O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IV — Novembro de 1861.

(Idioma francês)

Discurso do Sr. Allan Kardec.

(Em Bordeaux.)

(Sumário)


Senhoras e Senhores,

Foi com felicidade que atendi ao vosso apelo, e o simpático acolhimento com que sou recebido é uma dessas satisfações morais que deixam no coração uma impressão profunda e indestrutível. Se me sinto feliz com esta cordial recepção, é que nela vejo uma homenagem prestada à doutrina que professamos e aos bons Espíritos que no-la ensinam, muito mais que a mim pessoalmente, que não passo de um instrumento nas mãos da Providência. Convencido da verdade desta doutrina, e do bem que ela está chamada a produzir, tratei de lhe coordenar os elementos; esforcei-me por torná-la clara e inteligível para todos. É tudo quanto me cabe e, assim, jamais me considerei seu criador: a honra pertence inteiramente aos Espíritos. É, pois, somente a eles que se devem dirigir os testemunhos de vossa gratidão, e não aceito os elogios que me dirigis senão como um estímulo para continuar minha tarefa com perseverança.

Nos trabalhos que tenho feito para alcançar o objetivo a que me propunha, sem dúvida fui ajudado pelos Espíritos, como eles próprios já me disseram várias vezes, mas sem o menor sinal exterior de mediunidade. Assim, não sou médium, no sentido vulgar da palavra, e hoje compreendo que é uma felicidade que assim o seja. Por uma mediunidade efetiva, eu só teria escrito sob uma mesma influência; teria sido levado a não aceitar como verdade senão o que me tivesse sido dado, e talvez injustamente, ao passo que, na minha posição, convinha que eu desfrutasse de uma liberdade absoluta para captar o bom, onde quer que se encontrasse e de onde viesse. Foi possível, assim, fazer uma seleção dos diversos ensinamentos, sem prevenção e com total imparcialidade. Vi muito, estudei muito e observei bastante, mas sempre com o olhar impassível; nada ambiciono, senão ver a experiência que adquiri posta em proveito dos outros. É por eles que me sinto feliz, por poder evitar os escolhos inseparáveis de todo noviciado.

Se trabalhei muito e se trabalho todos os dias, estou largamente recompensado pela marcha tão rápida da doutrina, cujos progressos ultrapassam tudo quanto seria permitido esperar, pelos resultados morais que ela produz. Sinto-me feliz por ver que a cidade de Bordeaux   †  não apenas não fica na retaguarda deste movimento, mas se dispõe a marchar na vanguarda, pelo número e pela qualidade dos adeptos. Se se considerar que o Espiritismo deve a sua propagação às suas próprias forças, sem contar com o apoio de nenhum dos meios auxiliares que, em geral, fazem tanto sucesso, e malgrado os esforços de uma oposição sistemática ou, antes, em virtude mesmo desses esforços, não podemos deixar de ver nisto o dedo de Deus. Se seus inimigos, embora poderosos, não lhe puderam paralisar o avanço, forçoso é convir que o Espiritismo é mais poderoso que eles e, tal como a serpente da fábula, em vão empregam os dentes contra uma lima de aço.

Se dissermos que o segredo de seu poder está na vontade de Deus, os que não creem em Deus escarnecerão. Há também pessoas que não negam a Deus, mas se julgam mais fortes que Ele; esses não riem: opõem barreiras, que imaginam intransponíveis e, contudo, o Espiritismo as ultrapassa todos os dias e sob suas vistas. É que, efetivamente, ele tira da sua natureza, de sua própria essência, uma força irresistível. Qual, então, o segredo dessa força? Teremos que a ocultar, receando que, uma vez conhecida e a exemplo de Sansão, seus inimigos aproveitem para derrubá-lo? De modo algum. No Espiritismo não há mistérios; tudo se faz às claras; podemos revelá-lo sem temor, altivamente. Embora já o tenha dito, talvez não seja fora de propósito repeti-lo aqui, a fim de que se saiba que se entregamos aos adversários o segredo de nossas forças é porque também lhes conhecemos o lado fraco.

A força do Espiritismo tem duas causas preponderantes: a primeira é tornar felizes os que o conhecem, o compreendem e o praticam. Ora, como há pessoas infelizes, ele recruta um exército inumerável entre os que sofrem. Querem lhe tirar esse elemento de propagação? Que tornem os homens de tal modo felizes, moral e materialmente, que nada mais tenham a desejar, nem neste, nem no outro mundo. Não pedimos mais, desde que o objetivo seja atingido. A segunda é que o Espiritismo não se assenta na cabeça de nenhum homem, sujeitando-se, assim, a ser derrubado; não tem um foco único, que possa ser extinto; seu foco está em toda parte, porque em toda parte há médiuns que podem comunicar-se com os Espíritos; não há família que não os possua em seu seio e que não realizem estas palavras do Cristo: Vossos filhos e filhas profetizarão, e terão visões; ( † ) porque, enfim, o Espiritismo é uma ideia e não há barreiras impenetráveis à ideia, nem bastante altas que estas não possam transpor. Mataram o Cristo, mataram seus apóstolos e discípulos. Mas o Cristo tinha lançado ao mundo a ideia cristã, e esta ideia triunfou da perseguição dos Césares onipotentes. Por que, então, o Espiritismo, que não é senão o desenvolvimento e a aplicação da ideia cristã, não triunfaria de alguns zombeteiros e de antagonistas que, até o presente, malgrado seus esforços, só lhe puderam opor uma negação estéril? Haveria nisto uma pretensão quimérica? Um sonho de reformador? Aí estão os fatos para responder: o Espiritismo penetra em toda parte, a despeito de tudo e contra tudo; como o pólen fecundante das flores, é levado pelos ventos e finca raízes nos quatro cantos do mundo, porque em todo lugar encontra uma terra fecunda em sofrimentos, sobre a qual derrama o bálsamo consolador. Suponde, então, o estado mais absoluto que a imaginação possa sonhar, recrutando toda a gente de seus esbirros para deter a ideia ao passar: poderão impedir que os Espíritos entrem nela e se manifestem espontaneamente? Impedirão que os médiuns se formem na intimidade das famílias? Suponhamo-la bastante forte para impedir de escrever, para proibir a leitura dos livros; poderão impedir de ouvir, desde que há médiuns auditivos? Impedirão o pai de receber consolações do filho que perdeu? Vedes, pois, que é impossível, e que eu tinha razão em dizer que o Espiritismo pode, sem receio, entregar aos inimigos o segredo de suas forças.

Seja, dirão. Quando uma coisa é inevitável, é preciso aceitá-la. Mas se for uma ideia falsa ou má, não se tem razão para lhe opor obstáculos? Primeiramente, seria preciso provar que é falsa. Ora, até o presente o que opõem os seus adversários? Zombarias e negações que, em boa lógica, jamais passaram por argumentos. Mas uma refutação séria, sólida; uma demonstração categórica, evidente, onde a encontrareis? Em parte alguma; nem nas críticas da Ciência, nem alhures. Por outro lado, quando uma ideia se propaga com a rapidez do relâmpago; quando encontra inumeráveis ecos nas classes mais esclarecidas da sociedade; quando tem suas raízes em todos os povos, desde que há homens na Terra; quando os maiores filósofos sagrados e profanos a proclamaram, é ilógico supor que não repouse senão na mentira e na ilusão. Todo homem sensato, que a paixão ou o interesse pessoal não cegaram, dirá que deve haver algo de verdadeiro; no mínimo o homem sensato suspenderá o seu julgamento antes de negar.

A ideia é má? Se é verdadeira, se não passa de uma aplicação das leis da Natureza, parece difícil que possa ser má, a menos que se admita que Deus fez mal aquilo que fez. Como seria má uma doutrina que torna melhores os que a praticam; consola os aflitos; dá resignação na infelicidade; restabelece a paz nas famílias; acalma a efervescência das paixões e impede o suicídio? Dizem alguns que ela é contrária à religião. Eis a grande palavra com que tentam amedrontar os tímidos e os que não a conhecem. Como uma doutrina que torna melhor, que ensina a moral evangélica, que só prega a caridade, o esquecimento das ofensas, a submissão à vontade de Deus seria contrária à religião? Seria um contrasenso. Afirmar semelhante coisa é atacar a própria religião. Eis por que digo que não a conhecem os que assim falam. Se tal fosse o resultado, por que conduziria ela às ideias religiosas os que em nada creem? Por que faria orar aqueles que haviam esquecido de o fazer desde a infância?

Aliás, há outra resposta, igualmente peremptória: o Espiritismo é estranho a toda questão dogmática. Aos materialistas prova a existência da alma; aos que só creem no nada, prova a vida eterna; aos que julgam que Deus não se ocupa das ações dos homens, prova as penas e recompensas futuras; destruindo o materialismo, destrói a maior chaga da sociedade. Eis o seu objetivo. Quanto às crenças especiais, delas não se ocupa, deixando a cada um inteira liberdade. O materialismo é o maior inimigo da religião; trazendo-o ao espiritualismo, o Espiritismo lhe faz marchar três quartas parte do caminho para voltar ao seio da Igreja. Cabe à Igreja fazer o resto. Mas se a comunhão para a qual ele tenderia a se ligar o repele, seria de temer que se voltasse para uma outra.

Dizendo isto, senhores, ensino padre-nosso a vigário, pois já o sabeis tanto quanto eu. Mas há outro ponto, sobre o qual é útil dizer algumas palavras.

Se os inimigos externos nada podem contra o Espiritismo, o mesmo não acontece com os de dentro. Refiro-me aos que são mais espíritas de nome que de fato, sem falar dos que do Espiritismo apenas têm a máscara.   O mais belo lado do Espiritismo é o lado moral. É por suas consequências morais que triunfará, pois aí está a sua força, por aí é invulnerável. Ele inscreve em sua bandeira: Amor e caridade; e diante desse paládio, mais poderoso que o de Minerva, porque vem do Cristo, a própria incredulidade se inclina. Que se pode opor a uma doutrina que leva os homens a se amarem como irmãos? Se não se admitir a causa, pelo menos se respeitará o efeito. Ora, o melhor meio de provar a realidade do efeito é fazer sua aplicação a si mesmo; é mostrar aos inimigos da doutrina, pelo próprio exemplo, que ela realmente torna melhor. Mas como fazer crer que um instrumento possa produzir harmonia se emite sons discordantes? Do mesmo modo, como persuadir que o Espiritismo deve conduzir à concórdia, se os que o professam, ou supostamente o praticam — o que para os adversários dá no mesmo — se atiram pedras? Se basta uma simples susceptibilidade do amor-próprio para os dividir? Não é o meio de rejeitar seu próprio argumento? Os mais perigosos inimigos do Espiritismo são, pois, os que o fazem mentir a si mesmos, não praticando a lei que proclamam. Seria pueril criar dissidência pelas nuanças de opinião; haveria evidente malevolência, esquecimento do primeiro dever do verdadeiro espírita, em separar-se por uma questão pessoal, porquanto o sentimento de personalidade é fruto do orgulho e do egoísmo.

Não devemos esquecer, senhores, que os inimigos do Espiritismo são de duas ordens: de um lado, tendes os zombadores e os incrédulos. Estes recebem diariamente o desmentido pelos fatos; não os temeis e tendes razão. Sem o querer, servem à nossa causa e, por isso, lhes devemos agradecer. Do outro lado estão as pessoas interessadas em combater a doutrina; não espereis trazê-las pela persuasão, pois não buscam a luz. Em vão exibireis aos seus olhos a evidência do sol: são cegos porque não querem ver. Não vos atacam porque estejais no erro, mas porque estais com a verdade e, com ou sem razão, creem que o Espiritismo seja prejudicial aos seus interesses materiais. Se estivessem convencidos de que é uma quimera, o deixariam em paz. Assim, sua fúria cresce na razão do progresso da doutrina, de tal sorte que se pode medir sua importância pela violência dos ataques. Enquanto não viram no Espiritismo senão uma brincadeira de mesas girantes, nada disseram, confiando tratar-se de um capricho da moda; mas, hoje, que a despeito de sua má vontade, veem a insuficiência da zombaria, empregam outros meios. Sejam estes quais forem, já demonstramos a sua impotência. Contudo, se não podem abafar essa voz que se eleva em todas as partes do mundo; se não podem deter essa torrente que os invade por todos os lados, tudo farão para criar entraves e, se puderem fazer recuar o progresso por um só dia, dirão ainda que é um dia ganho.

Esperai, portanto, que o terreno seja disputado palmo a palmo, pois o interesse material é, de todos, o mais tenaz; para ele, os mais sagrados direitos da Humanidade nada são; tendes a prova na luta americana. Pereça a união que fazia nossa glória, antes que os nossos interesses!, dizem os escravagistas. Assim falam os adversários do Espiritismo, pois a questão humanitária é a menor de suas preocupações. Que lhes opor? Uma bandeira que os faça empalidecer, pois sabem que ela traz palavras saídas da boca do Cristo: Amor e caridade, e que estas palavras são a sua sentença. Em torno desta bandeira, que todos os verdadeiros espíritas se congreguem, e serão fortes, porquanto a união faz a força. Reconhecei, pois, os verdadeiros defensores de vossa causa, não pelas palavras vãs, que nada custam, mas pela prática da lei de amor e caridade, pela abnegação da personalidade; o melhor soldado não é o que ergue o sabre mais alto, mas o que sacrifica corajosamente a própria vida. Encarai, pois, como fazendo causa comum com vossos inimigos todos os que tendem a lançar entre vós o fermento da discórdia, porque, voluntária ou involuntariamente, fornecem armas contra vós. Em todo o caso, não conteis mais com eles do que com esses maus soldados, que fogem ao primeiro tiro de fuzil.

Mas — perguntareis — se as opiniões estão divididas sobre alguns pontos da doutrina, como reconhecer de que lado está a verdade? É a coisa mais fácil. Primeiro, tendes por peso o vosso julgamento e por medida a lógica, sã e inflexível. Depois, tereis o assentimento da maioria, porque, acreditai bem, o número crescente ou decrescente dos partidários de uma ideia dá a medida de seu valor; se ela é falsa, não conquistará mais voto que a verdade: Deus não o permitiria; Ele pode deixar o erro à vista aqui e ali, para nos mostrar suas características e nos ensinar a reconhecê-lo. Sem isto, onde estaria o nosso mérito, se não tivéssemos escolha a fazer? Quereis um outro critério da verdade? Eis um, infalível. Desde que a divisa do Espiritismo é Amor e caridade, reconhecereis a verdade pela prática desta máxima, e tereis como certo que aquele que atira a pedra em outro não pode estar com a verdade absoluta. Quanto a mim, senhores, ouvistes a minha profissão de fé. Se — que Deus não o permita! — surgissem dissidências entre vós, digo-o com pesar, eu me separaria abertamente dos que desertassem da bandeira da fraternidade, porque, aos meus olhos, não poderiam ser encarados como verdadeiros espíritas.

Aconteça o que acontecer, não vos inquieteis absolutamente com algumas dissidências passageiras; logo tereis a prova de que elas não têm consequências graves. São testes para a vossa fé e para o vosso julgamento; muitas vezes, também, são meios permitidos por Deus e pelos bons Espíritos para dar a medida da sinceridade e tornar conhecidos aqueles com os quais realmente podemos contar, caso necessário, evitando, assim, que os coloquemos em evidência. São pequenas pedras semeadas em vosso caminho, a fim de vos habituar a ver em que vos apoiais.

Resta-me falar ainda, senhores, da organização da Sociedade. Desde que quereis pedir-me conselho, dir-vos-ei o que disse o ano passado em Lyon.  †  Os mesmos motivos me levam a vos dissuadir, com todas as minhas forças, do projeto de formar uma Sociedade única, abrangendo todos os espíritas da cidade, o que seria de todo impraticável, em razão do número crescente dos adeptos. Não tardaríeis a serdes paralisados pelos obstáculos materiais e pelas dificuldades morais, ainda maiores, que vos mostrariam a sua impossibilidade. É preferível, pois, não empreenderdes uma coisa a que seríeis obrigados a renunciar. Todas as considerações em apoio a esta opinião estão completamente desenvolvidas na nova edição de Livro dos Médiuns, à qual convido a vos reportardes. Não acrescentarei senão algumas palavras.

O que é difícil de se obter numa reunião numerosa é bem mais fácil de conseguir nos grupos particulares. Estes se formam por afinidade de gostos, de sentimentos e de hábitos. Dois grupos separados podem ter uma diferente maneira de ver sobre alguns detalhes e nem por isso deixam de marchar de acordo, ao passo que se estivessem reunidos, as divergências . de opiniões trariam inevitáveis perturbações.

O sistema da multiplicação dos grupos ainda tem como resultado interromper bruscamente as rivalidades de supremacia e de direção. Cada grupo, naturalmente, é presidido pelo dono da casa ou pelo que for designado, e tudo se passa em família. Se a alta direção do Espiritismo, numa cidade, pertence a alguém, este será convocado pela força das coisas, e um consentimento tácito o designará muito naturalmente, em virtude de seu mérito pessoal, de suas qualidades conciliadoras, do zelo e do devotamento de que tiver dado provas, dos reais serviços que houver prestado à causa. Desse modo, terá adquirido, sem a buscar, uma força moral que ninguém pensará em lhe contestar, porque todos a reconhecerão, ao passo que aquele que, por sua autoridade privada, procurasse impor-se, ou fosse conduzido por uma camarilha, encontraria oposição da parte de todos quantos não lhe reconhecessem as qualidades morais necessárias. Daí uma causa inevitável de divisões.

É uma coisa séria confiar a alguém a suprema direção da doutrina. Antes de o fazer, é preciso estar bem seguro desse indivíduo sob todos os pontos de vista, porque, com ideias errôneas, poderia arrastar a Sociedade por uma ladeira deplorável e, talvez, à sua ruína. Nos grupos particulares, cada um pode dar prova de habilidade e ser designado, mais tarde, pelos sufrágios dos colegas, se for o caso. Mas ninguém pode pretender ser general antes de ser soldado. Assim como reconhecemos o bom general por sua coragem e por seus talentos, o verdadeiro espírita é reconhecido por suas qualidades. Ora, a primeira de que deve dar provas é a abnegação da personalidade; é, pois, por seus atos que o reconhecemos, mais que pelas palavras. O que é necessário para uma tal direção é um verdadeiro espírita, e o espírita verdadeiro não se deixa mover pela ambição, nem pelo amor-próprio. A respeito, senhores, chamo a vossa atenção para as diversas categorias de espíritas, cujos caracteres distintivos estão claramente definidos em O Livro dos Médiuns (nº 28).

Quanto ao mais, seja qual for a natureza da reunião, numerosa ou não, as condições que deve satisfazer para atingir o seu objetivo são as mesmas. É para isto que devemos concentrar todos os nossos cuidados e os que os satisfazerem serão fortes, porque terão, necessariamente, o apoio dos bons Espíritos. Tais condições estão traçadas em O Livro dos Médiuns (nº 341).

Um erro muito frequente entre alguns neófitos é o de se julgarem mestres após alguns meses de estudo. Como sabeis, o Espiritismo é uma ciência imensa, cuja experiência não pode ser adquirida senão com o tempo, como, aliás, em todas as coisas. Há nessa pretensão de não mais necessitar de conselhos e de se julgar acima de todos uma prova de incompetência, pois não atende a um dos primeiros preceitos da doutrina: a modéstia e a humildade. Quando os Espíritos maléficos encontram semelhantes disposições num indivíduo, não deixam de o superexcitar e de o entreter, persuadindo-o de que só ele possui a verdade. É um dos escolhos que podem ser encontrados, e contra o qual julguei dever vos prevenir, acrescentando que não basta dizer-se espírita, como não basta dizer-se cristão: é preciso prová-lo pela prática.

Se, pela formação dos grupos, evitamos a rivalidade dos indivíduos, essa rivalidade não poderia existir entre os próprios grupos que, marchando por vias um pouco divergentes, poderiam produzir cismas, enquanto uma Sociedade única manteria a unidade de princípios? A isto respondo que o inconveniente assinalado não seria evitado, considerando-se que aqueles que não adotassem os princípios da Sociedade dela se separariam e nada os impediria de formarem um grupo à parte. Os grupos são outras tantas pequenas Sociedades, que marcharão necessariamente no mesmo caminho se todas adotarem a mesma bandeira e as bases da ciência, consagradas pela experiência. A respeito, chamo igualmente a vossa atenção para o nº 348 de O Livro dos Médiuns. Nada impede, aliás, que um grupo central seja formado por delegados dos diversos grupos particulares, que, assim, teriam um ponto de reunião e um correspondente direto com a Sociedade de Paris. Depois, anualmente, uma assembleia geral poderia reunir todos os adeptos e tornar-se, assim, uma verdadeira festa do Espiritismo. Aliás, preparei uma instrução detalhada sobre esses diversos pontos, que terei a honra de vos transmitir posteriormente, tanto sobre a organização, quanto sobre a ordem dos trabalhos. Os que a seguirem manter-se-ão naturalmente na unidade de princípios.

Tais são, senhores, os conselhos que julguei por bem vos dar, já que vos quisestes conformar com a minha opinião. Sinto-me feliz por acrescentar que em Bordeaux encontrei elementos excelentes e um progresso muito maior do que esperava. Aqui me deparei com um grande número de espíritas sinceros e verdadeiros e levo da visita a fundada esperança de que a doutrina se desenvolverá sobre as mais largas bases e em excelentes condições. Crede que meu concurso jamais faltará, naquilo que estiver ao meu alcance fazer, para secundar os esforços dos que são sincera e conscienciosamente devotados de coração a esta nobre causa, que é a da Humanidade.

Senhores, o Espírito Erasto, que já conheceis pelas notáveis dissertações que dele lestes, também quer trazer-vos o tributo de seus conselhos. Antes de minha partida de Paris,  †  ele ditou, por seu médium habitual, a comunicação seguinte, cuja leitura terei a honra de fazer.


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