Há certas épocas em que a ideia governa o mundo, precedendo esses grandes cataclismos que transformam os homens e os povos. Tanto ou mais que aquela que preside os interesses temporários, a ideia religiosa também contribui para o grande movimento social.
Absorvida frequentemente pelas preocupações materiais, ela se desprende de repente, ou insensivelmente. Ora é o raio que escapa das nuvens, ora o vulcão, que mina secretamente a montanha, antes de transpor a cratera. Hoje afeta outro gênero de manifestação: após se haver mostrado como ponto imperceptível no horizonte do pensamento, acabou por invadir a atmosfera. O ar está impregnado; ela atravessa o espaço, fecunda as inteligências, mantém emocionado o mundo inteiro. E não penseis que me sirvo de metáfora para expressar a realidade. Não; é um fenômeno do qual se tem consciência e que dificilmente a palavra traduz. É como um fluido que nos comprime por todos os lados, é alguma coisa vaga e indeterminada, cuja influência todos sentem, de que o cérebro está impregnado e que dele se desprende frequentemente como que por intuição, raramente como um pensamento formulado explicitamente. A ideia religiosa – digamos espírita – tem seu lugar no balcão do negociante, no consultório do médico, no gabinete do advogado e do procurador, na oficina do operário, nos campos e nas casernas. O nome do nosso grande, do nosso caro missionário espírita está em todas as bocas, como sua imagem se acha em todos os nossos corações, e todos os olhos estão fixados neste ponto culminante, digno intérprete dos ministros do Senhor. Esta ideia que percorre a imensidade, que superexcita todos os cérebros humanos, que existe mesmo instintivamente nos Espíritos encarnados mais recalcitrantes, não seria obra dessa multidão de inteligências que nos envolvem, precedendo e facilitando os nossos trabalhos apostólicos?
Sabemos que o testemunho da autenticidade de nossa doutrina remonta à noite dos tempos; que os livros sagrados, base fundamental do Cristianismo, as relatam; que vários Padres da Igreja, entre os quais Tertuliano e Santo Agostinho, afirmam a sua realidade; até mesmo as obras contemporâneas lhe fazem menção e não posso resistir ao desejo de citar a passagem de um opúsculo publicado em 1843, que parece expor analiticamente toda a quintessência do Espiritismo:
“Algumas pessoas põem em dúvida a existência de inteligências superiores, incorpóreas, isto é, gênios que presidem à administração do mundo, e entretêm um comércio íntimo com alguns seres privilegiados. É para elas que escrevo as linhas que se seguem, esperando que lhes deem convicção:
“Em todos os reinos da Natureza existe uma lei que escalona as espécies, desde os infinitamente pequenos até os infinitamente grandes. É por graus imperceptíveis que se passa do inseto ao elefante, dos minúsculos grãos de areia ao maior dos globos celestes. Esta gradação regular é evidente em todas as obras sensíveis do Criador; deve, pois, achar-se nas suas obras-primas, a fim de que a escala seja contínua, para subir até Ele! A distância prodigiosa que existe entre a matéria inerte e o homem dotado de razão parece ser preenchida pelos seres orgânicos, mas privados desta nobre prerrogativa. Na distância infinita entre o homem e seu autor, encontra-se o lugar dos Espíritos puros. Sua existência é indispensável para que a Criação seja acabada em todos os sentidos.
“Assim, há também o mundo dos Espíritos, cuja variedade é tão grande quanto o das estrelas que brilham no firmamento; há também o universo das inteligências que, pela sutileza, prontidão e vastidão de sua penetração, se aproximam cada vez mais da Inteligência Soberana. Seu desígnio, já manifesto na organização do mundo visível, continua até a perfeita consumação no mundo invisível. Todas as religiões proclamam a existência desses seres imateriais; todas os representam como se imiscuindo nos assuntos humanos, como agentes secundários. Não admitir a sua intromissão nas peripécias humanas é negar, consequentemente, os fatos sobre os quais repousam as crenças de todos os povos, de todos os filósofos e de todos os sábios, remontando até a mais alta Antiguidade.”
Com toda a certeza, aquele que traçou este quadro era espírita nos mais íntimos refolhos da alma. A este esboço incompleto falta o dogma essencial da reencarnação, bem como as consequências morais que o ensino dos Espíritos impõe aos adeptos do Espiritismo. A doutrina existia no estado de intuição, tanto nas inteligências quanto nos corações. Vós aparecestes, senhor, como eleito de Deus; o Todo-Poderoso apoiou-se numa vasta erudição, num Espírito elevado, numa retidão completa e numa mediunidade privilegiada. Todos os elementos das verdades eternas estavam disseminados no espaço; era preciso fixar a ciência, levar a convicção às consciências ainda indecisas e reunir todas as inspirações emanadas do Altíssimo num corpo substancial de doutrina. A obra caminhou e o pólen escapado dessa antera intelectual produziu a fecundação. Vosso nome é a bandeira sob a qual nos colocamos à vontade. Hoje vindes em auxílio destes neófitos do Espiritismo, que ainda não fazem senão balbuciar os rudimentos da ciência, mas que um grande número de Espíritos, atenciosos e benevolentes, não desdenha favorecer em suas celestes inspirações. Já – e nos felicitamos por isto – em meio a este congresso de inteligências dos dois mundos, as paixões más se amotinam em torno da obra regeneradora; já o falso saber, o orgulho, o egoísmo e os interesses humanos se erguem contra o Espiritismo, em testemunho de seu poder, enquanto o grande motor desse progresso ascensional para as regiões celestes – Deus – oculto atrás dessa nuvem de teorias odientas e quiméricas, permanece calmo e prossegue a sua obra.
Realizada a obra, formam-se centros espíritas em todos os pontos do globo. Os moços abandonam as ilusões da primeira idade, que lhes preparam tantas decepções na maturidade; homens maduros aprendem a levar a vida a sério; velhos que gastaram as ilusões no conflito da vida, enchem o vazio imenso com prazeres mais reais que aqueles que os abandonam, e de todos esses elementos heterogêneos formam-se agregados que irradiam ao infinito.
Nossa bela cidade não foi a última a participar desse movimento intelectual. Um desses homens de coração reto, de julgamento são, tomou a iniciativa. Seu apelo foi ouvido por inteligências que se harmonizavam com a sua. Em torno desse foco luminoso gravitava um grande número de círculos espíritas.
De toda parte surgem comunicações variadas trazendo a marca de seu autor: é a mãe que, de sua esfera gloriosa, com a perfeição do detalhe e sua infinita ternura, comunica-se com o filho muito amado; é o pai ou o avô, que alia ao amor paternal a severidade da forma; é Fénelon, que dá à linguagem da caridade o cunho da beleza antiga e a melodia de sua prosa; é o espetáculo tocante de um filho, tornado Espírito bem-aventurado, homenageando aquela que o trouxe ao seio com o eco de seus ilustres ensinos; é o de uma mãe que se revela ao filho e que, com a cabeça coroada de estrelas, o conduz, de prova em prova, ao lugar que ele deve ocupar junto dela, no seio de Deus, por todas as eternidades (sic); é o arcebispo de Utrecht, † soprando ao seu protegido suas eloquentes inspirações e as submetendo ao freio da ortodoxia; é um anjo Gabriel, comovente homônimo do grande arcanjo, tomando espontaneamente, e com a permissão de Deus, a missão de guiar seu irmão, segui-lo passo a passo, assim aliando, Espírito superior que é, o amor fraternal ao amor divino; são os Espíritos puros, os santos, os arcanjos que revestem suas sublimes instruções com o selo da divindade; são, enfim, manifestações físicas, após as quais a dúvida não passa de um absurdo, para não dizer uma profanação.
Depois de ter elevado os vossos olhares até os degraus superiores da escala dos seres, consenti, caros colegas, em baixá-los aos degraus ínfimos, e os infinitamente pequenos ainda vos fornecerão ensinamentos.
Há uns bons dez anos que as claridades do Espiritismo luziram aos meus olhos; mas era o Espiritismo em estado rudimentar, despido de seus principais documentos e de sua tecnologia característica; era um reflexo, alguns jactos de fina radiação; mas ainda não era a luz.
Em vez de tomar a pena ou o lápis e obter, por esse meio assim simplificado, comunicações rápidas, recorria-se à mesa pela tiptologia ou escrita mediata. A mesa não passava de um apêndice da mão, mas esse modo de comunicação, em geral repugnante para os Espíritos superiores, frequentemente os mantinha a distância. Assim, só obtive mistificações, respostas triviais ou obscenas; eu mesmo me afastei desses mistérios de além-túmulo, que se traduziam de maneira tão pouco conforme à minha expectativa, ou antes, que se apresentavam sob um aspecto que me assustava. Várias experimentações haviam sido tentadas, conduzindo a resultados análogos.
E, no entanto, essas decepções aparentes mais não eram que provas temporárias, que deviam ter como consequência definitiva o aprofundamento de minhas convicções.
Mau grado meu, o positivismo de meus estudos tinha arrefecido as minhas crenças filosóficas; mas eu era céptico e não obstinado; duvidava, para grande pesar meu, e fazia vãos esforços para expulsar o materialismo que, de surpresa, havia invadido minha alma e meu coração. Como são impenetráveis os decretos de Deus! Essa disposição moral serviu precisamente para a minha transformação. Eu tinha sob os olhos a imortalidade da alma, revestindo o aspecto de uma realidade material e, para assentar esta fé tão nova, o que me importava, afinal de contas, se as manifestações viessem de um Espírito superior ou inferior, desde que fosse um Espírito! Eu já não sabia perfeitamente que um corpo inerte, tal qual uma mesa, pode ser instrumento, mas não a causa de uma manifestação inteligente, manifestação que não entrava absolutamente na esfera de minhas ideias, e que todas as teorias fluídicas são impotentes para as explicar?
Assim, eu tinha sacudido essas tendências materialistas, contra as quais lutava sem sucesso, com uma energia desesperada, e teria explorado francamente essas regiões intelectuais, que apenas entrevia, não fosse a demoniofobia do Sr. de Mirville [v. o artigo Escassez de médiuns, sobre a obra do Sr. de Mirville] e a profunda impressão que ela havia lançado em minha alma. Como contrapartida de seu livro, surgiu esse tratado tão luminoso, tão substancial, tão cheio de verdades consoladoras, ditado por inteligências celestes a um Espírito de escol – posto que encarnado – ao qual, desde aquele dia, foi revelada sua missão na Terra.
Hoje, o reconhecimento me obriga a inscrever nesta página o nome de um de meus bons amigos, que me abriu os olhos à luz, o do Sr. Roustaing, advogado distinto e, sobretudo, consciencioso, destinado a representar um papel marcante nos fastos do Espiritismo. Devo esta homenagem passageira ao reconhecimento e à amizade.
Se nesta solenidade eu não temesse abusar do tempo, por certo teria citado numerosas comunicações de incontestável interesse; contudo, em meio a esta atividade puramente intelectual, acima de nossas incessantes relações com o mundo dos Espíritos, sobrelevam dois fatos que me parecem, por exceção, protestar contra o mutismo absoluto. O primeiro é caracterizado pelos detalhes íntimos e tocantes que nos comoveram até as lágrimas; o segundo, pela estranheza do fenômeno, diz respeito à mediunidade de vidência e constitui uma prova tão palpável que não nos restaria senão negar a boa-fé dos médiuns, caso quiséssemos negar a realidade do fato.
Alguns espíritas fervorosos reúnem-se comigo semanalmente para estudarmos em comum, e com mais proveito, a Doutrina dos Espíritos. Uma fé plena e total, a analogia para a maior parte dos estudos e da educação, fizeram brotar uma recíproca simpatia e uma comunhão de ideias e de pensamentos; disposição intelectual e moral, sem sombra de dúvida a mais favorável às comunicações sérias.
Nessa modesta reunião, um de nós, dotado de elevado grau de mediunidade, quis evocar o Espírito de uma garota que havia conhecido, vitimada pelo crupe, ao que suponho, aos seis anos de idade. Ele fazia o papel de médium e eu o de evocador. Mal terminara a evocação, uma percussão muito sensível num dos móveis da sala de espera excitou a nossa atenção e nos levou a averiguar se esse ruído insólito provinha de uma causa natural ou resultava de um fato espírita. São – responderam os guias – as companheiras de Estelle (era o nome da criança durante a sua vida terrena), que vêm à frente de sua amiguinha. E, pelo pensamento, seguimos esse gracioso cortejo a planar no espaço! Entre elas designaram-nos Antônia, jovem que mal passara pela Terra e apenas completara sua quarta primavera quando tombou sob os golpes de uma foice assassina. Prevendo que elas iam concluir suas provas em uma nova existência, roguei ao meu anjo-da-guarda, essa boa mãe, cuja ternura jamais me faltou, que as tomasse sob os seus cuidados e lhes mostrasse claramente a sua celeste protetora. A adesão não se fez esperar; mas Deus só lhe permitiu aparecer a uma delas, e ela escolheu Antônia: “Que vês, minha amiguinha?”, exclamei evocando esta última. – “Oh, a bela senhora! Está resplandecente de luzes! – “E que te diz essa bela senhora?” – Ela me diz: “Vem a mim, minha filha, eu te amo!” Por isso retratei aquela terna mãe com a cabeça coroada de estrelas.
Se esta comovente historieta, pertencente ao mundo espírita, só se vos assemelha a um capítulo de novela, então há que renunciar a toda comunicação.
O outro fato pode resumir-se em duas palavras: Eu estava com um dos meus colegas espíritas; a noite nos surpreendera em meio a preces a Deus pelos Espíritos sofredores, quando vislumbrei, vagamente, uma sombra saindo de um canto do meu consultório e descrevendo uma linha diagonal, que se prolongou até a minha cama, situada na peça vizinha. Ao terminar seu percurso, ouvimos um estalido muito distinto e a sombra se dirigiu para a biblioteca, formando um ângulo agudo com a primeira direção.
Fui tomado pela emoção; mas, numa hora daquelas – onze e meia da noite – bastante propícia às emoções e ao mistério, julguei a princípio que se tratasse de alucinação, de ilusão de óptica, e tomei a íntima resolução de guardar silêncio quanto a essa fantástica aparição; foi quando o meu companheiro de constantes estudos voltou-se para mim e perguntou-me se nada vira. Eu estava perturbado; esperei um pouco para me refazer e limitei-me a indagar os motivos da pergunta. Então ele me descreveu o estranho fenômeno, que igualmente testemunhara, com tamanha exatidão que me foi impossível duvidar ou deixar de confirmar a realidade da aparição.
Dois dias depois, nosso médium por excelência estava presente. Consultados, os guias confirmaram a verdade, acrescentando que aquela aparição espontânea era a de um Espírito, conhecido na vida terrena sob o nome de Maria de los Ângeles. Foi-nos permitido evocá-la e o resultado de nossas perguntas foi que havia nascido na Espanha; tinha tomado o hábito; por muito tempo sua vida estivera isenta de censuras, mas uma falta grave, à qual a morte não deixou tempo para a expiação, era a causa de seus sofrimentos no mundo dos Espíritos.
Alguns dias depois o acaso, ou antes, a vontade de Deus, nos permitiu um segundo controle desse estranho fenômeno. Um espírita, jovem mecânico, de inteligência extraordinária, tinha passado comigo a última parte da noite. Enquanto me entretinha com ele, notei que seu olhar tomava singular imobilidade. Ele não esperou a pergunta para explicar a circunstância: “No mesmo instante em que me olháveis, vi distintamente a silhueta de uma mulher que, da janela, avançou até a poltrona vizinha, diante da qual ajoelhou-se. Tinha o aspecto de uma pessoa de vinte e cinco anos; estava vestida de negro; uma espécie de xale recobria a parte superior do busto; tinha à cabeça algo parecido com um lenço ou uma touca.”
A descrição concordava perfeitamente com a ideia que eu fizera da religiosa espanhola, e o lugar em que ela se prosternou é mais ou menos aquele onde, ajoelhado como ela, faço habitualmente as minhas orações pelos mortos. Para mim era Maria dos Anjos.
Certamente, os incrédulos e os falsos espíritas sorrirão de minha certeza, e no fato narrado verão três visionários, em vez de um. Quanto aos espíritas sinceros, estes acreditarão em mim, principalmente quando o afirmo sob palavra de honra. A ninguém reconheço o direito de pôr em dúvida semelhante testemunho.
Os trabalhos do Espiritismo em Bordeaux, † por maiores sejam a modéstia e a reserva, nem por isso deixam de ser objeto da curiosidade pública, não se passando um dia em que eu não seja interrogado a respeito. Todo profano, toda criatura maravilhada com os fenômenos espíritas reclama com insistência o favor de uma experiência; sua alma flutua entre a própria dúvida e a convicção dos adeptos.
Introduzi-o numa reunião séria, numa assembleia de espíritas que supomos profundamente recolhidos, isto é, trazendo uma disposição conveniente à gravidade da situação. Que se passará nele? Transcrevendo para o papel as inspirações de um Espírito superior, o médium escrevente fará que as aceite como tais? Passei por uma experiência desagradável: se a comunicação tiver o cunho da inspiração celeste, ele atribuirá o mérito ao talento do médium; se o pensamento do mensageiro de Deus tomar a coloração do meio onde passa, certamente lhe parecerá de concepção inteiramente humana. Nesta circunstância, eis a minha regra de conduta: Ela é previamente traçada pelo homem da Providência, por esse missionário do pensamento, que possuímos momentaneamente e que, de seu centro habitual de atividade, continuará a fazer irradiar sobre nós os tesouros celestes, de que uma graça especial o fez dispensador. Aos curiosos que vêm inquirir da realidade dos fatos ou solicitar uma audiência, quer como distração, quer como uma emoção que atravessa o coração sem se deter, limito-me a expor a gravidade do assunto; ao Espírito encarnado pseudo-sábio, que me retrata perfeitamente neste globo o da 8ª classe e da 3ª ordem do mundo espírita, respondo com evasivas; mas àquele que, embora obcecado pela dúvida, possui a verdade em estado de germe, começando pela boa-fé para chegar à fé, aconselho os estudos teóricos, aos quais não tarda a suceder o estudo prático ou a experimentação. Assim, à medida que um fato novo se desprende de uma ideia nova, ele o registra ao lado do fato; então a ciência espírita é infundida gota a gota no coração e no cérebro, com suas consequências morais, fazendo-nos ver, ao cabo desta longa sucessão de reveses, trabalhos e provas se alternando nas duas existências, uma eternidade radiosa que se escoa do seio de Deus, fonte de felicidade e de vida!
Bouché de Vitray, médico.