O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano I — Janeiro de 1858.


Notas do Tradutor.

Tão logo assumimos o compromisso de verter para o português a Revista Espírita de Allan Kardec, sentimo-nos tomado de certa apreensão, diante da própria magnitude do trabalho: doze alentados volumes, publicados em Paris  †  sob a responsabilidade direta do Codificador, no período de 1858 a 1869, totalizando quatro mil, quinhentas e sessenta e oito páginas, a partir dos originais franceses que integram o acervo da Biblioteca de Obras Raras da Federação Espírita Brasileira, em Brasília.  † 

A par desse aspecto puramente material, a emoção de mergulhar, por assim dizer, na suave psicosfera do Espiritismo nascente, cujas claridades começavam a derramar-se sobre a Humanidade sofredora, em cumprimento à promessa de Jesus de ficar eternamente conosco. Conscientes de estar lidando com preciosa ferramenta, desde logo assumimos o compromisso inarredável de jamais deturpar a verdade, de maneira a garantir a necessária fidelidade ao texto traduzido; em pleno século XXI, já não podíamos incorrer nas velhas artimanhas do passado, que o tempo, por certo, já sepultou. Quem não se lembra das intercalações, supressões e outras modificações lamentáveis que pontificaram nos tempos de intolerância, inseridas nos Evangelhos justamente por aqueles que deveriam zelar pela pureza dos ensinamentos de Jesus? Legislando em causa própria e a soldo de propósitos inconfessáveis, muitas vezes a verdade foi ardilosamente escamoteada pelos próprios teólogos que serviam à Igreja dominante, com vistas a coonestar as suas doutrinas insustentáveis.

E, como se tudo isso não bastasse, o receio, natural e compreensível, de abraçar atividade até então confiada somente a inteligências de escol, da expressão de Luís Olímpio Guillon Ribeiro e Manuel Justiniano de Freitas Quintão,  †  para não nos afastarmos da Federação Espírita Brasileira,  †  nem de suas irrepreensíveis traduções das obras básicas de Allan Kardec.

Entretanto, e fazendo abstração do conteúdo e do significado extraordinários da Revista Espírita, essa tarefa representava uma oportunidade inesquecível de rever Paris com os olhos da alma… Por certo, não a Paris futurista de La Défense,  †  travestida de megalópole americana, mas aquela da Belle Époque, embelezada por Napoleão III e envolvida na charmante atmosfera do século XIX, com seus Boulevards  †  adornados de plátanos e olmos, réverbères e cafés, sempre apinhados de gente bonita… Mais uma vez percorrer aquelas ruas, vielas e locais, outrora tão familiares ao Codificador: Vaugirard,  †  Grange-Batelière,  †  Rochechouart,  †  Passage Sainte-Anne,  †  Ségur,  †  Harpe, Martyrs,  †  Tiquetonne,  †  Sèvres,  †  Odéon,  †  Tuileries,  †  Luxembourg,  †  Palais-Royal,  †  Galerie d’Orléans, Montparnasse,  †  Montmartre,  †  Père-Lachaise…  †  Mirar novamente as belezas da Cidade Luz, cuja magia a linguagem humana é incapaz de retratar… De fato, como descrever as brumas da manhã, os matizes dourados do outono, o suave encanto do entardecer, o cintilar das estrelas no firmamento e o frenesi dos transeuntes nos Champs-Elysées?  † 


Devaneios à parte, é importante não se perder de vista que a tradução de uma obra é tarefa espinhosa.n Por mais cuidadosa, por mais fiel e honesta, jamais expressará, na sua inteireza, as variadas nuanças da língua original. Há palavras, sentenças e máximas que não encontram equivalência satisfatória em nossa língua. Por outro lado, as próprias emoções se diluem ou se ampliam ao serem transferidas de uma para outra cultura, sem falar das armadilhas que nos são estendidas quando traduzimos literalmente ou – mais grave ainda – quando interpretamos o pensamento do autor, na inglória tentativa de superar o texto original. A par disto, a desejável observância das regras gramaticais e estilísticas que dizem respeito ao idioma no qual nos exprimimos, de modo a tornar agradável a leitura e não cansar o leitor.

Feitos esses reparos, procuramos ater-nos aos vocábulos e expressões da língua francesa que encontram perfeita correspondência com os seus homólogos portugueses, tal como são empregados no Brasil. Quando, pela própria estrutura da língua em questão, não nos foi possível observar essa regra, ou para não reproduzirmos palavras e períodos que se repetiam com frequência, abandonamos aqui e ali a rigidez do texto, principalmente em atenção à clareza e à melodia (eufonia) das sentenças, sem, contudo, jamais esquecer de guardar o sentido fiel das verdades traduzidas para a nossa língua.

A presente tradução é de nossa inteira responsabilidade, à exceção de algumas partes, cuja indicação, em nota de rodapé, pedimos se reportasse o leitor à fonte original. Como é do conhecimento de todos, além da função primacial de órgão de difusão doutrinária, a Revista Espírita constituiu-se numa espécie de tribuna livre, n onde Allan Kardec sondava a reação dos homens e a impressão dos Espíritos acerca de determinados assuntos, ainda hipotéticos ou mal compreendidos, enquanto lhes aguardava a confirmação, através da concordância e da universalidade do ensino dos Espíritos. Muitos textos revelados pelos Espíritos superiores, assim como outros da lavra do próprio Codificador, antes publicados na Revista Espírita, foram transcritos por Kardec, integralmente ou com pequenas modificações, nas obras básicas – definitivas – que levam o seu nome. Assim, utilizamo-nos das traduções de Guillon Ribeiro e Manuel Quintão quando os mesmos trechos da Revue coincidiam com aqueles já traduzidos por esses dois ex-presidentes da FEB.

Reconhecendo nossas reais limitações em matéria de poesia, cujas regras devem ser escrupulosamente observadas, a fim de conservarem a rima e a versificação da língua original – quase sempre desfiguradas na versão que se traduz – confiamos essa difícil tarefa ao nosso estimado confrade e beletrista Inaldo Lacerda Lima que, incontinenti e de boa vontade, a aceitou, desempenhando-a com mestria e indisfarçável competência.

Procuramos evitar, tanto quanto possível, a inserção de notas de rodapé, a não ser quando tivessem a finalidade de esclarecer o leitor acerca da própria tradução, de um ponto doutrinário qualquer, ou, ainda, quando se relacionassem com fatos diretamente ligados à vida e à obra do Codificador. É por isso que deixamos de lado, propositadamente, toda e qualquer explicação que possa ser facilmente encontrada nas enciclopédias e compêndios de História Geral.

Finalmente, ao oferecer nosso modesto trabalho aos companheiros de ideal espírita, somos os primeiros a reconhecer que não fizemos uma tradução perfeita. Falhas, por certo, haverão de ser detectadas, umas, talvez, durante o processo gráfico de composição e impressão, outras por desatenção nossa, ensejando-nos a feliz oportunidade de saná-las em edições posteriores desta obra, desde que contemos com o auxílio inestimável dos leitores em no-las apontar, com vistas ao seu perene aperfeiçoamento.


Brasília (DF), 10 de outubro de 2002.


Evandro Noleto Bezerra.

Tradutor.



[1] Vide bibliografia consultada no final deste volume.


[2] Vide A Gênese, de Allan Kardec, introdução, parágrafo final.


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