Dom de curar. (1, 2.) — Preces pagas. (3, 4.)
— Mercadores expulsos do templo. (5, 6.)
— Mediunidade gratuita. (7-10.) |
1.
Restituí a saúde aos doentes, ressuscitai os mortos, curai os leprosos,
expulsai os demônios. Dai gratuitamente o que gratuitamente haveis
recebido. (São
Mateus, capítulo X, v. 8.)
2. “Dai gratuitamente o que gratuitamente haveis recebido”, diz Jesus a seus discípulos; com essa recomendação, prescreve que ninguém se faça pagar daquilo por que nada pagou; 2 ora, o que eles haviam recebido gratuitamente era a faculdade de curar os doentes e de expulsar os demônios, isto é, os maus Espíritos; esse dom Deus lhes dera gratuitamente, para alívio dos que sofrem e como meio de propagação da fé; 3 Jesus, pois, recomendava-lhes que não fizessem dele objeto de comércio, nem de especulação, nem meio de vida.
3.
Disse em seguida a seus discípulos, diante de todo o povo que o escutava:
— Precatai-vos dos escribas que se exibem a passear com longas túnicas,
que gostam de ser saudados nas praças públicas e de ocupar os primeiros
assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos festins; — que,
a pretexto de extensas preces, devoram as casas das viúvas. Essas
pessoas receberão condenação mais rigorosa. (São
Lucas, capítulo XX, vv. 45 a 47 — São
Marcos, capítulo XII, vv. 38 a 40 — São
Mateus, capítulo XXIII, v. 14.)
4. Disse também Jesus: Não façais que vos paguem as vossas preces; não façais como os escribas, que “a pretexto de longas preces, devoram as casas das viúvas”, isto é, abocanham as fortunas. 2 A prece é ato de caridade, é um arroubo do coração; fazer pagar aquela que se dirige a Deus por outrem é transformar-se em intermediário assalariado; 3 a prece, então, fica sendo uma fórmula, cujo comprimento se proporciona à soma que custe. 4 Ora, uma de duas: Deus ou mede ou não mede as suas graças pelo número das palavras; 5 se estas forem necessárias em grande número, por que dize-las poucas, ou quase nenhuma, por aquele que não pode pagar? É falta de caridade; 6 se uma só basta, é inútil dize-las em excesso; por que então faze-la pagar? É uma prevaricação.
7 Deus não vende os benefícios que concede; como pois, um que não é, sequer, o distribuidor deles, que não pode garantir a sua obtenção, cobraria um pedido que talvez nenhum resultado produza? 8 Não é possível que Deus subordine um ato de clemência, de bondade ou de justiça, que da sua misericórdia se solicite, a uma soma em dinheiro; do contrário, se a soma não fosse paga, ou fosse insuficiente, a justiça, a bondade e a clemência de Deus ficariam em suspenso. 9 A razão, o bom senso e a lógica dizem ser impossível que Deus, a perfeição absoluta, delegue a criaturas imperfeitas o direito de estabelecer preço para a sua justiça. 10 A justiça de Deus é como o Sol: existe para todos, para o pobre como para o rico. 11 Pois que se considera imoral traficar com as graças de um soberano da Terra, poder-se-á ter por lícito o comércio com as do soberano do Universo?
12 Ainda outro inconveniente apresentam as preces pagas: é que aquele que as compra se julga, as mais das vezes, dispensado de orar ele próprio, porquanto se considera quite, desde que deu o seu dinheiro. 13 Sabe-se que os Espíritos se sentem tocados pelo fervor de quem por eles se interessa; qual pode ser o fervor daquele que comete a terceiro o encargo de por ele orar, mediante paga? Qual o fervor desse terceiro, quando delega o seu mandato a outro, este a outro e assim por diante? 14 Não será isso reduzir a eficácia da prece ao valor de uma moeda em curso?
5.
Eles vieram em seguida a Jerusalém, e Jesus, entrando no templo, começou
por expulsar dali os que vendiam e compravam; derribou as mesas dos
cambistas e os bancos dos que vendiam pombos; — e não permitiu que alguém
transportasse qualquer utensílio pelo templo. — Ao mesmo tempo os instruía,
dizendo. Não está escrito: Minha casa será chamada casa de oração por
todas as nações? Entretanto, fizestes dela um covil de ladrões! — Os
príncipes dos sacerdotes, ouvindo isso, procuravam meio de o perderem,
pois o temiam, visto que todo o povo era tomado de admiração pela sua
doutrina. (São
Marcos, capítulo XI, vv. 15 a 18 — São
Mateus, capítulo XXI, vv. 12 e 13.)
6. Jesus expulsou do templo os mercadores; condenou assim o tráfico das coisas santas sob qualquer forma que ele seja. 2 Deus não vende a sua bênção, nem o seu perdão, nem a entrada no reino dos Céus; não tem, pois, o homem, o direito de lhes estipular preço.
7. Os médiuns atuais — pois que também os apóstolos tinham mediunidade — igualmente receberam de Deus um dom gratuito: o de serem intérpretes dos Espíritos, para instrução dos homens, para lhes mostrar o caminho do bem e conduzi-los à fé, não para lhes vender palavras que não lhes pertencem, a eles médiuns, visto que não são fruto de suas concepções, nem de suas pesquisas, nem de seus trabalhos pessoais. 2 Deus quer que a luz chegue a todos; não quer que o mais pobre fique dela privado e possa dizer: não tenho fé, porque não a pude pagar; não tive o consolo de receber os encorajamentos e os testemunhos de afeição dos que pranteio, porque sou pobre. 3 Tal a razão por que a mediunidade não constitui privilégio e se encontra por toda parte; faze-la paga seria, pois, desviá-la do seu providencial objetivo.
8. Quem conhece as condições em que os bons Espíritos se comunicam, a repulsão que sentem por tudo o que é de interesse egoístico, e sabe quão pouca coisa se faz mister para que eles se afastem, jamais poderá admitir que os Espíritos superiores estejam à disposição do primeiro que apareça e os convoque a tanto por sessão. O simples bom senso repele semelhante ideia. 2 Não seria também uma profanação evocarmos, por dinheiro, os seres que respeitamos, ou que nos são caros? É fora de dúvida que se podem assim obter manifestações; mas, quem lhes poderia garantir a sinceridade? 3 Os Espíritos levianos, mentirosos, brincalhões e toda a caterva dos Espíritos inferiores, nada escrupulosos, sempre acorrem, prontos a responder ao que se lhes pergunte, sem se preocuparem com a verdade. 4 Quem, pois, deseje comunicações sérias deve, antes de tudo, pedi-las seriamente e, em seguida, inteirar-se da natureza das simpatias do médium com os seres do mundo espiritual; 5 ora, a primeira condição para se granjear a benevolência dos bons Espíritos é a humildade, o devotamento, a abnegação, o mais absoluto desinteresse moral e material.
9.
A par da questão moral, apresenta-se uma consideração efetiva não menos
importante, que entende com a natureza mesma da faculdade. 2
A mediunidade séria não pode ser e não o será nunca uma profissão, não
só porque se desacreditaria moralmente, identificada para logo com a
dos ledores da boa-sorte, como também porque um obstáculo a isso se
opõe; é que se trata de uma faculdade essencialmente móvel, fugidia
e mutável, com cuja perenidade, pois, ninguém pode contar. 3
Constituiria, portanto, para o explorador, uma fonte absolutamente incerta
de receitas, de natureza a poder faltar-lhe no momento exato em que
mais necessária lhe fosse. 4
Coisa diversa é o talento adquirido pelo estudo, pelo trabalho e que,
por essa razão mesma, representa uma propriedade da qual naturalmente
lícito é, ao seu possuidor, tirar partido. 5
A mediunidade, porém, não é uma arte, nem um talento, pelo que não pode
tornar-se uma profissão; ela não existe sem o concurso dos Espíritos;
faltando estes, já não há mediunidade; pode subsistir a aptidão, mas
o seu exercício se anula; 6
daí vem não haver no mundo um único médium capaz de garantir a obtenção
de qualquer fenômeno espírita em dado instante. 7
Explorar alguém a mediunidade é, conseguintemente, dispor de uma coisa
da qual não é realmente dono; afirmar o contrário é enganar a quem paga;
8
há mais: não é de si próprio que o explorador dispõe; é do concurso
dos Espíritos, das almas dos mortos, que ele põe a preço de moeda; essa
ideia causa instintiva repugnância. 9
Foi esse tráfico, degenerado em abuso, explorado pelo charlatanismo,
pela ignorância, pela credulidade e pela superstição que motivou a proibição
de Moisés. 10
O moderno Espiritismo, compreendendo o lado sério da questão, pelo descrédito
a que lançou essa exploração, elevou a mediunidade à categoria de missão.
(Veja-se: O
Livro dos Médiuns, 2ª parte, capítulo XXVIII; O
Céu e o Inferno, 1ª parte, capítulo XI.)
10. A mediunidade é coisa santa, que deve ser praticada santamente, religiosamente. 2 Se há um gênero de mediunidade que requeira essa condição de modo ainda mais absoluto é a mediunidade curadora. 3 O médico dá o fruto de seus estudos, feitos, muita vez, à custa de sacrifícios penosos; 4 o magnetizador dá o seu próprio fluido, por vezes até a sua saúde: podem pôr-lhes preço; 5 o médium curador transmite o fluido salutar dos bons Espíritos; não tem o direito de vendê-lo. 6 Jesus e os apóstolos, ainda que pobres, nada cobravam pelas curas que operavam.
7 Procure, pois, aquele que carece do que viver, recursos em qualquer parte, menos na mediunidade; não lhe consagre, se assim for preciso, senão o tempo de que materialmente possa dispor. 8 Os Espíritos lhe levarão em conta o devotamento e os sacrifícios, ao passo que se afastam dos que esperam fazer deles uma escada por onde subam.