1. — Escrevem-nos de Gramat (Lot): †
“Numa casa da aldeia de Coujet, comuna de Bastit (Lot), † ruídos extraordinários são ouvidos há cerca de dois meses. A princípio eram golpes secos e muito semelhantes ao choque de uma clava no assoalho, ouvidos de todos os lados: sob os pés, sobre a cabeça, nas portas, nos móveis; logo depois as passadas de um homem descalço e o tamborilar de dedos nas vidraças. Os moradores da casa ficaram amedrontados e mandaram rezar missas; a população, inquieta, se dirigia à aldeia e ouvia. A polícia interveio e realizou vários inquéritos mas o barulho aumentou. Em breve as portas eram abertas, os objetos derrubados, as cadeiras arremessadas contra a escada, os móveis transportados do andar inferior para o sótão. Tudo quanto relato, atestado por grande número de pessoas, se passou em pleno dia. A casa não é um casebre antigo, sombrio e enegrecido, cujo aspecto faz sonhar com fantasmas; trata-se de uma casa recentemente construída e risonha; os proprietários são boas pessoas, incapazes de querer enganar e morrem de medo. Entretanto, muitas vezes pensam que ali nada existe de sobrenatural, procurando explicar, tudo quanto se passa de extraordinário, pela física ou pelas más intenções, que atribuem aos moradores da casa. Eu, que vi e acreditei, resolvi dirigir-me a vós para saber quais são os Espíritos que fazem esse barulho e conhecer o meio, caso exista, de os silenciar. É um serviço que prestaríeis a essa boa gente, etc.…”
2. — Os fatos dessa natureza não são raros; todos se assemelham mais ou menos e em geral não diferem senão pela intensidade ou pela maior ou menor tenacidade. Quando se limitam a alguns ruídos sem maior consequência não causam inquietação, mas quando adquirem certa proporção transformam-se em verdadeira calamidade. Pergunta nosso honrado correspondente quais são os Espíritos que fazem esse barulho. A resposta não deixa dúvida: os Espíritos de ordem muito inferior são os únicos culpados. Os Espíritos superiores, assim como entre nós os homens graves e sérios, não se divertem em fazer algazarra. Muitas vezes os chamamos para perguntar-lhes a razão que assim os impele a perturbar o repouso alheio. A maioria não tem outro objetivo senão divertir-se. São antes Espíritos levianos do que maus, que sorriem dos temores que ocasionam e das pesquisas inúteis que são feitas para descobrir a causa do tumulto que provocam. Frequentemente se obstinam junto a um indivíduo, comprazendo-se em o vexar e perseguindo-o de casa em casa; de outras vezes se vinculam a um lugar sem qualquer motivo, a não ser por capricho. Por vezes também é uma vingança que exercem, como teremos ocasião de ver. Em certos casos sua intenção é mais louvável: querem chamar a atenção e estabelecer contato, seja para dar um aviso útil à pessoa a quem se dirigem, seja para solicitar algo para si mesmos. Muitas vezes presenciamos alguns deles a pedir preces, outros a solicitar o cumprimento, em seu nome, de promessas que não puderam pagar; e, finalmente, no interesse de seu próprio repouso, outros querendo reparar uma ação má, cometida quando viviam entre nós.
3. — Em geral não há razão para nos amedrontarmos; sua presença pode ser importuna mas não oferece perigo. Compreende-se, aliás, que tenhamos desejo de nos desembaraçarmos deles; todavia, fazemos exatamente o contrário do que deveríamos fazer. Se são Espíritos que se divertem, quanto mais levamos a coisa a sé-rio, mais eles persistem, como crianças travessas que incomodam tanto mais quanto mais veem que nos impacientamos, e que metem medo nos pusilânimes. Se tomássemos o sábio partido de rir de suas traquinadas, acabariam por se cansar e nos deixariam em paz. Conhecemos alguém que, longe de se irritar, os excitava, desafiando-os a fazer tal ou qual coisa, de modo que ao fim de alguns dias eles não mais apareceram. Porém, como já havíamos dito, existem outros cujo motivo é menos frívolo. Eis por que é sempre útil saber o que eles querem. Se pedem alguma coisa, estejamos certos de que suas visitas cessarão assim que seu desejo for satisfeito. A melhor maneira de nos instruirmos a esse respeito é evocar o Espírito através de um bom médium escrevente. Por suas respostas veremos imediatamente com quem estamos lidando e, em consequência, como poderemos agir; se é um Espírito infeliz, manda a caridade que o tratemos com os cuidados que merece. Se for um brincalhão de mau gosto, poderemos agir sobre ele à vontade; se for malévolo, é preciso pedir a Deus que o torne melhor. Em todo caso, a prece só poderá dar bons resultados. Entretanto, a gravidade das fórmulas de exorcismo os faz rir e não são levadas em nenhuma consideração. Se pudermos entrar em comunicação com eles, precisamos desconfiar das qualificações burlescas ou assustadoras que se dão algumas vezes, a fim de se divertirem com a nossa credulidade.
Em muitos casos a dificuldade consiste em ter um médium à disposição. É preciso,
então, que procuremos nos tornar um deles ou interrogar o Espírito diretamente,
de acordo com os preceitos que oferecemos em nossas Instruções
Práticas sobre as Manifestações. [v. Livro
dos Médiuns.]
Esses fenômenos, embora executados por Espíritos inferiores, muitas vezes são provocados por Espíritos de ordem mais elevada, com o fim de nos convencer da existência de seres incorpóreos e de um poder superior ao do homem. A repercussão daí resultante, o próprio medo que causam chamam atenção e terminarão por abrir os olhos dos mais incrédulos. Estes últimos acham mais fácil reduzir tais fenômenos ao plano da imaginação, explicação aliás muito cômoda e que dispensa outras. Entretanto, quando os objetos são revirados ou atirados à nossa cabeça seria necessária uma imaginação muito complacente para se supor que tais coisas acontecessem, quando de fato não acontecem. Se observamos um efeito qualquer, esse efeito necessariamente tem uma causa. Se uma fria e calma observação nos demonstra que esse efeito independe de toda vontade humana e de qualquer causa material; se, além disso, dá-nos sinais evidentes de inteligência e de livre vontade, o que constitui o sinal mais característico, somos então forçados a atribuí-lo a uma inteligência oculta. Quais são esses seres misteriosos? É o que os estudos espíritas nos ensinam da maneira mais peremptória, pelo meio que nos oferece de com eles entrarmos em comunicação. Além disso, esses estudos nos ensinam a separar o que é real daquilo que é falso ou exagerado, nos fenômenos cujas causas não percebemos. Se se produz um efeito insólito: ruído, movimento, a própria aparição, o primeiro pensamento que devemos ter é que se deva a uma causa natural, por ser mais provável. É preciso então pesquisar essa causa com o maior cuidado e não admitir a intervenção dos Espíritos senão com conhecimento de causa. É o único meio de não nos iludirmos.