Das
reuniões. (2.)
— Do local. (3.)
— Das evocações. (4.)
— Espíritos que se podem evocar. (5.)
— Linguagem de que se deve usar com os Espíritos. (6.)
— Das perguntas que se podem fazer aos Espíritos. (7.)
— Médiuns pagos. (8.) |
1. A maneira de nos pormos em comunicação com os Espíritos não é um dos pontos de somenos importância. Se considerarmos a distância que separa as duas extremidades da Escala Espírita, compreenderemos sem esforço a necessidade de certas cautelas, segundo a classe dos Espíritos e seus hábitos. Não basta que estejamos em boas condições; precisamos ainda conhecer a marcha mais favorável para alcançar o objetivo com mais segurança. Teremos, pois, que examinar aquela que convém seguir para as reuniões, para as evocações, a linguagem a ser utilizada com os Espíritos e a natureza das perguntas que lhes podemos dirigir.
2. Estamos nos referindo às reuniões que têm um objetivo sério. Quanto às realizadas com vistas ao divertimento e à curiosidade, nós as deixamos entregues a si mesmas; plena liberdade aos assistentes de solicitarem que se lhes desvendem o futuro, de nelas discutirem seus pequenos segredos: eles terão, previamente, a certeza de haver empregado bem o seu dinheiro. Faremos notar, todavia, que essas reuniões frívolas têm um grave inconveniente: é que certas pessoas podem tomar a sério o que, na maioria das vezes, não passa de um gracejo da parte dos Espíritos levianos, que se divertem à custa dos que lhes dão ouvidos. Quanto às pessoas que jamais viram o que quer que fosse, não é aí que devem receber as primeiras lições, nem haurir convicções; poderiam iludir-se singularmente sobre a natureza dos seres que compõem o mundo espírita, mais ou menos como quem julgasse toda a população de uma grande cidade pelos habitantes de seus subúrbios.
Por tudo quanto temos dito, compreende-se que o silêncio e o recolhimento são condições de primeira ordem. Contudo, não menos importante é a regularidade das reuniões. Em todas elas acorrem Espíritos que podemos chamar de fregueses habituais e, como tais, não nos estamos referindo a esses Espíritos que se encontram por toda parte e em tudo se intrometem. Ou são Espíritos familiares, ou se trata daqueles a quem interrogamos habitualmente. Não devemos supor que esses Espíritos não tenham outra coisa a fazer senão nos escutar. Eles têm suas ocupações e, além disso, podem encontrar-se em condições desfavoráveis para serem evocados. Quando as reuniões se realizam em dias e horas fixos, os Espíritos ajustam os seus horários e é raro que faltem. Alguns levam mesmo a pontualidade ao excesso; ofendem-se por um atraso de quinze minutos, e se marcam, eles próprios, um determinado horário, será inútil evocá-los alguns minutos mais cedo. Fora das horas consagradas, eles podem vir, sem dúvida, e vêm mesmo de bom grado, se o objetivo for útil. Contudo, nada é mais prejudicial às boas comunicações do que chamá-los a torto e a direito, movidos pela fantasia e, sobretudo, sem motivo sério. Como não são obrigados a submeter-se aos nossos caprichos, poderiam muito bem não se dar ao incômodo e é então, principalmente, que outros podem tomar-lhes o lugar e o nome.
Não há hora cabalística para as evocações. A escolha é, pois, completamente indiferente. As melhores são aquelas em que as ocupações temporais proporcionam mais calma e repouso. Os Espíritos que prescrevessem, para uma coisa qualquer, as horas que, nos contos fantásticos, são consagradas aos seres infernais, seriam, sem dúvida alguma, Espíritos mistificadores. Dá-se o mesmo em relação aos dias em que a superstição atribui uma influência imaginária.
Também nada se oporia a que as reuniões fossem diárias. Mas haveria um inconveniente, em razão de sua frequência demasiado intensa. Se os Espíritos censuram o apego exagerado às coisas deste mundo, recomendam que não negligenciemos os deveres que nos impõe a nossa posição social. Isto faz parte de nossas provações. Aliás, em favor da saúde do corpo, nosso próprio Espírito não deve se dedicar inteiramente a um objetivo único, sobretudo às coisas abstratas. Sua atenção é mais intensa quando não está fatigado. As reuniões hebdomadárias ou bissemanais são suficientes. Realizam-se com mais solenidade e recolhimento quando não são demasiado próximas. Falamos das sessões em que nos ocupamos de um trabalho regular e não das que um médium principiante consagra aos exercícios necessários para desenvolver-se; estas não são, a bem dizer, sessões, mas lições, que darão resultados tanto mais rápidos quanto mais multiplicadas forem. Uma vez, porém, desenvolvida a faculdade, é essencial não abusar dela, pelos motivos que acabamos de expor. A satisfação que a posse dessa faculdade proporciona a certos iniciantes excita, em alguns deles, um entusiasmo que é muito importante moderar. Devem ter em mente que ela lhes é dada para o bem e não para satisfazer à vã curiosidade. E quando dizemos o bem, entendemos o de nossos semelhantes e não apenas o nosso próprio. Tanto o médium que deseja entreter relações sérias com os Espíritos deve evitar prestar-se à curiosidade de amigos e conhecidos que vierem importuná-lo com perguntas ociosas, quanto deve prestar um concurso solícito e desinteressado no que concerne às coisas úteis. Proceder de outra forma seria agir egoisticamente, e o egoísmo é um vício.
3. Também não há lugares fatídicos para as comunicações espíritas. Deve-se mesmo evitar os que, por sua natureza, forem capazes de impressionar a imaginação. Os bons Espíritos vão a toda parte onde um coração puro os solicita para o bem, e os maus não têm predileção senão pelos locais onde encontram simpatias. Os cemitérios exercem mais influência sobre o nosso pensamento do que sobre os Espíritos e a experiência demonstra que estes visitam tanto o quarto mais simples e sem qualquer aparato diabólico, quanto os túmulos e capelas em ruínas, em pleno dia como ao luar.
Se a escolha do local é indiferente, não se deve mudá-lo sem necessidade. O fluido vital de cada Espírito, errante ou encarnado é, de certo modo, um foco que irradia em seu redor pelo pensamento. Compreende-se, pois, que num local habitual deve haver um eflúvio desse fluido que, a bem dizer, forma uma atmosfera moral com a qual os Espíritos se identificam. Um local exclusivamente consagrado a essas práticas e que não fosse profanado por preocupações vulgares seria o endereço preferido, pois que se constituiria num verdadeiro santuário, de onde estariam excluídos os maus Espíritos; além disso, os elementos da atmosfera moral aí não estariam tão misturados como num lugar comum.
A melhor disposição material é a que se revela mais cômoda e que pode ocasionar menos perturbações e distrações. Quanto aos objetos que servem de decoração, tudo quanto possa elevar o pensamento e lembrar o assunto de que nos ocupamos é útil. Fique claro, porém, que toda disposição ou ornamentação que faça lembrar a magia é absurda, dizemos mesmo perigosa, pelas ideias supersticiosas que, necessariamente, deve alimentar. Repetimos aqui o que dissemos antes a respeito das horas: os Espíritos que recomendam coisas desse gênero, ou quaisquer práticas místicas, são Espíritos inferiores que se divertem com a credulidade ou que se encontram, talvez, sob o império das ideias que tinham em vida. Dissemos, e nunca seria demais repeti-lo: para os Espíritos Superiores, o pensamento é tudo, a forma nada é. É pelos bons pensamentos que os atraímos e não por fórmulas inúteis. Os que ligam importância às coisas materiais provam, por isso mesmo, que ainda se acham sob a influência da matéria. Se, em outros tempos, a evocação era cercada de mistérios e símbolos, é porque queriam ocultá-la do vulgo e dar-lhe importância aos olhos dos ignorantes. Hoje a luz se faz para todo o mundo e seria inútil cobri-la com um velador.
Tudo quanto dissemos das reuniões que tratam de comunicações espíritas, aplica-se naturalmente às comunicações individuais, razão por que não faremos menção especial a elas. O mesmo ocorrerá com o que ainda nos resta examinar. Tomamos por modelo as reuniões, já que encerram condições mais complexas, das quais cada um poderá tirar partido e aplicá-las aos casos particulares. Acrescentaremos que as reuniões, quando realizadas em boas condições, têm a vantagem de contar com muitas pessoas, que, unidas por um pensamento comum, dispõem de maior força para atrair os bons Espíritos, os quais apreciam encontrar-se num meio simpático, onde podem difundir a luz através de seus ensinos. Entretanto, há circunstâncias em que eles preferem, e mesmo prescrevem, as comunicações isoladas. O que temos de melhor a fazer, nesse caso, é nos conformarmos com o seu desejo.
4. Pensam algumas pessoas que devemos abster-nos de evocar tal ou qual Espírito, sobretudo quando se trata de ensinos gerais, e que é preferível esperar o que quiser comunicar-se. Fundam-se em que, chamando determinado Espírito, não podemos assegurar-nos de ser ele quem se apresente, ao passo que aquele que vem espontaneamente, e de moto próprio, prova melhor sua identidade, pois que evidencia melhor o desejo que tem de se entreter conosco.
Em nossa opinião, isto é um erro. Primeiramente, porque há sempre Espíritos em torno de nós, as mais das vezes de condição inferior, que não desejam outra coisa senão comunicar-se. Em segundo lugar, e mesmo por esta última razão, não chamar nenhum em particular é abrir a porta a todos os que queiram entrar. Numa assembleia, não dar a palavra a ninguém é deixá-la livre a toda gente e sabe-se o que daí resulta. A chamada direta de determinado Espírito constitui um laço entre ele e nós; chamamo-lo pelo nosso desejo e opomos assim uma espécie de barreira aos intrusos, que, igualmente, podem induzir-nos em erro quanto à sua identidade. Sem uma chamada direta, um Espírito não teria, muitas vezes, nenhum motivo de vir a nós, a menos que seja o nosso Espírito familiar. Aliás, prova a experiência que, em qualquer situação, a evocação é preferível. Quanto à questão de identidade, dela falaremos logo mais.
Esta regra, todavia, não é absoluta. Nas reuniões regulares, principalmente naquelas em que nos ocupamos de um trabalho contínuo, há sempre, como dissemos, Espíritos que a frequentam assiduamente, os quais se acham presentes sem serem chamados, prevenidos que estão em razão da regularidade das sessões. Muitas vezes eles tomam espontaneamente a palavra para prescrever o que devemos fazer, ou para desenvolver um assunto da conversa; neste caso, é fácil reconhecê-los, quer pela forma da linguagem, que é sempre idêntica, quer por certos hábitos que lhes são peculiares, quer, enfim, pelos próprios nomes que indicam, ora no começo, ora no final da sessão.
Quanto aos Espíritos estranhos, a maneira de evocá-los é das mais simples: não há fórmula sacramental ou mística. Basta fazê-lo em nome de Deus, nos termos seguintes ou em outros equivalentes: Eu rogo a Deus Todo-Poderoso que permita ao Espírito… (designá-lo com precisão) comunicar-se conosco; ou então: Em nome de Deus Todo-Poderoso, peço ao Espírito… que se digne comunicar-se conosco. Se ele puder vir, obtém-se, geralmente, em resposta: Sim; ou: Aqui estou! Ou ainda: Que desejas?
Às vezes nos surpreendemos com a prontidão com que um Espírito evocado se apresenta, mesmo da primeira vez: dir-se-ia que estava prevenido. É, com efeito, o que ocorre quando nos preocupamos, de antemão, com a sua evocação. Esta preocupação é uma espécie de evocação antecipada e, como temos sempre conosco os nossos Espíritos familiares ou outros que se identificam com o nosso pensamento, eles preparam os caminhos de tal sorte que, se não surge nenhum obstáculo, o Espírito que desejamos chamar já se acha presente ao ser evocado. Em caso contrário, é o Espírito familiar do médium, ou o do interrogante, ou, ainda, um dos que costumam frequentar as reuniões que o vai buscar e, para isso, não lhe é preciso muito tempo. Se o Espírito evocado não pode vir de pronto, o mensageiro — Mercúrio, diriam os pagãos — marca um prazo, algumas vezes de cinco minutos, um quarto de hora, uma hora ou mesmo vários dias. Quando chega diz: Ele está aqui! Podem então começar a ser feitas as perguntas que lhe queiramos dirigir.
Quando dizemos que se faça a evocação em nome de Deus, queremos que a nossa recomendação seja tomada a sério e não levianamente. Os que nisso vejam apenas o emprego de uma fórmula sem consequência, melhor farão em abster-se.
5. Podemos evocar todos os Espíritos, seja qual for o grau em que se encontrem na escala espiritual: tanto os bons, como os maus, os que deixaram a vida há pouco tempo, como os que viveram nas épocas mais remotas, os que foram homens ilustres, como os mais obscuros, os nossos parentes e amigos, como os que nos são indiferentes. Isto, porém, não quer dizer que eles sempre queiram ou possam responder ao nosso apelo. Independentemente de sua vontade pessoal, ou da permissão, que lhes pode ser recusada por uma potência superior, é possível que se achem impedidos de o fazer, por motivos que nem sempre nos é dado penetrar.
Entre as causas que podem opor-se à manifestação de um Espírito, umas lhe são pessoais e outras, estranhas. Entre as primeiras, devem colocar-se as ocupações ou missões que ele esteja desempenhando, e das quais não pode afastar-se, para ceder aos nossos desejos. Neste caso, sua visita fica apenas adiada.
Há também a sua própria situação. Se bem que o estado de encarnação não seja um obstáculo absoluto, pode representar um impedimento, em certas ocasiões, sobretudo quando ela se dá nos mundos inferiores e quando o próprio Espírito está pouco desmaterializado. Nos mundos superiores, naqueles em que os laços entre o Espírito e a matéria são muito fracos, a manifestação é quase tão fácil quanto no estado errante e, em todo caso, mais fácil do que nos mundos onde a matéria corpórea é mais compacta.
As causas estranhas residem principalmente na natureza do médium, na da pessoa que evoca, no meio em que se faz a evocação e, enfim, no objetivo que se tem em vista. Alguns médiuns recebem mais particularmente comunicações de seus Espíritos familiares, que podem ser mais ou menos elevados; outros são aptos de servir de intermediários a todos os Espíritos, dependendo isto da simpatia ou da antipatia, da atração ou da repulsão que o Espírito pessoal do médium exerce sobre o Espírito estranho, o qual pode tomá-lo por intérprete, com prazer ou com repugnância. Isto também depende, abstração feita das qualidades íntimas do médium, do desenvolvimento da faculdade mediúnica. Os Espíritos vêm com mais gosto e, sobretudo, são mais explícitos com um médium que não lhes ofereça nenhum obstáculo material. Aliás, em igualdade de condições morais, quanto mais facilidade tenha o médium para escrever ou para se exprimir, tanto mais se generalizam suas relações com o mundo espírita.
É preciso ainda levar em conta a facilidade que deve resultar do hábito da comunicação com tal ou qual Espírito. Com o tempo, o Espírito estranho se identifica com o do médium e também com aquele que o chama. Posta de lado a questão da simpatia, entre eles se estabelecem relações semimateriais que tornam mais rápidas as comunicações; eis por que uma primeira conversa nem sempre é tão satisfatória quanto se poderia desejar, e é por isto também que os próprios Espíritos pedem frequentemente que os chamem de novo. O Espírito que vem habitualmente está como em sua casa: fica familiarizado com os seus ouvintes e com os seus intérpretes, fala e age com mais liberdade.
Em síntese, do que acabamos de dizer resulta: que a faculdade de evocar todo e qualquer Espírito não implica para este a obrigação de estar às nossas ordens, que ele pode vir em um momento e não em outro, com tal médium ou tal evocador que lhe agrade e não com outro; dizer o que quer sem poder ser constrangido a dizer o que não queira; ir-se embora quando lhe aprouver; enfim, que por causas dependentes ou não da sua vontade, depois de se haver mostrado assíduo durante algum tempo, pode de repente deixar de vir.
Da possibilidade de evocar os Espíritos encarnados resulta a de evocar o Espírito de uma pessoa viva. Ele responde então como Espírito e não como homem e, muitas vezes, suas ideias não são mais as mesmas. Estas espécies de evocações exigem prudência, porquanto há circunstâncias em que poderia haver inconvenientes.
Como se sabe, a emancipação da alma dá-se quase sempre durante o sono. Ora, a evocação o provoca se a pessoa não está dormindo, ou, quando menos, provoca um entorpecimento e uma suspensão momentânea das faculdades sensitivas. Haveria, pois, perigo se nesse momento a pessoa se encontrasse numa situação na qual tivesse necessidade de todo o seu raciocínio. O perigo também subsistiria se ela estivesse muito doente, pois o mal poderia ser agravado. Quanto ao mais, o perigo é atenuado pelo fato de o Espírito conhecer as necessidades de seu corpo e a elas se conformar, não se ausentando além do tempo necessário. Assim, por exemplo, quando vê que seu corpo vai despertar, ele anuncia que será obrigado a retirar-se. Como os Espíritos podem estar reencarnados na Terra, muitas vezes acontece evocarmos pessoas vivas a nosso mau grado; isto pode ocorrer conosco sem que o suspeitemos. Mas, então, as circunstâncias não são mais as mesmas e disso nada pode resultar de desagradável.
Podemos nos admirar de ver o Espírito dos homens mais ilustres, daqueles aos quais mal ousaríamos falar durante sua vida, atenderem ao chamado dos mais comuns dos homens. Isso pode surpreender apenas aqueles que não conhecem a natureza do mundo espírita. Quem estudou esse mundo sabe que a posição que ocupamos na Terra não nos dá, ali, nenhuma supremacia, e que lá o poderoso pode estar abaixo daquele que foi seu servidor. Tal é o sentido destas palavras de Jesus: “Os grandes serão humilhados e os pequenos, exaltados”, e destas outras: “Todo aquele que se humilha será exaltado, e todo aquele que se exalta será humilhado”. ( † ) Um Espírito pode, pois, não ocupar entre seus semelhantes a posição que nós lhe supomos; mas, se for verdadeiramente superior, deve ter-se despojado de todo orgulho e de toda vaidade, e então olha o coração e não a aparência.
6. O grau de superioridade ou inferioridade dos Espíritos indica naturalmente em que tom convém falar com eles. É evidente que, quanto mais elevados eles forem, tanto mais têm direito ao nosso respeito, às nossas atenções e à nossa submissão. Não lhes devemos, pois, demonstrar menos deferência do que lhes demonstraríamos, embora por outros motivos, se estivessem vivos; na Terra, teríamos considerado sua categoria e sua posição social; no mundo dos Espíritos, porém, nosso respeito não se dirige senão à sua superioridade moral. Sua própria elevação os coloca acima das puerilidades das nossas formas bajulatórias. Não é com palavras que se lhes pode cativar a benevolência, mas pela sinceridade dos sentimentos. Seria, pois, ridículo dar-lhes os títulos que os nossos usos consagram à distinção das classes, e que, em vida, poderiam lisonjear-lhes a vaidade. Se forem realmente superiores, não somente nenhuma importância darão a eles, como até se desgostarão. Um bom pensamento lhes é mais agradável do que os mais elogiosos epítetos; se assim não fosse, eles não estariam acima da Humanidade.
O Espírito de um venerável eclesiástico, que foi na Terra um príncipe da Igreja, homem de bem, praticante da lei de Jesus, respondeu um dia a alguém que o evocara dando-lhe o título de Monsenhor: “Deverias, ao menos, dizer: ex-Monsenhor, porquanto aqui só existe um Senhor: Deus. Fica sabendo: vejo muitos dos que na Terra se ajoelhavam na minha presença, diante dos quais hoje me inclino”.
Quanto à questão de saber se se deve ou não tratar por tu os Espíritos, ela é muito pouco importante. O respeito está no pensamento e não nas palavras. Tudo depende da intenção que nos move, porquanto os usos não são os mesmos em todas as línguas. Pode-se, pois, tratar ou não por tu os Espíritos segundo a sua posição ou o grau de familiaridade que existe entre eles e nós, como faríamos com os nossos semelhantes.
Se os Espíritos não se deixam levar por palavras vãs, gostam, em contrapartida, que se lhes agradeça a condescendência, seja porque vieram, seja porque nos responderam. Devemos, pois, agradecer-lhes, como fazemos aos que se nos afeiçoam e nos protegem; é o meio de induzi-los a continuar. Seria grave erro acreditar que a forma imperativa pudesse exercer sobre eles alguma influência; é, ao contrário, um meio infalível de afastar os bons Espíritos. Rogamos-lhes, mas não lhes damos ordens, uma vez que eles não estão às nossas ordens, e tudo o que denuncia orgulho os repele. Os próprios Espíritos familiares abandonam aqueles que os desprezam e se mostram ingratos para com eles.
Por não estarem na primeira classe, nem por isso os Espíritos merecem menos nossas atenções, sobretudo quando nos revelam uma superioridade relativa. Quanto aos Espíritos inferiores, seu caráter nos indica a linguagem que convém usar com eles. Nesse número há os que, não obstante inofensivos e mesmo benevolentes, são levianos, ignorantes, estouvados; tratá-los em igualdade com os Espíritos sérios, como fazem certas pessoas, equivaleria a ajoelhar-se diante de um escolar ou perante um asno enfarpelado com um gorro de médico. O tom de familiaridade não seria descabido, pois eles não se melindram com isto; ao contrário, prestam-se de bom grado a este tratamento.
Entre os Espíritos inferiores há Espíritos infelizes. Sejam quais possam ser as faltas que expiam, seus sofrimentos são títulos maiores à nossa comiseração, já que ninguém pode gabar-se de escapar a estas palavras do Cristo: “Aquele que não tiver pecado atire a primeira pedra”. ( † ) A benevolência que lhes testemunhamos é um alívio para eles; na falta de simpatia devem merecer a indulgência que quereríamos que tivessem conosco.
Os Espíritos que revelam sua inferioridade pelo cinismo de sua linguagem, por suas mentiras, pela baixeza de seus sentimentos, pela perfídia de seus conselhos, são, certamente, menos dignos de nosso interesse do que aqueles cujas palavras atestam arrependimento.
Devemos-lhes ao menos a piedade que concedemos aos maiores criminosos, e é nos mostrando superiores a eles que os reduziremos ao silêncio. Eles não ficam mais à vontade senão com pessoas das quais julgam não terem nada a temer. É o caso de falar-lhes com autoridade para os afastar, o que se consegue sempre através de uma firme vontade, intimando-os, em nome de Deus e com o auxílio dos bons Espíritos. Eles se inclinam diante da superioridade moral, como o culpado perante o juiz.
Em resumo, seria tão desrespeitoso tratar de igual para igual os Espíritos Superiores, quanto ridículo tratar com a mesma deferência qualquer Espírito, sem exceção. Veneremos aqueles que o merecem, sejamos gratos aos que nos protegem e assistem e ajamos, para com todos, com a mesma benevolência de que um dia, talvez, nós próprios necessitemos. Penetrando no mundo incorpóreo, aprendemos a conhecê-lo e esse conhecimento deve nos guiar em nossas relações com os que o habitam. Os Antigos, em sua ignorância, lhes elevaram altares; para nós, eles não passam de criaturas mais ou menos perfeitas e não levantamos altares senão a Deus. (V. Politeísmo no “Vocabulário Espírita”.)
7. Quem estiver bem compenetrado dos princípios que desenvolvemos até agora, compreenderá, sem dificuldade, a importância, do ponto de vista prático, do assunto de que vamos tratar; é a consequência e aplicação deles e, até certo ponto, poder-se-ia prever-lhe a conclusão pelo conhecimento que a Escala Espírita nos dá do caráter dos Espíritos, segundo a posição que ocupam. Essa escala nos oferece a medida do que podemos pedir-lhes e do que podemos esperar de sua parte. Um estrangeiro que viesse ao nosso país com a crença de que todos os homens aqui são iguais em ciência e em moralidade, encontraria muitas anomalias; mas tudo ficaria explicado no momento em que compreendesse que cada um fala e escreve conforme suas aptidões. Dá-se o mesmo no mundo espírita. Desde que vemos os Espíritos tão distanciados uns dos outros, sob todos os aspectos, compreendemos, sem custo, que nem todos estão aptos para resolver todas as dificuldades, e que uma pergunta mal dirigida pode levar a mais de uma decepção.
Estabelecido este princípio, convém dirigir perguntas aos Espíritos? Algumas pessoas pensam que devemos abster-nos e que é preciso deixar-lhes a iniciativa do que querem dizer. Baseiam-se em que o Espírito, falando espontaneamente, expressa-se com mais liberdade, não diz senão o que quer e, assim, ficamos mais certos de ter a expressão de seu próprio pensamento. Imaginam que é até mesmo mais respeitoso aguardar o ensino que eles houverem por bem nos dar.
A experiência contradiz essa teoria, como tantas outras que surgiram no início das manifestações. O conhecimento das diferentes categorias de Espíritos estabelece o limite do respeito que lhes é devido e prova que, a não ser que estejamos certos de tratar apenas com seres superiores, nem sempre seu ensino espontâneo seria muito edificante. Mas, posta de lado esta consideração e supondo o Espírito bastante evoluído para só dizer coisas boas, muitas vezes seu ensino seria muito limitado, se não fosse alimentado por perguntas. Temos assistido frequentemente a sessões modorrentas e mesmo sem qualquer importância, por falta de um assunto determinado. Ora, como os Espíritos, em última análise, só respondem ao que lhes convém, se agirmos convenientemente, não violentaremos de modo algum o seu livre-arbítrio. Muitas vezes eles mesmos provocam as perguntas, dizendo: “Que queres? Interroga e eu te responderei”. É também frequente que eles próprios nos interroguem, não para se instruírem, mas para nos porem à prova ou nos levarem a expressar mais claramente o nosso pensamento. Reduzirmo-nos, em sua presença, a um papel meramente passivo, seria um excesso de submissão que eles não exigem; o que desejam é atenção e recolhimento. Quando tomam espontaneamente a palavra, sem esperar perguntas, como dissemos acima ao falarmos das evocações, é caso então de não desviá-los e seguir a linha que eles traçam. Mas como isso nem sempre ocorre, é bom termos à nossa disposição um assunto preparado, em falta de iniciativa dos Espíritos. Regra geral: quando um Espírito fala, não se deve interrompê-lo; e quando manifesta, por um sinal qualquer, a intenção de falar, é preciso esperar e não o interromper senão quando estamos certos de que ele não tem nada mais a dizer.
Se, em princípio, as perguntas não desagradam aos Espíritos, algumas há que lhes são sumamente antipáticas e de que devemos nos abster completamente, sob pena de não obtermos resposta ou as obtermos de maneira insatisfatória. Quando dizemos que certas perguntas são antipáticas, queremos nos referir aos Espíritos elevados; os Espíritos inferiores não são tão escrupulosos; pode-se-lhes perguntar tudo que se quiser, sem melindrá-los, mesmo as coisas mais absurdas. Respondem a tudo, mas, como eles mesmos dizem: “À pergunta tola, resposta tola”, e bem louco seria quem os tomasse a sério.
Os Espíritos podem abster-se de responder por vários motivos: 1º) a pergunta pode desagradar-lhes; 2º) eles nem sempre têm os conhecimentos necessários; 3º) há coisas que lhes é proibido revelar. Se, pois, não satisfazem a uma pergunta, é porque não querem, não podem ou não devem. Seja qual for o motivo, é regra invariável que todas as vezes que um Espírito se recusa categoricamente a responder, nunca se deve insistir; do contrário, a resposta é dada por um desses Espíritos levianos, sempre prontos a intrometer-se em tudo e que pouco se incomodam com a verdade. Se a recusa não é absoluta, podemos pedir ao Espírito que condescenda com o nosso desejo; ele o faz algumas vezes, mas nunca cede a exigências. Esta regra não se aplica às explicações que se pedem e que se deve pedir sobre um ponto não suficientemente explícito. Quando um Espírito quer encerrar uma conversação, ele o indica geralmente por uma palavra, como: Adeus, já chega por hoje. — É muito tarde. — Até outra vez, etc. Essa palavra é quase sempre sem apelação. A imobilidade do lápis é a prova de que o Espírito partiu e então não se deve insistir.
Dois pontos essenciais devem ser considerados quando fazemos perguntas: o fundo e a forma. Quanto à forma elas devem, embora sem fraseologia ridícula, demonstrar as atenções e a condescendência que se devem ao Espírito que se comunica, se ele é superior; e nossa benevolência, se ele é nosso igual ou inferior a nós. De outro ponto de vista, elas devem ser claras, precisas e sem ambiguidade. É preciso evitar as que têm um sentido complexo; se necessário, é preferível formular duas perguntas. Quando o assunto requer uma série de perguntas, é importante que elas sejam classificadas com ordem, se encadeiem e se sucedam metodicamente. Eis por que é sempre útil prepará-las de antemão, o que, aliás, como dissemos, é uma espécie de evocação antecipada, que prepara os caminhos. Meditando-as com ponderação, nós as formulamos e as classificamos melhor, e obtemos respostas mais satisfatórias. Isto não impede acrescentar, no curso da conversação, perguntas complementares, nas quais não se tivesse pensado, ou que possam ser sugeridas pelas respostas; mas o quadro está sempre traçado, e isto é o essencial. O que se deve evitar é passar bruscamente de um assunto a outro por perguntas sem sequência e lançadas de permeio ao assunto principal. Acontece também, amiúde, que algumas perguntas preparadas de antemão, na previsão de certas respostas, tornam-se inúteis; nesse caso, passamos a outras.
Um fato que se apresenta também com muita frequência é a resposta antecipar-se à pergunta, isto é, mal o interrogador pronuncia as primeiras palavras, o Espírito responde sem deixar que ele termine. Algumas vezes mesmo o Espírito responde a um pensamento expresso em voz baixa por alguns dos assistentes, sem que tenha sido feita uma pergunta e sem que o médium o saiba. Se a cada instante não se tivesse a prova manifesta da neutralidade absoluta do medianeiro, fatos deste gênero não poderiam deixar nenhuma dúvida a este respeito.
No que toca ao fundo, as perguntas merecem particular atenção, segundo o seu objetivo. As perguntas frívolas, de mera curiosidade e para porem à prova os Espíritos, são as que mais os desagradam; elas afastam os Espíritos sérios ou estes não as respondem. Os Espíritos levianos se divertem com elas.
As perguntas de prova são ordinariamente feitas por aqueles que ainda não adquiriram convicção e procuram, desse modo, certificar-se da existência dos Espíritos, de sua perspicácia e de sua identidade. Isto é, sem dúvida, muito natural da parte deles, mas erram completamente o seu alvo; sua insistência a tal respeito resulta de sua ignorância das bases sobre as quais repousa a ciência espírita, bases essas completamente diversas dos fundamentos das ciências experimentais. Aqueles, pois, que desejam instruir-se na ciência espírita, devem resignar-se a seguir um caminho completamente diferente e pôr de lado os procedimentos habituais de nossas escolas. Se julgam não poder fazê-lo senão experimentando à sua maneira, farão melhor abstendo-se. Que diria um professor a quem certo aluno pretendesse impor seu método, que quisesse prescrever-lhe agir desta ou daquela forma e realizar as experiências a seu modo? Ainda uma vez, a ciência espírita tem seus princípios. Aqueles que desejarem conhecê-la devem conformar-se a eles; sem isto não poderão dizer-se aptos a julgá-la. Esses princípios são os seguintes, no que concerne às perguntas de provas:
1º) — Os Espíritos não são máquinas que fazemos mover à vontade. São seres inteligentes que só fazem e dizem o que querem, e nós não podemos sujeitá-los aos nossos caprichos;
2º) — As provas que desejamos ter de sua existência, de sua perspicácia e de sua identidade, eles mesmos as dão, espontaneamente e de moto próprio, em muitas ocasiões; mas as dão quando querem e da maneira que querem. Cumpre-nos esperar, ver, observar, e essas provas não nos faltarão: é preciso pegá-las ao passarem. Se quisermos provocá-las, é então que elas nos escapam, e nisso os Espíritos nos provam sua independência e seu livre-arbítrio.
Aliás, este princípio rege todas as ciências de observação. Que faz o naturalista que estuda os costumes de um inseto, por exemplo? Segue-o em todas as manifestações de sua inteligência ou de seu instinto;, observa o que se passa, mas espera que os fenômenos se apresentem, não cogitando de provocá-los, nem lhes desviando o curso. Ele sabe, por outro lado, que se o fizesse, não os teria mais em sua simplicidade natural. Dá-se o mesmo com respeito às observações espíritas.
Segundo o que sabemos agora, compreende-se que não basta que um Espírito seja sério para resolver ex-professo toda questão séria; não basta mesmo, como vimos, que tenha sido culto na Terra para resolver uma questão de ciência, visto que pode estar imbuído ainda dos preconceitos terrestres. É preciso que seja, ou suficientemente elevado, ou que o seu progresso, como Espírito, se tenha realizado no círculo das ideias que desejamos submeter-lhe, progresso esse por vezes bastante diverso do que nele pudemos observar durante a vida. Mas, amiúde, acontece também que outros Espíritos mais elevados vêm em auxílio daquele que interrogamos, suprindo-lhe a insuficiência, principalmente quando a intenção do interrogador é boa, pura e sem segundas intenções. Em suma, a primeira coisa a fazer quando nos dirigimos a um Espírito pela primeira vez, é aprender a conhecê-lo, a fim de julgarmos a natureza que podemos dirigir-lhe com mais segurança.
Em geral, os Espíritos ligam pouca importância às questões de interesse puramente material, àquelas que dizem respeito às coisas da vida particular. Enganar-nos-íamos, pois, se neles julgássemos encontrar guias infalíveis, que podem ser consultados a qualquer hora, sobre a marcha ou o resultado dos nossos negócios. Repetimos ainda: os Espíritos levianos respondem a tudo. Predirão mesmo, se quisermos, a alta ou a baixa da Bolsa, dirão se o marido que se espera será moreno ou loiro, etc., e tanto melhor se o acaso os faz acertar.
Não colocamos no número das perguntas frívolas as que têm caráter pessoal: devemos ter bom senso para apreciá-las. Mas os Espíritos que melhor nos podem guiar a tal respeito são os nossos Espíritos familiares, os que estão encarregados de velar por nós e que, pelo hábito que têm de nos seguir, estão identificados com as nossas necessidades. Esses, sem sombra de dúvida, conhecem os nossos problemas melhor do que nós mesmos; é pois a eles que devemos nos dirigir para essas espécies de conselhos e, mesmo assim, é preciso fazê-lo com calma, recolhimento, por um apelo sério à sua benevolência e não levianamente. Mas, perguntar essas coisas à queima-roupa e ao primeiro Espírito que se apresenta, equivaleria a nos dirigirmos ao primeiro indivíduo que encontrássemos em nosso caminho.
Nossos Espíritos familiares podem, pois, esclarecer-nos e, em muitas circunstâncias, o fazem de modo eficaz; mas sua assistência nem sempre é patente e material; na maioria das vezes é oculta. Eles nos ajudam por uma porção de advertências indiretas que provocam e que, infelizmente, nem sempre levamos em conta, donde resulta que muitas vezes não devemos queixar senão de nós mesmos em nossas tribulações. Quando os interrogamos eles podem, em certos casos; dar-nos conselhos positivos, mas, em geral, se limitam a nos mostrar o caminho, recomendando-nos que não tropecemos, e isto por um duplo motivo. Em primeiro lugar, as tribulações da vida; quando não resultam de nossos próprios erros, fazem parte das provações que devemos sofrer; eles podem ajudar-nos a suportá-las com coragem e resignação, mas não lhes cabe desviá-las. Em segundo lugar, se nos guiassem pela mão, para evitar todos os escolhos, que faríamos do nosso livre-arbítrio? Seríamos como crianças conduzidas à mão até a idade adulta. Eles nos dizem: “Eis o caminho, segue o bom atalho; inspirar-te-ei o que deves fazer de melhor, mas serve-te do teu juízo, coma a criança se serve de suas pernas para andar”.
Podem os Espíritos predizer o futuro? Tal a pergunta que nenhum principiante deixa de fazer. Sobre isto, diremos apenas uma palavra: a Providência foi sábia ocultando-nos o futuro. De quantos tormentos esta ignorância não nos tem poupado! Sem contar que, se o conhecêssemos, nos abandonaríamos às cegas ao nosso destino, abdicando de toda iniciativa. Os próprios Espíritos não o conhecem senão em razão de sua elevação. Este o motivo por que os Espíritos inferiores, em seus sofrimentos, creem sofrer para sempre. Os que conhecem o futuro não o revelam de modo algum; podem, no entanto, levantar uma ponta do véu que o cobre. Mas, então, o fazem espontaneamente, quando julgam útil, e nunca por solicitação nossa. Dá-se o mesmo com o nosso passado. Insistir neste ponto, como nos outros, quando eles recusam responder, é fazer-se joguete de Espíritos mistificadores.
Não poderíamos, sem reproduzir aqui o que encerra O Livro dos Espíritos, passar em revista todas as variedades de perguntas que é possível fazer. A ele, pois, remetemos o interessado na explicação de todas as questões que concernem ao futuro, às existências anteriores, às descobertas, aos tesouros ocultos, às ciências, à Medicina, etc.
8. Ainda não conhecemos médiuns escreventes que deem consulta a tanto por sessão. Isto talvez aconteça; por isso nos parecem úteis dizer algumas palavras a esse respeito. Diremos, para começar, que nada se prestaria mais ao charlatanismo e ao embuste do que semelhante oficio. Se já se têm visto falsos sonâmbulos, muito mais médiuns falsos se veriam, e só esta razão seria um fundado motivo de desconfiança. O desinteresse, ao contrário, é a resposta mais peremptória que se pode opor aos que não veem nos fatos espíritas senão uma hábil manobra. Não há charlatanismo desinteressado. Qual seria, pois, o objetivo das pessoas que usassem de trapaça sem proveito? E com mais forte razão quando sua notória honradez as põe acima de qualquer suspeita. Se o lucro que um médium retirasse de sua faculdade pode ser um motivo de suspeição, não seria absolutamente uma prova de que essa suspeita seja fundada. Ele poderia, pois, ter uma aptidão real e agir de muito boa-fé; mesmo que se fizesse retribuir. Vejamos, neste caso, se podemos, racionalmente, esperar um resultado satisfatório.
Se ficou bem compreendido o que dissemos das condições necessárias exigidas por quem queira servir de intérprete aos bons Espíritos; acerca das numerosas causas que podem afastá-los; sobre as circunstâncias independentes da vontade deles, que são, muitas vezes; um obstáculo à sua vinda; enfim, de todas as condições morais que podem exercer influência sobre a natureza das comunicações, como poderíamos supor que um Espírito, por pouco elevado que fosse, pudesse estar, a qualquer hora do dia, às ordens de um negociante de consultas e submetido às suas exigências para satisfazer à curiosidade do primeiro que chegasse?
Conhecendo-se a aversão dos Espíritos por tudo quanto denote cupidez e egoísmo, o pouco caso que fazem das coisas materiais, seria razoável que eles auxiliassem os homens a traficar? Isto repugna à razão e seria preciso conhecer muito pouco a natureza do mundo espírita para crer que assim pudesse se dar. Mas, como os Espíritos levianos são menos escrupulosos e só procuram ocasiões para se divertirem à nossa custa, resulta daí que, se não somos mistificados por um falso médium, temos toda a probabilidade de sê-lo por alguns dentre eles. Estas poucas reflexões dão a medida do grau de confiança que se deveria conceder a comunicações desse gênero. Aliás, para que serviriam hoje os médiuns pagos, uma vez que nós mesmos, caso não sejamos dotados desta faculdade, poderemos encontrá-la em nossa própria família, entre os nossos amigos ou conhecidos?
O inconveniente que acabamos de assinalar não é o mesmo quando se trata de manifestações puramente físicas. A natureza dos Espíritos que se comunicam nestas circunstâncias o torna facilmente compreensível. Todavia, como a faculdade dos médiuns de efeitos físicos nem sempre está à disposição deles, muitas vezes poderia faltar, justamente no horário marcado para satisfazer às exigências do público. A faculdade mediúnica, mesmo limitada, não foi concedida para exibições em palcos, e todo aquele que pretendesse ter Espíritos à sua ordem, fossem ainda os da mais ínfima ordem, para fazê-los agir rapidamente, poderia, com toda razão, ser suspeitado de charlatanismo e de prestidigitação mais ou menos hábil. Fique isto bem entendido todas as vezes que se virem anúncios de pretensas sessões de Espiritismo ou de espiritualismo a tanto por lugar.