apenas dizem que a religião pode produzir tudo isso. Concordo perfeitamente; mas, então, porque não o produz sempre? É porque nem todos a compreendem. Ora, ao tornar claro e inteligível para todos aquilo que não o é, e evidente o que é duvidoso, o Espiritismo conduz à aplicação, ao passo que jamais se sente necessidade daquilo que se não compreende. O Espiritismo, portanto, longe de ser o antagonista da religião, é o seu auxiliar; e a prova é que conduz às ideias religiosas os que as haviam repelido. Em resumo, jamais o Espiritismo aconselhou a mudança de religião, nem o sacrifício de suas crenças; não pertence particularmente a nenhuma religião, ou, melhor dizendo, está em todas elas.
Por favor, senhores, algumas palavras ainda, sobre uma questão muito prática. O crescente número de espíritas em Lyon mostra a utilidade do conselho que vos dei o ano passado, relativamente à formação dos grupos. Reunir todos os adeptos numa única sociedade, hoje, já seria uma coisa materialmente impossível, e o será mais ainda dentro de algum tempo. Além do número, as distâncias a percorrer em vista da extensão da cidade, e as diferenças de hábitos, conforme as posições sociais, aumentam essa impossibilidade. Por esses motivos e por muitos outros, que seria longo aqui desenvolver, uma sociedade única é uma quimera impraticável. Multiplicai os grupos o mais possível; que haja dez, que haja cem, se preciso for, e ficai certos de que chegareis mais depressa e com mais segurança.
Haveria aqui coisas muito importantes a dizer, sobre a questão da unidade de princípios e sobre a divergência que poderia existir entre eles quanto a alguns pontos. Mas me detenho, para não abusar de vossa paciência em me ouvir, paciência que já pus a uma prova muito longa. Se desejardes, farei disto objeto de uma instrução especial, que vos enviarei brevemente.
Termino esta alocução, senhores, a que me deixei arrastar pela própria raridade das ocasiões que tenho a felicidade de estar em vosso meio. Ficai certos de que levarei da vossa benévola acolhida uma lembrança que jamais se apagará.
Ainda uma vez, meus amigos, obrigado do fundo do coração pelas demonstrações de simpatia com que me distinguis; obrigado pelas bondosas palavras que me dirigistes por vossos intérpretes, das quais só aceito o dever que elas me impõem quanto ao que me resta fazer, e não os elogios. Possa esta solenidade ser o penhor da união que deve existir entre todos os verdadeiros espíritas!
Levanto um brinde aos espíritas lioneses e a todos os que se distinguem por seu zelo, seu devotamento, sua abnegação e que vós mesmos nomeais, sem que eu precise fazê-lo.
Aos espíritas lioneses, sem distinção de opinião, estejam ou não presentes!
Senhores, os Espíritos também querem participar desta festa de família e dizer algumas palavras. Erasto, que conheceis pelas notáveis dissertações publicadas na Revista, ditou espontaneamente, antes da minha partida e em vossa intenção, a epístola seguinte, que me encarregou de ler em seu nome. É com prazer que me desobrigo desse encargo. Tereis assim a prova de que os Espíritos comunicantes não são os únicos a se ocuparem convosco e daquilo que vos diz respeito. Esta certeza não pode senão reforçar vossa fé e vossa confiança, vendo que o olhar vigilante dos Espíritos superiores se estende sobre todos e que, seguramente, também sois objeto de sua solicitude.
[1]
[Histoire
du merveilleux dans les temps modernes — Google Books, par Louis
Figuier.]