O Sr. Glas era um espírita fervoroso. Sucumbiu a uma longa e dolorosa enfermidade, cujos sofrimentos só eram atenuados pela esperança que dá o Espiritismo. Sua vida laboriosa e acidentada por preocupações amargas, e um acidente, inicialmente desconhecido, abreviaram-lhe a existência. Foi evocado a pedido de seu pai.
1. Evocação.
Resposta. – Eis-me aqui.
2. Ficaríamos muito contentes de nos entreter convosco, inicialmente para condescender ao desejo do senhor vosso pai e de vossa esposa e, depois, porque, considerando o estado dos vossos conhecimentos, esperamos deles aproveitar-nos.
Resposta. – Desejo que esta comunicação seja, para os que me pranteiam, uma consolação, e para vós, que me evocais, um objeto de estudos instrutivos.
3. Parece que sucumbistes a uma moléstia cruel. Poderíeis dar-nos algumas explicações sobre a sua natureza e a sua causa?
Resposta. – Hoje vejo claramente que minha doença era toda moral e terminou por me extinguir dolorosamente o corpo. Quanto a me estender longamente sobre os meus sofrimentos, ainda os tenho bem presentes para não os recordar. Um trabalho obstinado, aliado a uma contínua agitação do cérebro, foi a verdadeira fonte do meu mal.
Observação. – Esta resposta é confirmada pela seguinte passagem da carta de seu pai: “Sua vida laboriosa e acidentada por preocupações amargas, e um acidente, inicialmente desconhecido, abreviaram sua existência.” Esta carta não tinha sido lida antes da evocação, e nem o médium nem os assistentes conheciam o fato.
4. Também parece que vossas crenças vos auxiliaram a suportar o sofrimento com coragem, pelo que vos felicitamos.
Resposta. – Eu tinha em mim a consciência de uma vida melhor; isto diz tudo.
5. Essas crenças contribuíram para apressar o vosso desprendimento?
Resposta. – Infinitamente,, uma vez que as ideias espiritualistas que se podem ter sobre a vida são, por assim dizer, indulgências plenárias que afastam de vós, após a morte, toda influência terrestre.
6. Poderíeis descrever-nos o mais exatamente possível a natureza da perturbação que experimentastes, sua duração e as sensações quando vos reconhecestes?
Resposta. – Quando morri, eu tinha perfeito conhecimento de mim mesmo e entrevia com calma o que muitos outros temem com tanto pavor. Meu trespasse foi rápido e a consciência de mim mesmo não mudou. Ignoro quanto tempo durou a perturbação, mas, quando despertei, realmente estava morto.
7. No momento em que vos reconhecestes, achastes-vos isolado?
Resposta. – Sim; aliás, pelo coração, ainda estava ligado à Terra; não vi imediatamente Espíritos à minha volta; somente pouco a pouco.
8. Que pensais dos confrades que buscam, por meio da Ciência, provar aos homens que neles não há senão matéria e que somente o nada os aguarda?
Resposta. – Orgulho! Quando estiverem perto da morte, talvez se calem; é o que lhes desejo. Ah! como dizia Lamennais há pouco, existem duas ciências, a do bem e a do mal. Eles têm a ciência que vem dos homens: a do mal.
Observação. – O Espírito faz alusão a uma comunicação que Lamennais acabara de dar momentos antes, prova de que não esperara a evocação para comparecer à sessão. [A intenção de evocá-lo, preparando as perguntas antecipadamente, é uma evocação prévia.]
9. Estais frequentemente junto de vossa esposa, do vosso filho e do vosso pai?
Resposta. – Quase constantemente.
10. O sentimento que experimentais ao vê-los é diferente do que sentíeis em vida, quando estáveis junto deles?
Resposta. – A morte dá aos sentimentos, como às ideias, uma visão larga, mais cheia de esperança, que o homem não pode apreender na Terra. Eu os amo, mas gostaria de tê-los junto a mim. É, sobretudo, em vista das esperanças futuras que o Espírito deve ter coragem e sangue-frio.
11. Estando aqui, podeis vê-los em casa sem vos perturbar?
Resposta. – Oh! perfeitamente.
Observação. – Um Espírito inferior não o poderia; somente os que têm certa elevação podem ver simultaneamente de pontos diferentes. Os outros ainda estão muito terra-a-terra.
Lendo esta resposta, certas pessoas dirão, sem dúvida, que era uma boa ocasião de controle; que se deveria ter perguntado ao Espírito o que faziam os seus parentes nesse momento e verificar se era exato. Com que objetivo o teríamos feito? Para nos asseguramos de que era realmente um Espírito que nos falava. Mas, então, se não era um Espírito, o médium nos enganava. Ora, há muitos anos esse médium presta o seu concurso à Sociedade e jamais tivemos ocasião de suspeitar de sua boa-fé.
Se o tivéssemos feito, como prova de identidade, não nos teria valido grande coisa, porque um Espírito enganador teria podido sabê-lo tanto quanto o Espírito verdadeiro. Assim, essa questão teria entrado na categoria das perguntas de curiosidade e de prova, que os Espíritos sérios desprezam e às quais jamais respondem. Como fato, sabemos por experiência que isto é possível; mas sabemos, igualmente, que quando um Espírito quer entrar em certos detalhes, ele o faz espontaneamente, se o julgar útil, e não para satisfazer a um capricho.
12. Fazeis distinção entre o vosso Espírito e o vosso perispírito? Qual a diferença que estabeleceis entre as duas coisas?
Resposta. – Penso, logo sinto e tenho uma alma, como disse um filósofo. Não sei mais que ele a respeito. Quanto ao perispírito, é uma forma, como sabeis fluídica e natural; mas buscar a alma é querer buscar o absoluto espiritual.
13. Credes que a faculdade de pensar resida no perispírito? Numa palavra, que a alma e o perispírito sejam uma só e mesma coisa?
Resposta. – É absolutamente como se perguntásseis se o pensamento reside no vosso corpo. Um se vê; o outro se sente e se concebe.
14. Assim, não sois um ser vago e indefinido, mas um ser limitado e circunscrito?
Resposta. – Limitado, sim; mas rápido como o pensamento.
15. Quereis indicar o lugar onde estais aqui?
Resposta. – À vossa esquerda e à direita do médium.
Nota. – O Sr. Allan Kardec estava no mesmo lugar indicado pelo Espírito.
16. Fostes obrigado a deixar o vosso lugar para mo ceder?
Resposta. – Absolutamente: nós passamos através de tudo, como tudo passa através de nós; é o corpo espiritual.
17. Assim, estou mergulhado em vós?
Resposta. – Sim.
18. Por que não vos sinto?
Resposta. – Porque os fluidos que compõem o perispírito são muito etéreos, não suficientemente materiais para vós; mas, pela prece, pela vontade, numa palavra, pela fé, os fluidos podem tornar-se mais ponderáveis, mais materiais, e mesmo afetar o tato, o que acontece nas manifestações físicas e é a conclusão deste mistério.
Observação. – Suponhamos um raio luminoso penetrando num local escuro; pode-se atravessá-lo, nele mergulhar, sem lhe alterar a forma nem a natureza. Embora esse raio seja uma espécie de matéria, é tão sutil que não oferece nenhum obstáculo à passagem da matéria mais compacta. Dá-se o mesmo com a coluna de fumaça ou de vapor que, igualmente, pode ser atravessada sem dificuldade. Somente o vapor, por ter mais densidade, produzirá no corpo uma impressão que não produz a luz.
19. Suponhamos que neste momento pudésseis tornar-vos visível aos olhos da assembleia. Que efeitos produziriam nossos dois corpos, um dentro do outro?
Resposta. – O efeito que vós mesmos imaginais, natural-mente; todo o vosso lado esquerdo seria menos visível que o direito; estaria num nevoeiro, no vapor do perispírito; o mesmo ocorreria do lado direito do médium.
20. Suponhamos agora que vos pudésseis tornar não apenas visível, mas tangível, como já aconteceu algumas vezes. Isto poderia acontecer, conservando a situação em que estamos?
Resposta. – Forçosamente eu me mudaria pouco a pouco de lugar; eu me construiria ao vosso lado.
21. Há pouco, quando falei somente da visibilidade, dissestes que estaríeis entre mim e o médium, o que indica que teríeis mudado de lugar. Agora, para a tangibilidade, parece que vos afastais ainda mais. Não seria possível tomardes as duas aparências, conservando nossa posição inicial, eu ficando mergulhado em vós?
Resposta. – Não, absolutamente, já que respondo à pergunta. Eu me reconstruiria ao lado. Não me posso solidificar naquela posição; só posso aí ficar se permanecer fluídico.
Observação. – Dessa explicação
ressalta grave ensina-mento. No estado normal, isto é, fluídico e invisível,
o perispírito é perfeitamente penetrável à matéria sólida; já no estado
de visibilidade há um começo de condensação que o torna menos penetrável,
enquanto no estado de tangibilidade a condensação é completa e a penetrabilidade
não pode mais ocorrer.
22. Credes que um dia a Ciência chegue a submeter o perispírito à apreciação dos instrumentos, como o faz com os outros fluidos?
Resposta. – Perfeitamente. Não conheceis ainda senão a superfície da matéria; mas a sutileza, a essência da matéria, só conhecereis pouco a pouco. A eletricidade e o magnetismo são caminhos certos.
23. Com que outro fluido conhecido o perispírito tem mais analogia?
Resposta. – Com a luz, a eletricidade e o oxigênio.
24. Há aqui uma pessoa que julga ter sido vosso camarada de colégio; não a reconheceis?
Resposta. – Não a vejo; não me lembro.
25. É o Sr. Lucien B…, de Montbrison, † que esteve convosco no colégio de Lyon.
Resposta. – Eu jamais teria pensado em vos encontrar assim. Estudei intensamente na Terra, mas vos asseguro que meus estudos, como Espírito, são ainda mais sérios. Mil vezes obrigado, por vossa lembrança.