I. Doutrina
Materialista. — II. Doutrina
Panteísta. — III. Doutrina
Deísta. — IV. Doutrina
Dogmática. — V. Doutrina
Espírita. |
Bem poucos homens vivem despreocupados do dia seguinte. Ora, se cada um se inquieta pelo que virá após o dia que está transcorrendo, com mais forte razão é natural se preocupe com o que haverá depois do grande dia da vida, pois já não se trata de alguns instantes, mas da eternidade. Viveremos ou não viveremos, findo esse grande dia? Não há meio-termo; é uma questão de vida e de morte; é a suprema alternativa!…
Se interrogarmos o sentimento íntimo da quase universalidade dos homens, todos responderão: “Viveremos.” Essa esperança constitui uma consolação. Entretanto, uma pequena minoria se esforça, sobretudo de algum tempo para cá, por lhes provar que não viverão. Fez prosélitos essa escola, força é confessá-lo, e principalmente entre os que, temendo a responsabilidade do futuro, acham mais cômodo gozar sem constrangimento do presente, sem se perturbarem com a perspectiva das consequências. Essa, porém, é a opinião de uma pequena minoria.
Se havemos de viver, como viveremos? Em que condições viremos a encontrar-nos? Aqui, os sistemas variam, de acordo com as ideias religiosas e filosóficas. Podem, no entanto, reduzir-se a cinco todas as capitais alternativas, que passamos a sumariar, a fim de que se torne mais fácil a comparação e cada um possa escolher a que lhe pareça mais racional e melhor corresponda às suas aspirações pessoais e às exigências da sociedade. As cinco alternativas são as que resultam das doutrinas do materialismo, do panteísmo, do deísmo, do dogmatismo e do Espiritismo.
Doutrina Materialista.
A inteligência do homem é uma propriedade da matéria; nasce e morre com o organismo. O homem nada é antes, nem depois da vida corporal.
Consequências. — Sendo o homem apenas matéria, os gozos materiais são as únicas coisas reais e desejáveis; as afeições morais carecem de futuro; os laços morais a morte os quebra sem remissão e para as misérias da vida não há compensação; o suicídio vem a ser o fim racional e lógico da existência, quando não se pode esperar atenuação para os sofrimentos; inútil qualquer constrangimento para vencer os maus pendores; viver cada um para si o melhor possível, enquanto aqui estiver; estupidez vexar-se e sacrificar o repouso, o bem-estar por causa de outros, isto é, por causa de seres que a seu turno serão aniquilados e que ninguém tornará a ver; deveres sociais sem fundamento, o bem e o mal meras convenções; por freio social unicamente a força material da lei civil.
NOTA. — Não será talvez inútil lembrar aqui aos nossos leitores,
algumas passagens de um artigo que publicamos sobre o materialismo,
na Revista
de agosto de 1868.
“O materialismo, dizíamos, estadeando-se, como jamais o fizera em época nenhuma, apresentando-se como regulador supremo dos destinos morais da Humanidade, teve por efeito aterrorizar as massas pelas consequências inevitáveis das suas doutrinas com relação à ordem social. Por isso mesmo, provocou, em favor das ideias espiritualistas, enérgica reação, que lhe há de provar quão longe ele está de possuir simpatias tão gerais quanto supõe e que singularmente se ilude se espera impor um dia suas leis ao mundo.
“Certamente as crenças espiritualistas do passado não satisfazem a este século: já não estão ao nível intelectual da nossa geração; por muitos pontos, acham-se em contradição com os dados positivos da Ciência; deixam no espírito ideias incompatíveis com a necessidade do positivo que predomina na sociedade moderna: cometem, além disso, o erro de se imporem por meio da fé cega e de proscreverem o livre exame; daí, sem nenhuma dúvida, o desenvolvimento da incredulidade na maioria das criaturas. É de toda a evidência que, se os homens fossem alimentados, desde a infância, com ideias de natureza a serem mais tarde confirmadas pela razão, não haveria incrédulos. Quantos, reconduzidos pelo Espiritismo à crença, nos hão dito: “Se sempre nos houvessem apresentado Deus, a alma e a vida futura de maneira racional, jamais houvéramos duvidado.”
“Do fato de a um princípio dar-se má ou falsa aplicação, seguir-se-á que se deva rejeitá-lo? Ocorre com as coisas espirituais o que se verifica com a legislação e com todas as instituições sociais. Faz-se mister apropriá-las aos tempos, sob pena de sucumbirem. Mas, em vez de apresentar alguma coisa melhor que o velho espiritualismo, o materialismo preferiu suprimir tudo, o que o dispensava de pesquisar e lhe parecia mais cômodo àqueles a quem a ideia de Deus e do futuro importuna. Que se deveria pensar de um médico que, achando não ser bastante substancioso o regime de um convalescente, lhe prescrevesse não comer absolutamente nada?
“O que causa espanto na maioria dos materialistas da escola moderna é o espírito de intolerância levado aos últimos limites, quando ao mesmo tempo reclamam incessantemente o direito à liberdade de consciência!…
“…Há, neste momento, em certo partido, um levantar de broquéis contra as ideias espiritualistas em geral, nas quais, naturalmente, as do Espiritismo se acham envolvidas. O que esse partido quer não é um Deus melhor e mais justo, é o Deus matéria, menos embaraçoso, porque não se lhe tem de prestar contas. Ninguém contesta ao mencionado partido o direito de ter sua opinião, de discutir as opiniões contrárias; mas, o que não se lhe poderia conceder é a pretensão, singular, pelo menos, em homens que se dão como apóstolos da liberdade, de impedirem que os outros creiam a seu modo e discutam as doutrinas de que eles não partilham. Intolerância por intolerância, uma não vale mais do que a outra…”
Doutrina Panteísta.
O princípio inteligente, ou alma, independente da matéria, é extraído, ao nascer, do todo universal; individualiza-se em cada ser durante a vida e volta, por efeito da morte, à massa comum, como as gotas de chuva ao oceano.
Consequências. — Sem individualidade e sem consciência de si mesmo, o ser é como se não existisse. As consequências morais desta doutrina são exatamente as mesmas que as da doutrina materialista.
NOTA. — Certo número de panteístas admitem que a alma, tirada,
ao nascer, do todo universal, conserva a sua individualidade por tempo
indefinido e somente volta à massa depois de haver chegado aos últimos
degraus da perfeição. As consequências desta variedade de crença são
absolutamente as mesmas que as da doutrina panteísta propriamente dita,
pois de todo inútil é que alguém se dê ao trabalho de adquirir alguns
conhecimentos, cuja consciência terá de perder, pelo aniquilar-se após
um tempo relativamente curto. Se a alma, em geral, se nega a admitir
semelhante concepção, quão mais penosamente não haveria ela de sentir-se
chocada, ponderando que o instante em que alcançasse o conhecimento
e a perfeição supremos seria o em que se veria condenada a perder o
fruto de todos os seus labores, perdendo a sua individualidade.
Doutrina Deísta.
O deísmo compreende duas categorias bem distintas de crentes: os deístas independentes e os deístas providencialistas.
Os primeiros creem em Deus; admitem todos os seus atributos como criador. Deus, dizem eles, estabeleceu as leis gerai que regem o Universo; mas, uma vez estabelecidas, essas leis funcionam por si sós e aquele que a promulgou de mais nada se ocupa. As criaturas fazem o que querem ou o que podem, sem que ele se inquiete. Não há providência; não se ocupando Deus conosco, nada temos que lhe agradecer, nem que lhe pedir.
Os que negam qualquer intervenção providencial na vida do homem são como crianças que se julgam muito ajuizadas para se libertarem da tutela, dos conselhos e da proteção de seus pais, ou que pensam não deverem estes ocupar-se mais com eles, desde que os puseram no mundo.
Sob o pretexto de glorificarem a Deus, demasiado grande, dizem, para se abaixar até às suas criaturas, fazem dele um grande egoísta e o rebaixam até ao nível dos animais que abandonam suas crias à Natureza.
Essa crença é resultado do orgulho; é sempre a ideia de que estamos submetidos a um poder superior que fere o amor-próprio e do qual procuram eximir-se. Enquanto uns negam absolutamente esse poder, outros consentem em reconhecer-lhe a existência, embora condenando-a à nulidade.
Há uma diferença essencial entre o deísta independente, do qual acabamos de falar, e o deísta providencialista. Este último, com efeito, crê não só na existência e no poder criador de Deus, na origem das coisas, como também crê na sua intervenção incessante na criação e a ele ora, mas não admite o culto exterior e o dogmatismo atual.
Doutrina Dogmática.
A alma, independente da matéria, é criada por ocasião do nascimento do ser; sobrevive e conserva a individualidade após a morte; desde esse momento, tem irrevogavelmente determinada a sua sorte; nulos lhe são quaisquer progressos ulteriores; ela será, pois, por toda a eternidade, intelectual e moralmente, o que era durante a vida. Sendo o maus condenados a castigos perpétuos e irremissíveis no inferno, completamente inútil lhes resulta todo arrependimento; parece assim que Deus se nega a conceder-lhes a possibilidade de repararem o mal que fizeram. Os bons são recompensados com a visão de Deus e a contemplação perene no céu. Os casos que possam merecer o céu ou o inferno, por toda a eternidade, são deixados à decisão e ao juízo de homens falíveis, aos quais é dada a faculdade de absolver ou condenar.
(NOTA. — Se a esta proposição final objetassem que Deus
julga em última instância, poder-se-ia perguntar que valor tem a decisão
proferida pelos homens, uma vez que ela pode ser infirmada.)
Separação definitiva e absoluta dos condenados e dos eleitos. Inutilidade dos socorros morais e das consolações para os condenados. Criação de anjos ou almas privilegiadas, isentas de todo trabalho para chegarem à perfeição, etc., etc.
Consequências. — Esta doutrina deixa sem solução os graves problemas seguintes:
1º Donde vêm as disposições inatas, intelectuais e morais, que fazem com que os homens nasçam bons ou maus, inteligentes ou idiotas?
2º Qual a sorte das crianças que morrem em tenra idade?
Por que vão elas para uma vida bem-aventurada, sem o trabalho a que os outros ficam sujeitos durante longos anos?
Por que são recompensadas sem terem podido fazer o bem, ou são privadas de uma felicidade perfeita, sem terem feito o mal?
3º Qual a sorte dos cretinos e dos idiotas que não têm consciência de seus atos?
4º Onde a justiça das misérias e das enfermidades de nascença, uma vez que não resultam de nenhum ato da vida presente?
5º Qual a sorte dos selvagens e de todos os que forçosamente morrem no estado de inferioridade moral em que foram colocados pela natureza mesma, se não lhes é dado progredirem ulteriormente?
6º Por que cria Deus umas almas mais favorecidas do que outras?
7º Por que chama ele a si prematuramente os que teriam podido melhorar-se se vivessem mais tempo, visto que não lhes é permitido progredirem depois da morte?
8º Por que criou Deus anjos em estado de perfeição sem trabalho, ao passo que outras criaturas são submetidas às mais rudes provações, em que têm maiores probabilidades de sucumbir, do que de sair vitoriosas, etc., etc.?
Doutrina Espírita.
O princípio inteligente independe da matéria. A alma individual preexiste e sobrevive ao corpo. O ponto de partida ou de origem é o mesmo para todas as almas, sem exceção; todas são criadas simples e ignorantes e sujeitas a progresso indefinido. Nada de criaturas privilegiadas e mais favorecidas do que outras. Os anjos são seres que chegaram à perfeição, depois de haverem passado, como todas as outras criaturas, por todos os graus da inferioridade. As almas ou Espíritos progridem mais ou menos rapidamente, mediante o uso do livre-arbítrio, pelo trabalho e pela boa vontade.
A vida espiritual é a vida normal; a vida corpórea é uma fase temporária da vida do Espírito, que durante ela se reveste de um envoltório material, de que se despe por ocasião da morte.
O Espírito progride no estado corporal e no estado espiritual. O estado corpóreo é necessário ao Espírito, até que haja galgado um certo grau de perfeição. Ele aí se desenvolve pelo trabalho a que é submetido pelas suas próprias necessidades e adquire conhecimentos práticos especiais. Sendo insuficiente uma só existência corporal para que adquira todas as perfeições, retoma um corpo tantas vezes quantas lhe forem necessárias e de cada vez encarna com o progresso que haja realizado em suas existências precedentes e na vida espiritual. Quando, num mundo, alcança tudo o que aí pode obter deixa-o para ir a outros mundos, intelectual e moralmente mais adiantados, cada vez menos materiais, e assim por diante, até à perfeição de que é suscetível a criatura.
O estado ditoso ou inditoso dos Espíritos é inerente ao adiantamento moral deles; a punição que sofrem é consequência do seu endurecimento no mal, de sorte que, com o perseverarem no mal, eles se punem a si mesmos, mas, a porta do arrependimento nunca se lhes fecha e eles podem, desde que o queiram, volver ao caminho do bem e efetuar, com o tempo, todos os progressos.
As crianças que morrem em tenra idade podem ser Espíritos mais ou menos adiantados, porquanto já tiveram outras existências em que ou praticaram o bem ou cometeram ações más. A morte não os livra das provas que hajam de sofrer e, em tempo oportuno, eles voltam a uma nova existência na Terra, ou em mundos superiores, conforme o grau de elevação que tenham atingido.
A alma dos cretinos e dos idiotas é da mesma natureza que a de qualquer outro encarnado; possuem, muitas vezes, grande inteligência; sofrem pela deficiência dos meios de que dispõem para entrar em relação com os seus companheiros de existência, como os mudos sofrem por não poderem falar. É que abusaram da inteligência em existências pretéritas e aceitaram voluntariamente a situação de impotência para usar dela, a fim de expiarem o mal que praticaram, etc., etc.