O Espírito prometera escrever-me uma carta por ocasião da entrada do ano. Tinha, dizia, qualquer coisa de particular a me dizer. Havendo-lha eu pedido numa das reuniões ordinárias, respondeu que a daria na intimidade ao médium, para que este ma transmitisse. É esta a carta:
“Caro amigo, não te quis escrever terça-feira última diante de toda a gente, porque há certas coisas que só particularmente se podem dizer.
“Eu queria, primeiramente, falar-te da tua obra, a que mandaste imprimir. (O Livro dos Espíritos entrara para o prelo.) Não te afadigues tanto, da manhã à noite; passarás melhor e a obra nada perderá por esperar.
“Segundo o que vejo, és muito capaz de levar a bom termo a tua empresa e tens que fazer grandes coisas. Nada, porém, de exagero em coisa alguma. Observa e aprecia tudo judiciosa e friamente. Não te deixes arrastar pelos entusiastas, nem pelos muito apressados. Mede todos os teus passos, a fim de chegares ao fim com segurança. Não creias em mais do que aquilo que vejas; não desvies a atenção de tudo o que te pareça incompreensível; virás a saber a respeito mais do que qualquer outro, porque os assuntos de estudo serão postos sob as tuas vistas.
“Mas, ah! a verdade não será conhecida de todos, nem crida, senão daqui a muito tempo! Nessa existência não verás mais do que a aurora do êxito da tua obra. Terás que voltar, reencarnado noutro corpo, para completar o que houveres começado e, então, dada te será a satisfação de ver em plena frutificação a semente que houveres espalhado pela Terra.
“Surgirão invejosos e ciosos que procurarão infamar-te e fazer-te oposição: não desanimes; não te preocupes com o que digam ou façam contra ti; prossegue em tua obra; trabalha sempre pelo progresso da Humanidade, que serás amparado pelos bons Espíritos, enquanto perseverares no bom caminho.
“Lembras-te de que, há um ano, prometi a minha amizade aos que, durante o ano, tivessem tido um proceder sempre correto? Pois bem! declaro que és um dos que escolhi entre todos.
“Teu amigo que te quer e protege,
Z.”
NOTA. — Já tive ocasião de dizer que Z. não era um Espírito
superior, porém muito bom e muito benfazejo. Talvez fosse mais adiantado
do que o deixava supor o nome que tomara. Legitimavam essa suposição
o caráter sério e a sabedoria de suas comunicações, conforme as circunstâncias.
Sob a capa daquele nome, ele se permitia usar de uma linguagem familiar
apropriada ao meio onde se manifestava e dizer, como frequentemente
sucedia, duras verdades, sob a forma leve do epigrama. Como quer que
seja, dele guardei sempre grata recordação e muito reconhecimento pelas
boas advertências que sempre me deu e pelo devotamento que me testemunhou.
Desapareceu com a dispersão da família Baudin, dizendo que em breve
reencarnaria.