1. — Ao Senhor Allan Kardec, em Paris. †
Senhor,
Meu amigo Sr. Viseur, em sua penúltima carta, manifesta-me o desejo que teríeis de conhecer o objetivo e as tendências da Sociedade Espírita que presido no México. É com imenso prazer e a mais viva simpatia por vossas profundas luzes no tocante a esta matéria que vos dirijo esta breve exposição da história do Espiritismo neste país, suplicando não apenas que leveis em consideração a nossa fraca experiência, mas, também, que nos conteis entre vós como fervorosos adeptos.
Muito tempo depois de vós, senhor, tivemos a felicidade de conhecer a suave verdade de que os Espíritos ou almas das pessoas mortas podem comunicar-se com os vivos. Não obstante algumas publicações vindas do Norte, nossa atenção e curiosidade não haviam despertado e não nos havíamos dado ao trabalho de procurar o que entendiam por manifestações espirituais. Foi o vosso O Livro dos Espíritos, felizmente chegado entre nós, que nos abriu os olhos e nos convenceu da realidade dos fatos que se propagam com tanta rapidez em todos os pontos do globo, fazendo-nos compreendê-los. Começamos então a fazer pesquisas e experiências, assumindo a tarefa de, por um trabalho constante, nos adestrarmos para receber as manifestações. Os conselhos que haurimos em vosso excelente livro fizeram-nos conhecer esta grande verdade: após a morte a alma existe e podemos entrar em comunicação com as que nos foram caras na Terra.
Eu não renderia homenagem à verdade se vos dissesse que fomos aqui os primeiros a ter conhecimento das manifestações. Várias pessoas de nossa cidade já se ocupavam delas, o que só soubemos mais tarde. O princípio da reencarnação é o que mais nos surpreendeu, inicialmente; mas as nossas comunicações com os Espíritos de uma ordem que, por sua linguagem, reconhecemos ser superiores, não nos permitiram duvidar de uma crença que tudo prova estar na ordem das coisas e conforme à onipotente justiça de Deus. Um fato que prova a bondade e a superioridade dos Espíritos que nos assistem é que eles restabelecem a saúde dos que sofrem corporalmente e proporcionam calma e resignação às aflições espirituais. A simples lógica nos diz que o bem não poderá vir senão de uma boa fonte; mas seríamos muito presunçosos se nos impuséssemos como campeões capacitados desta sublime doutrina. Cabe a vós, senhor, o direito de nos esclarecer, como provam os trabalhos oriundos do seio de vossa Sociedade.
Formamos uma sociedade composta de membros experimentados na crença espírita e recebemos em sua intimidade todo indivíduo que quer ser esclarecido. As leis fundamentais que nos regem são a unidade de princípios, a fraternidade entre os membros e a caridade para com todos os que sofrem. Eis, senhor, como as ideias espíritas se espalharam neste país e, podemos dizer com satisfação, se propagaram além de nossas esperanças. Caso julgueis conveniente guiar-nos com os vossos bons conselhos, sempre os receberemos com vivo reconhecimento e como um testemunho de simpatia de vossa parte.
Aceitai, etc.
Ch. Gourgues.
2. — No mesmo dia em que nos chegou esta carta do México, † recebemos a seguinte, de Constantinopla:
Constantinopla, † 28 de maio de 1861.
Ao Sr. Allan Kardec, diretor da REVISTA ESPÍRITA.
Senhor,
Permiti-me vir, no meu e no nome pessoal de meus amigos e irmãos espiritualistas desta cidade, oferecer-vos dois singelos presentes, como lembrança, não de pessoas que ainda não conheceis, e que só têm tido a honra de vos conhecer por vossas obras, mas que aceitareis como testemunho dos sentimentos de confraternização, que devem unir os espiritualistas de todos os países. Aceitá-los-eis, também, porque são uma prova dos fenômenos tão sublimes quanto extraordinários do Espiritismo. Aceitareis e lhes dareis a honra de um quadro à nossa boa Sofia, pois é no seu e no nome de sua irmã Angélica que o Espiritismo se desenvolve e se propaga em Constantinopla, esta capital do Oriente, tão emocionante por suas lembranças históricas. Verdadeira Torre de Babel, é a cidade que reúne todas as seitas religiosas, todas as nações, e na qual se falam todas as línguas. Imaginai o Espiritismo se propagando de repente em meio a tudo isto… Que imenso ponto de partida! Somos ainda em reduzido número, mas este número aumenta dia a dia, como se fora uma bola de neve. Espero que, em pouco tempo, seremos contados às centenas.
As manifestações que obtivemos até hoje são o levantamento das mesas, das quais uma, de mais de 100 quilos, ergueu-se como uma pluma acima de nossas cabeças; golpes diretos, batidos por Espíritos; fenômenos de transportes, etc. Estamos ensaiando as aparições de Espíritos, visíveis para todos; conseguiremos? Eles nos prometeram e nós aguardamos. Já temos um grande número de médiuns escreventes; outros fazem desenhos; outros ainda compõem trechos musicais, mesmo quando ignoram essas diferentes artes. Vimos, seguimos e estudamos diversos Espíritos de todos os gêneros e qualidades. Alguns de nossos médiuns têm visões e êxtases; outros, mediunizados, executam árias ao piano, inspirados pelos Espíritos. Duas senhoritas, que jamais viram ou nada leram sobre o magnetismo, magnetizam toda espécie de males, pela ação dos Espíritos, que as fazem agir da maneira mais científica possível.
Eis, senhor, de relance, o que temos feito em matéria de Espiritismo até hoje. Para que melhor possais julgar os nossos trabalhos, no que diz respeito às revelações espirituais, apresentamos o resultado de algumas sessões por intermédio da mesa.
(Seguem-se diversas comunicações morais de ordem muito elevada, cuja leitura a Sociedade ouviu com o mais vivo interesse).
Se julgardes que essas revelações possam interessar à propagação da nova ciência espiritualista, ou espírita – porque para mim, como para meus amigos, o título nada significa, pois nem muda a forma nem o fundo – terei o prazer de vos enviar algumas mensagens instrutivas e concludentes, do ponto de vista da prova das manifestações espirituais.
Em breve todos os espiritualistas da Terra formarão um só feixe, uma só e mesma família. Não somos todos irmãos e filhos do mesmo pai, que é Deus? Eis os primeiros princípios que os espiritualistas devem pregar ao gênero humano, sem distinção de classe, país, língua, seita ou fortuna.
Aceitai, etc.
Repos, Advogado.
3. — Esta carta fazia-se acompanhar de um desenho, representando uma cabeça em tamanho natural, muito bem executado, embora o médium não soubesse desenhar, bem como de um trecho musical, letras, canto e acompanhamento de piano, intitulado Espiritualismo; o conjunto com esta dedicatória: “Oferta em nome dos espiritualistas de Constantinopla ao Sr. Allan Kardec, diretor da Revista Espírita, de Paris.”
No fragmento de música, só o canto e a letra foram obtidos por via mediúnica; o acompanhamento foi feito por um artista.
Se publicássemos todas as cartas de adesão que recebemos, precisaríamos consagrar-lhes volumes e mais volumes. Ver-se-ia repetida, milhares de vezes, uma tocante expressão de reconhecimento à Doutrina Espírita. Muitas dessas cartas, aliás, são bastante íntimas para serem publicadas. As duas que reproduzimos acima têm um interesse geral, como prova da expansão que, por todos os lados, toma o Espiritismo, e do ponto de visto sério sob o qual é, agora, encarado, muito longe, como se vê, do entretenimento das mesas girantes. Por toda parte compreendem-lhe as consequências morais e o consideram como a base providencial das reformas prometidas à Humanidade. Sentimo-nos felizes por dar assim um testemunho de simpatia e de encorajamento aos nossos confrades distantes. Este laço, que já existe entre os espíritas dos diferentes pontos do globo, e que não se conhecem senão pela conformidade da crença, não é um sintoma do que será mais tarde? Esse laço é uma consequência natural dos princípios que decorrem do Espiritismo; só pode ser rompido pelos que lhe desconhecem a lei fundamental: a caridade para com todos.