O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano III — Novembro de 1860.

(Idioma francês)

Homero. n

(Sumário)


1. — Estamos há muito tempo em contato com dois médiuns de Sens,  †  tão distintos por suas faculdades, quanto recomendáveis por sua modéstia, devotamento e pureza de intenções. Evitaríamos dizê-lo se não os soubéssemos inacessíveis ao orgulho, essa pedra de tropeço de tantos médiuns, contra a qual vieram quebrar-se tantas disposições felizes. É uma qualidade bastante rara, que merece assinalada. Pudemos assegurar-nos pessoalmente das simpatias que eles desfrutam entre os bons Espíritos; mas, longe de se prevalecerem disso, longe de se julgarem os únicos intérpretes da verdade, sem se deixarem ofuscar pelos nomes imponentes, aceitam com toda humildade e com prudente reserva as comunicações que recebem, sempre as submetendo ao controle da razão. É o único meio de desencorajar os Espíritos enganadores, sempre à espreita das pessoas dispostas a crer, sob palavra, em tudo quanto vem do mundo dos Espíritos, contanto que traga a assinatura de um nome respeitável. Aliás, eles nunca receberam comunicações frívolas, triviais, grosseiras ou ridículas, e jamais algum Espírito tentou inculcar-lhes ideias excêntricas ou impor-se como regulador absoluto. E o que tudo isso prova ainda mais em favor dos Espíritos que os assistem são os sentimentos de real benevolência e verdadeira caridade cristã, que esses Espíritos inspiram aos seus protegidos. Tal a impressão que nos ficou do que vimos, e nos sentimos felizes de proclamar.

No interesse da conservação e do aperfeiçoamento de sua faculdade, fazemos votos por que jamais caiam no engano dos médiuns que se julgam infalíveis. Não há um só que se possa vangloriar de jamais ter sido enganado. As melhores intenções não garantem sempre e, muitas vezes, são uma prova para exercitar o julgamento e a perspicácia. Mas, a respeito dos que têm a infelicidade de se julgarem infalíveis, os Espíritos enganadores são muito habilidosos para os aproveitar; fazem o que fazem os homens: exploram todas as fraquezas.

No número das comunicações que esses senhores nos enviaram, a seguinte, assinada por Homero, embora não apresente nada de excepcional quanto às ideias, pareceu-nos merecer particular atenção, em virtude de um fato notável que pode, até certo ponto, ser considerado como prova de identidade. Esta comunicação foi obtida espontaneamente e sem que o médium de forma alguma pensasse no poeta grego. Provocou diversas perguntas que também julgamos dever reproduzir.


2. — Certo dia o médium escreveu o que se segue, sem saber quem lho ditava:

“Meu Deus! como são profundos os vossos desígnios e impenetráveis as vossas vistas! Em todos os tempos os homens têm procurado a solução de uma multidão de problemas que não se acham ainda resolvidos. Eu também o procurei em toda a minha vida e fui incapaz de resolver o que de todos parece o mais simples: o mal, aguilhão de que vos servis para impelir o homem a fazer o bem por amor. Ainda muito jovem, conheci os maus-tratos que os homens fazem sofrer uns aos outros, sem premeditação, como se para eles o mal fosse um elemento natural; entretanto, não é assim, uma vez que todos tendem para o mesmo fim, que é o bem. Degolam-se uns aos outros e, ao despertarem, reconhecem que feriram um irmão! Mas são os vossos decretos, não nos competindo mudá-los; só temos o mérito ou o demérito de haver resistido mais ou menos à tentação e, como sanção de tudo isto, o castigo ou a recompensa.

“Passei a juventude nos alagados de Mélèrn banhei-me e embalei-me muitas vezes em suas ondas. Daí por que, na minha juventude, eu era chamado de Melesigênio.”


1. Sendo este nome desconhecido, rogamos ao Espírito que se dignasse explicá-lo de maneira precisa.

Resposta. – Minha mocidade foi embalada nas ondas; a poesia me deu cabelos brancos. Sou eu a quem chamais Homero.


Observação. – Grande foi a nossa surpresa, pois não fazíamos nenhuma ideia do sobrenome de Homero; depois o encontramos no dicionário mitológico. Continuamos as perguntas.


2. Poderíeis dizer a que devemos a felicidade de vossa visita espontânea? Não pensávamos absolutamente em vós, neste momento, pelo que vos pedimos perdão.

Resposta. – É porque venho às vossas reuniões, como se vai sempre aos irmãos que têm em vista fazer o bem.


3. Se não for ousar bastante, gostaríamos que falásseis dos últimos momentos de vossa vida na Terra.

Resposta. – Oh! meus amigos, Deus permita que não morrais tão infelizes quanto eu! Meu corpo feneceu na última das misérias humanas; a alma fica muito perturbada em tal estado; o despertar é mais difícil, mas é, também, mais belo. Oh! como Deus é grande! que ele vos abençoe! eu o peço do fundo do coração.


4. Os poemas da Ilíada  †  e da Odisseia,  †  que temos, são exatamente os que compusestes?

Resposta. – Não; foram modificados.


5. Várias cidades disputaram a honra de vos ter sido o berço. Poderíeis esclarecer-nos a respeito?

Resposta. – Procurai a cidade da Grécia que possui a casa do cortesão Clénax. Foi ele quem expulsou minha mãe do lugar de meu nascimento, porque ela não queria ser sua amante; assim, sabereis em que cidade eu nasci. Sim, elas disputaram essa suposta honra, mas não disputavam por me haverem dado hospitalidade. Oh! eis os pobres humanos; sempre futilidades; bons pensamentos, jamais!


Observação. – O fato mais importante desta comunicação é a revelação do sobrenome de Homero; e é tanto mais notável quanto os dois médiuns, que deploram a insuficiência de sua instrução – o que os obriga a viver do trabalho manual – não podiam ter a menor ideia a respeito. E tanto menos se pode atribuí-lo a um reflexo qualquer do pensamento, considerando-se que no momento estavam sós.

A respeito, faremos outra observação: Está provado, para todo espírita, mesmo para os menos experientes, que se alguém soubesse o sobrenome de Homero e, numa evocação, como prova de identidade, lhe pedisse para o revelar, nada obteria. Se as comunicações não passassem de um reflexo do pensamento, como não diria o Espírito aquilo que sabemos, enquanto ele próprio diz aquilo que ignoramos? É que ele também tem a sua dignidade e a sua susceptibilidade e quer provar que não está às ordens do primeiro curioso que apareça. Suponhamos que aquele que mais protesta contra o que chama capricho ou má vontade do Espírito, se apresente numa casa declinando o nome. Que faria, se o acolhessem e lhe pedissem à queima-roupa que provasse ser ele mesmo? Voltaria as costas. É o que fazem os Espíritos. Isto não quer dizer que se deva crer sob palavra; mas quando se querem provas de identidade, é necessário que os tratemos com a mesma consideração que dispensamos aos homens. As provas de identidade fornecidas espontaneamente pelos Espíritos são sempre as melhores.

Se nos estendemos tanto a propósito de um assunto que não parecia comportar tantas considerações, é que se me afigura útil não negligenciar nenhuma ocasião de chamar a atenção sobre a parte prática de uma ciência cercada de mais dificuldades do que geralmente se pensa, e que muitas pessoas julgam possuir porque sabem fazer bater uma mesa ou mover-se um lápis. Aliás, nós nos dirigimos aos que ainda julgam necessitar de alguns conselhos, e não aos que, após alguns meses de estudo, pensam não mais necessitá-los. Se os conselhos, que julgamos dever dar, forem perdidos para alguns, sabemos que não o serão para todos e que muitas pessoas os acolherão com prazer…



[1] [v. Homero.]


[2] N. do T.: Grifos nossos – roseaux du Mélèr – No contexto corresponde a uma região alagada onde vicejam plantas aquáticas semelhantes à cana-da-índia.


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