Lê-se no Oxford Chronicle [1837-1929], de 1º de junho de 1861:
“Em 1828 um navio que fazia viagens e Liverpool † a New-Brunswick † tinha como oficial substituto o Sr. Robert Bruce. Estando perto dos bancos na Terra-Nova, o capitão e o seu imediato calculavam um dia de sua rota, o primeiro em sua cabina e o outro na câmara ao lado. As duas peças eram dispostas de modo que eles podiam ver-se e falar-se. Bruce, absorvido em seu trabalho, não percebeu que o capitão havia subido para a ponte; sem olhar, lhe disse: “Encontro tal longitude; como está a vossa?” Não obtendo resposta, repete a pergunta, mas inutilmente. Então avança em direção à porta da cabina e vê um homem sentado no lugar do capitão e escrevendo numa ardósia. O indivíduo se volta, olha Bruce fixamente e este, terrificado, lança-se para a ponte. — Capitão, disse ele assim que o alcançou, quem é que neste momento está à vossa escrivaninha na cabina? — Mas ninguém, presumo. — Eu vos garanto que há um estranho. — Um estranho! Sonhais Sr. Bruce; Quem ousaria meter-se em minha secretária sem minhas ordens? Talvez tenhais visto o contramestre ou o intendente. — Senhor, trata-se de um homem sentado em vossa poltrona e escrevendo em vossa ardósia. Ele me olhou na cara e eu o vi distintamente, ou jamais vi alguém neste mundo. — Ele! quem? — Só Deus o sabe, senhor! Eu vi esse estranho que, em minha vida, jamais houvera visto em qualquer parte. — Vós vos tornastes louco, Sr. Bruce. Um estranho! e lá se vão seis semanas que estamos no mar. — Eu sei; contudo o vi. — Muito bem! Ide ver quem é: — Capitão, sabeis que não sou um poltrão; não creio em aparições; entretanto, confesso que não desejaria vê-lo só e de frente. Gostaria que fôssemos ambos. O capitão desceu primeiro, mas não encontrou ninguém. — Vede bem, disse ele, que sonhastes. — Não sei como é isto, mas juro que há pouco ele estava lá e escrevia em vossa ardósia. — Neste caso, deve haver algo escrito nela. Tomou a ardósia e leu estas palavras: Dirigi para o noroeste. Tendo feito Bruce escrever as mesmas palavras, assim como todos os homens da tripulação que sabiam escrever, constatou o capitão que a letra da ardósia não se assemelhava à de nenhum deles. Procuraram por todos os cantos do navio e não descobriram nenhum estranho. Tendo consultado para saber se devia seguir o conselho misterioso, o capitão resolveu mudar de direção e navegou para noroeste, depois de ter posto como vigia um homem de confiança. Por volta das três horas foi assinalado um bloco de gelo, depois um navio desmastreado sobre o qual havia vários homens. Aproximando mais, soube-se que o navio estava quebrado, as provisões esgotadas, a tripulação e os passageiros esfomeados. Enviaram barcos para os recolher. Mas no momento em que chegaram.a bordo, o Sr. Bruce, para sua grande estupefação, reconheceu entre os náufragos o homem que tinha visto na cabina do capitão. Logo que foi acalmada a confusão e o navio retomou sua rota, o Sr. Bruce disse ao capitão: Parece que não foi um Espírito que vi hoje; ele está vivo; o homem que escrevia em vossa ardósia é um dos passageiros que acabamos de salvar. Ei-lo. Eu juraria perante a justiça.
“Dirigindo-se ao referido homem, o capitão o convidou a descer à sua cabina e lhe pediu que escrevesse na ardósia, do lado oposto àquele onde se achava a escrita misteriosa: Dirigi para o noroeste. Intrigado por esse pedido, o passageiro, entretanto, com ele se conformou. Tomando a ardósia, o capitão virou-a, sem nada transparecer no semblante, e, mostrando ao passageiro as palavras escritas antes, disse-lhe: — É mesmo a vossa letra? — Sem dúvida, pois acabo de escrever diante de vós. — E esta aqui? acrescentou, mostrando o outro lado. — Também é a minha letra; mas não sei como aconteceu isto, pois só escrevi de um lado. — Meu substituto, aqui presente, julga vos ter visto hoje, ao meio-dia, sentado a esta mesa e escrevendo estas palavras. — É impossível, porque só há poucos instantes me trouxeram para este navio.
“O capitão do navio naufragado, interrogado sobre este homem e sobre o que se teria passado de extraordinário com ele, pela manhã, respondeu: — Não o conheço senão como um de meus passageiros; mas pouco antes do meio-dia ele caiu num sono profundo, do qual só saiu depois de uma hora. Durante o sono ele exprimiu a confiança de que logo iríamos ser resgatados, dizendo que se via a bordo de um navio, cuja espécie e enxárcia descreveu, em tudo conforme ao que tivemos à vista alguns momentos depois. O passageiro acrescentou que não se lembrava de haver sonhado, nem de ter escrito o que quer que fosse, mas apenas que conservara, ao despertar, um pressentimento que não sabia explicar, de que um navio lhes viria em socorro. Uma coisa estranha, disse ele, é que tudo quanto está neste navio me parece
familiar e, entretanto, estou certo de jamais o ter visto. Acerca disso o Sr. Bruce lhe contou as circunstâncias da aparição que havia tido e eles concluíram que o fato era providencial.”
Esta história é perfeitamente autêntica. O Sr. Robert Dale Owen, † antigo ministro dos Estados Unidos em Nápoles, que igualmente a relata em sua obra, cercou-se de todos os documentos que pudessem constatar a sua veracidade. Perguntamos se ela possui alguns dos caracteres da alucinação! Que a esperança, que jamais abandona os infelizes, tenha seguido o passageiro em seu sono e lhe tenha feito sonhar que lhes vinham socorrer, compreende-se. A coincidência do sonho com o socorro podia ainda ser um efeito do acaso; mas como explicar a descrição do navio? Quanto ao Sr. Bruce, ele está certo de que não sonhava. Se a aparição fosse uma ilusão, como explicar essa semelhança com o passageiro? Se ainda fosse o acaso, a escrita na ardósia é um fato material. De onde vinha o conselho, dado por esse meio, de navegar na direção dos náufragos, contrariando a rota seguida pelo navio? Que os defensores da alucinação tenham a bondade de dizer como, com o seu sistema exclusivo, poderão dar a razão de todas essas circunstâncias. Nos fenômenos espíritas provocados eles têm o recurso de dizer que há trapaça; mas aqui é pouco provável que o passageiro tenha representado uma comédia. É nisto que os fenômenos espontâneos, quando apoiados em testemunhos irrecusáveis, são de grande importância, por não se poder suspeitar de nenhuma conivência.
Para os espíritas, este fato nada tem de extraordinário, porque o compreendem.
Aos olhos dos ignorantes parecerá sobrenatural, maravilhoso. Para quem
conhece a teoria do perispírito, da emancipação da alma nos vivos, ele
não sai das leis da Natureza. Um crítico divertiu-se muito com a
história do homem da tabaqueira, relatada na Revista de março de 1859,
dizendo que era efeito da imaginação da mulher doente. Que tem ela de
mais impossível que esta? Os dois fatos explicam-se exatamente pela
mesma lei que rege as relações entre o Espírito e a matéria. Além disso,
perguntamos a todos os espíritas que estudaram a teoria dos fenômenos
se, lendo o fato que acabamos de referir, sua atenção não foi imediatamente
conduzida sobre a maneira pela qual deve ter-se produzido; se não encontraram
a explicação; se, com tal explicação não concluíram pela possibilidade
e se, em consequência dessa possibilidade, não se interessaram mais
do que se o devessem aceitar apenas pelos olhos da fé, sem acrescentar
o assentimento da inteligência? Os que nos censuram por havermos dado
esta teoria [v. Teoria
das manifestações físicas;] se esquecem de que ela é o resultado
de longos e pacientes estudos que, como nós, eles poderiam ter feito,
trabalhando tanto quanto o temos feito e fazemos todos os dias; que,
dando os meios de compreender os fenômenos, nós lhes demos uma base,
uma razão de ser, que silenciaram mais de um crítico e contribuíram,
em grande parte, para a propagação do Espiritismo, considerando que
se aceita com mais boa vontade aquilo que se compreende do que aquilo
que não se compreende.