Deixai que venham a mim as criancinhas. (1-4.) — Pecado
por pensamento. Adultério. (5-7.)
— Verdadeira pureza. Mãos não lavadas. (8-10.)
— Escândalos. Se a vossa mão é motivo de escândalo, cortai-a.
(11-17.)
— INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Deixai que venham a mim as criancinhas.
(18, 19.)
— Bem-aventurados os que têm fechados os olhos. (20, 21.) |
1.
Bem-aventurados os que têm puro o coração, porquanto verão a Deus. (São
Mateus, capítulo V, v. 8.)
2.
Apresentaram-lhe então algumas crianças; a fim de que ele as tocasse,
e, como seus discípulos afastassem com palavras ásperas os que lhas
apresentavam, — Jesus, vendo isso, zangou-se e lhes disse: Deixai
que venham a mim as criancinhas e não as impeçais, porquanto o reino
dos Céus é para os que se lhes assemelham. — Digo-vos, em verdade, que
aquele que não receber o reino de Deus como uma criança, nele não entrará.
— E, depois de abraçar, abençoou-as, impondo-lhes as mãos. (São
Marcos, capítulo X, vv. 13 a 16.)
3. A pureza de coração é inseparável da simplicidade e da humildade. Exclui toda ideia de egoísmo e de orgulho. Por isso é que Jesus toma a infância como emblema dessa pureza, do mesmo modo que a tomou como o da humildade.
2 Poderia parecer menos justa essa comparação, considerando-se que o Espírito da criança pode ser muito antigo e que traz, renascendo para a vida corporal, as imperfeições de que se não tenha despojado em suas precedentes existências; 3 só um Espírito que houvesse chegado à perfeição nos poderia oferecer o tipo da verdadeira pureza. 4 É exata a comparação, porém, do ponto de vista da vida presente, porquanto a criancinha, não havendo podido ainda manifestar nenhuma tendência perversa, nos apresenta a imagem da inocência e da candura; 5 daí o não dizer Jesus, de modo absoluto, que o reino dos Céus é para elas, mas para os que se lhes assemelhem.
4. Pois que o Espírito da criança já viveu, por que não se mostra, desde o nascimento, tal qual é? Tudo é sábio nas obras de Deus. A criança necessita de cuidados especiais, que somente a ternura materna lhe pode dispensar, ternura que se acresce da fraqueza e da ingenuidade da criança. 2 Para uma mãe, seu filho é sempre um anjo e assim era preciso que fosse, para lhe cativar a solicitude. Ela não houvera podido ter-lhe o mesmo devotamento, se, em vez da graça ingênua, deparasse nele, sob os traços infantis, um caráter viril e as ideias de um adulto e, ainda menos, se lhe viesse a conhecer o passado.
3 Aliás, faz-se necessário que a atividade do princípio inteligente seja proporcionada à fraqueza do corpo, que não poderia resistir a uma atividade muito grande do Espírito, como se verifica nos indivíduos grandemente precoces. 4 Essa a razão por que, ao aproximar-se-lhe a encarnação, o Espírito entra em perturbação e perde pouco a pouco a consciência de si mesmo, ficando, por certo tempo, numa espécie de sono, durante o qual todas as suas faculdades permanecem em estado latente. 5 É necessário esse estado de transição para que o Espírito tenha um novo ponto de partida e para que esqueça, em sua nova existência, tudo aquilo que a possa entravar. 6 Sobre ele, no entanto, reage o passado. Renasce para a vida maior, mais forte, moral e intelectualmente, sustentado e secundado pela intuição que conserva da experiência adquirida.
7 A partir do nascimento, suas ideias tomam gradualmente impulso, à medida que os órgãos se desenvolvem, pelo que se pode dizer que, no curso dos primeiros anos, o Espírito é verdadeiramente criança, por se acharem ainda adormecidas as ideias que lhe formam o fundo do caráter. 8 Durante o tempo em que seus instintos se conservam amodorrados, ele é mais maleável e, por isso mesmo, mais acessível às impressões capazes de lhe modificarem a natureza e de fazê-lo progredir, o que torna mais fácil a tarefa que incumbe aos pais.
9 O Espírito, pois, enverga temporariamente a túnica da inocência e, assim, Jesus está com a verdade, quando, sem embargo da anterioridade da alma, toma a criança por símbolo da pureza e da simplicidade.
5.
Aprendestes que foi dito aos antigos: Não cometereis adultério. — Eu,
porém, vos digo que aquele que houver olhado uma mulher, com mau desejo
para com ela, já em seu coração cometeu adultério com ela. (São
Mateus, capítulo V, vv. 27 e 28.)
6.
A palavra adultério não deve absolutamente ser entendida aqui
no sentido exclusivo da acepção que lhe é própria, porém, num sentido
mais geral; 2
muitas vezes Jesus a empregou por extensão, para designar o mal, o pecado,
todo e qualquer pensamento mau, como, por exemplo, nesta passagem: “Porquanto
se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, dentre esta raça
adúltera e pecadora, o Filho do homem também se envergonhará
dele, quando vier acompanhado dos santos anjos, na glória de seu Pai.”
(São
Marcos, capítulo VIII, v. 38.)
3 A verdadeira pureza não está somente nos atos; está também no pensamento, porquanto aquele que tem puro o coração, nem sequer pensa no mal; 4 foi o que Jesus quis dizer: ele condena o pecado, mesmo em pensamento, porque é sinal de impureza.
7. Esse princípio suscita naturalmente a seguinte questão: Sofrem-se as consequências de um pensamento mau, embora nenhum efeito produza?
2 Cumpre se faça aqui uma importante distinção. À medida que avança na vida espiritual, a alma que enveredou pelo mau caminho se esclarece e despoja pouco a pouco de suas imperfeições, conforme a maior ou menor boa vontade que demonstre, em virtude do seu livre arbítrio. 3 Todo pensamento mau resulta, pois, da imperfeição da alma; mas, de acordo com o desejo que alimenta de depurar-se, mesmo esse mau pensamento se lhe torna uma ocasião de adiantar-se, porque ela o repele com energia. É indício de esforço por apagar uma mancha; 4 não cederá se lhe apresentar uma oportunidade de satisfazer a um mau desejo. Depois que haja resistido, sentir-se-á mais forte e contente com a sua vitória.
5 Aquela que, ao contrário, não tomou boas resoluções, procura ocasião de praticar o mau ato e, se não o leva a efeito, não é por virtude da sua vontade, mas por falta de ensejo. É, pois, tão culpada quanto o seria se o cometesse.
6 Em resumo, naquele que nem sequer concebe a ideia do mal, já há progresso realizado; 7 naquele a quem essa ideia acode, mas que a repele, há progresso em vias de realizar-se; 8 naquele, finalmente, que pensa no mal e nesse pensamento se compraz, o mal ainda existe na plenitude da sua força; 9 num, o trabalho está feito; no outro, está por fazer-se. 10 Deus, que é justo, leva em conta todas essas gradações na responsabilidade dos atos e dos pensamentos do homem.
8. Então os escribas e os fariseus, que tinham vindo de Jerusalém, aproximaram-se de Jesus e lhe disseram: — Por que violam os teus discípulos a tradição dos antigos, uma vez que não lavam as mãos quando fazem suas refeições?
Jesus lhes respondeu: Por que violais vós outros o mandamento de Deus, para seguir a vossa tradição? Porque Deus pôs este mandamento: — Honrai a vosso pai e a vossa mãe; e este outro: Seja punido de morte aquele que disser a seu pai ou a sua mãe palavras ultrajantes. — Vós outros, no entanto, dizeis: Aquele que haja dito a seu pai ou a sua mãe: Toda oferenda que faço a Deus vos é proveitosa, satisfaz à lei, — ainda que depois não honre, nem assista a seu pai ou a sua mãe. Tornam assim inútil o mandamento de Deus, pela vossa tradição.
Hipócritas, bem profetizou de vós Isaías, quando disse: — Este povo me honra de lábios, mas conserva longe de mim o coração; — é em vão que me honram ensinando máximas e ordenações humanas.
Depois, tendo chamado o povo, disse: Escutai e compreendei bem isto: — Não é o que entra na boca que macula o homem; o que sai da boca do homem é que o macula. — O que sai da boca procede do coração e é o que torna impuro o homem; — porquanto do coração é que partem os maus pensamentos, os assassínios, os adultérios, as fornicações, os latrocínios, os falsos testemunhos, as blasfêmias e as maledicências; — essas são as coisas que tomam impuro o homem; o comer sem haver lavado as mãos não é o que o torna impuro.
Então, aproximando-se dele, disseram-lhe seus discípulos:
Sabeis que, ouvindo o que acabais de dizer, os fariseus se escandalizaram?
— Ele, porém, respondeu: Arrancada será toda planta que meu Pai celestial
não plantou. — Deixai-os, são cegos que conduzem cegos; se um cego conduz
outro, caem ambos no fosso. (São
Mateus, capítulo XV, vv. 1 a 20.)
9.
Enquanto ele falava, um fariseu lhe pediu que fosse jantar em sua companhia.
Jesus foi e sentou-se à mesa. — O fariseu entrou então a dizer consigo
mesmo: Por que não lavou ele as mãos antes de jantar? — Disse-lhe, porém,
o Senhor: Vós outros, fariseus, pondes grande cuidado em limpar o exterior
do copo e do prato; entretanto, o interior dos vossos corações está
cheio de rapinas e de iniquidades. Insensatos que sois! aquele que fez
o exterior não é o que faz também interior? (São
Lucas, capítulo XI, vv. 37 a 40.)
10. Os judeus haviam desprezado os verdadeiros mandamentos de Deus para se aferrarem à prática dos regulamentos que os homens tinham estatuído e da rígida observância desses regulamentos faziam casos de consciência; 2 a substância, muito simples, acabara por desaparecer debaixo da complicação da forma. 3 Como fosse muito mais fácil praticar atos exteriores, do que se reformar moralmente, lavar as mãos do que expurgar o coração, iludiram-se a si próprios os homens tendo-se como quites para com Deus, por se conformarem com aquelas práticas, conservando-se tais quais eram, visto se lhes ter ensinado que Deus não exigia mais do que isso. 4 Daí o haver dito o profeta: É em vão que este povo me honra de lábios, ensinando máximas e ordenações humanas.
5 Verificou-se o mesmo com a doutrina moral do Cristo, que acabou por ser atirada para segundo plano, donde resulta que muitos cristãos, a exemplo dos antigos judeus, consideram mais garantida a salvação por meio das práticas exteriores, do que pelas da moral. 6 É a essas adições, feitas pelos homens à lei de Deus, que Jesus alude, quando diz: Arrancada será toda planta que meu Pai celestial não plantou.
7 O objetivo da religião é conduzir a Deus o homem; 8 ora, este não chega a Deus senão quando se torna perfeito. 9 Logo, toda religião que não torna melhor o homem, não alcança o seu objetivo; 10 toda aquela em que o homem julgue poder apoiar-se para fazer o mal, ou é falsa, ou está falseada em seu princípio. 11 Tal o resultado que dão as em que a forma sobreleva ao fundo. 12 Nula é a crença na eficácia dos sinais exteriores, se não obsta a que se cometam assassínios, adultérios, espoliações, que se levantem calúnias, que se causem danos ao próximo, seja no que for. 13 Semelhantes religiões fazem supersticiosos, hipócritas, fanáticos; não, porém, homens de bem.
14 Não basta se tenham as aparências da pureza; acima de tudo, é preciso ter a do coração.
11. Se alguém escandalizar a um destes pequenos que creem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós que um asno faz girar e que o lançassem no fundo do mar.
Ai do mundo por causa dos escândalos; pois é necessário que venham escândalos; mas, ai do homem por quem o escândalo venha.
Tende muito cuidado em não desprezar um destes pequenos. Declaro-vos que seus anjos no Céu veem incessantemente a face de meu Pai que está nos Céus, porquanto o Filho do homem veio salvar o que estava perdido.
Se a vossa mão ou o vosso pé é objeto de escândalo, cortai-os
e lançai-os longe de vós; melhor será para vós que entreis na vida tendo
um só pé ou uma só mão, do que terdes dois e serdes lançados no fogo
eterno. — Se o vosso olho vos é objeto de escândalo, arrancai-o e lançai-o
longe de vós; melhor para vós será que entreis na vida tendo um só olho,
do que terdes dois e serdes precipitados no fogo do inferno. (São
Mateus, capítulo XVIII, vv. 6 a 11; capítulo
V, vv. 29 e 30.)
12. No sentido vulgar, escândalo se diz de toda ação que de modo ostensivo vá de encontro à moral ou ao decoro. 2 O escândalo não está na ação em si mesma, mas na repercussão que possa ter. 3 A palavra escândalo implica sempre a ideia de um certo arruído. 4 Muitas pessoas se contentam com evitar o escândalo, porque este lhes faria sofrer o orgulho, lhes acarretaria perda de consideração da parte dos homens; 5 desde que as suas torpezas fiquem ignoradas, é quanto basta para que se lhes conserve em repouso a consciência. 6 São, no dizer de Jesus: “Sepulcros branqueados por fora, mas cheios, por dentro, de podridões; vasos limpos no exterior e sujos no interior.”
7 No sentido evangélico, a acepção da palavra escândalo, tão amiúde empregada, é muito mais geral, pelo que, em certos casos, não se lhe apreende o significado. 8 Já não é somente o que afeta a consciência de outrem, é tudo o que resulta dos vícios e das imperfeições humanas, 9 toda reação má de um indivíduo para outro, com ou sem repercussão. 10 O escândalo, neste caso, é o resultado efetivo do mal moral.
13. É preciso que haja escândalo no mundo, disse Jesus, porque, imperfeitos como são na Terra, os homens se mostram propensos a praticar o mal, e porque, árvores más, só maus frutos dão. 2 Deve-se, pois, entender por essas palavras que o mal é uma consequência da imperfeição dos homens e não que haja, para estes, a obrigação de praticá-lo.
14. É necessário que o escândalo venha, porque, estando em expiação na Terra, os homens se punem a si mesmos pelo contato de seus vícios, cujas primeiras vítimas são eles próprios e cujos inconvenientes acabam por compreender. 2 Quando estiverem cansados de sofrer devido ao mal, procurarão remédio no bem. 3 A reação desses vícios serve, pois, ao mesmo tempo, de castigo para uns e de provas para outros; 4 é assim que do mal tira Deus o bem e que os próprios homens utilizam as coisas más ou as escórias.
15. Sendo assim, dirão, o mal é necessário e durará sempre, porquanto, se desaparecesse, Deus se veria privado de um poderoso meio de corrigir os culpados. Logo, é inútil cuidar de melhorar os homens. 2 Deixando, porém, de haver culpados, também desnecessário se tornariam quaisquer castigos. 3 Suponhamos que a Humanidade se transforme e passe a ser constituída de homens de bem: nenhum pensará em fazer mal ao seu próximo e todos serão ditosos por serem bons. 4 Tal a condição dos mundos elevados, donde já o mal foi banido; tal virá a ser a da Terra, quando houver progredido bastante. 5 Mas, ao mesmo tempo que alguns mundos se adiantam, outros se formam, povoados de Espíritos primitivos e que, além disso, servem de habitação, de exílio e de estância expiatória a Espíritos imperfeitos, rebeldes, obstinados no mal, expulsos de mundos que se tornaram felizes.
16. Mas, ai daquele por quem venha o escândalo; 2 quer dizer que o mal sendo sempre o mal, aquele que a seu mau grado servir de instrumento à justiça divina, aquele cujos maus instintos foram utilizados, nem por isso deixou de praticar o mal e de merecer punição. 3 Assim é, por exemplo, que um filho ingrato é uma punição ou uma prova para o pai que sofre com isso, porque esse pai talvez tenha sido também um mau filho que fez sofresse seu pai. Passa ele pela pena de talião; 4 mas, essa circunstância não pode servir de escusa ao filho que, a seu turno, terá de ser castigado em seus próprios filhos, ou de outra maneira.
17. Se vossa mão é causa de escândalo, cortai-a; 2 figura enérgica esta, que seria absurda se tomada ao pé da letra, e que apenas significa que cada um deve destruir em si toda causa de escândalo, isto é, de mal; arrancar do coração todo sentimento impuro e toda tendência viciosa; 3 quer dizer também que, para o homem, mais vale ter cortada uma das mãos, antes que servir essa mão de instrumento para uma ação má; ficar privado da vista, antes que lhe servirem os olhos para conceber maus pensamentos. 4 Jesus nada disse de absurdo, para quem quer que apreenda o sentido alegórico e profundo de suas palavras. Muitas coisas, entretanto, não podem ser compreendidas sem a chave que para as decifrar o Espiritismo faculta.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS.
18. Disse o Cristo: “Deixai que venham a mim as criancinhas.” Profundas em sua simplicidade, essas palavras não continham um simples chamamento dirigido às crianças, mas, também, o das almas que gravitam nas regiões inferiores, onde o infortúnio desconhece a esperança. 2 Jesus chamava a si a infância intelectual da criatura formada: os fracos, os escravizados e os viciosos; 3 Ele nada podia ensinar à infância física, presa à matéria, submetida ao jugo do instinto, ainda não incluída na categoria superior da razão e da vontade que se exercem em torno dela e por ela.
4 Jesus queria que os homens a ele fossem com a confiança daqueles entezinhos de passos vacilantes, cujo chamamento conquistava, para o seu, o coração das mulheres, que são todas mães. Submetia assim as almas à sua terna e misteriosa autoridade. 5 Ele foi o facho que ilumina as trevas, a claridade matinal que toca a despertar; foi o iniciador do Espiritismo, que a seu turno atrairá para ele, não as criancinhas, mas os homens de boa vontade. 6 Está empenhada a ação viril; já não se trata de crer instintivamente, nem de obedecer maquinalmente; é preciso que o homem siga a lei inteligente que se lhe revela na sua universalidade.
7 Meus bem-amados, são chegados os tempos em que, explicados, os erros se tornarão verdades; 8 ensinar-vos-emos o sentido exato das parábolas e vos mostraremos a forte correlação que existe entre o que foi e o que é. 9 Digo-vos, em verdade: a manifestação espírita avulta no horizonte, e aqui está o seu enviado, que vai resplandecer como o Sol no cume dos montes. — (JOÃO o Evangelista. Paris, 1863.)
19. Deixai venham a mim as criancinhas, pois tenho o leite que fortalece os fracos. Deixai venham a mim todos os que, tímidos e débeis, necessitam de amparo e consolação. Deixai venham a mim os ignorantes, para que eu os esclareça. Deixai venham a mim todos os que sofrem, a multidão dos aflitos e dos infortunados: eu lhes ensinarei o grande remédio que suaviza os males da vida e lhes revelarei o segredo da cura de suas feridas! 2 Qual é, meus amigos, esse bálsamo soberano, que possui tão grande virtude, que se aplica a todas as chagas do coração e as cicatriza? É o amor, é a caridade! 3 Se possuís esse fogo divino, que é o que podereis temer? Direis a todos os instantes de vossa vida: Meu Pai, que a tua vontade se faça e não a minha; se te apraz experimentar-me pela dor e pelas tribulações, bendito sejas, porquanto é para meu bem, eu o sei, que a tua mão sobre mim se abate. Se é do teu agrado, Senhor, ter piedade da tua criatura fraca, dar-lhe ao coração as alegrias sãs, bendito sejas ainda. Mas, faze que o amor divino não lhe fique amodorrado na alma, que incessantemente faça subir aos teus pés o testemunho do seu reconhecimento!
4 Se tendes amor, possuís tudo o que há de desejável na Terra, possuís preciosíssima pérola, que nem os acontecimentos, nem as maldades dos que vos odeiem e persigam poderão arrebatar. 5 Se tendes amor, tereis colocado o vosso tesouro lá onde os vermes e a ferrugem não o podem atacar e vereis apagar-se da vossa alma tudo o que seja capaz de lhe conspurcar a pureza; sentireis diminuir dia a dia o peso da matéria e, qual pássaro que adeja nos ares e já não se lembra da Terra, subireis continuamente, subireis sempre, até que vossa alma, inebriada, se farte do seu elemento de vida no seio do Senhor. — (UM ESPÍRITO PROTETOR. Bordeaux, 1861.)
20. Meus bons amigos, para que me chamastes? Terá sido para que eu imponha as mãos sobre a pobre sofredora que está aqui e a cure? Ah! que sofrimento, bom Deus! Ela perdeu a vista e as trevas a envolveram. Pobre filha! Que ore e espere. Não sei fazer milagres, eu, sem que Deus o queira. Todas as curas que tenho podido obter e que vos foram assinaladas não as atribuais senão àquele que é o Pai de todos nós. 2 Nas vossas aflições, volvei sempre para o céu o olhar e dizei do fundo do coração: “Meu Pai, cura-me, mas faze que minha alma enferma se cure antes que o meu corpo; que a minha carne seja castigada, se necessário, para que minha alma se eleve ao teu seio, com a brancura que possuía quando a criaste.” 3 Após essa prece, meus amigos, que o bom Deus ouvirá sempre, dadas vos serão a força e a coragem e, quiçá, também a cura que apenas timidamente pedistes, em recompensa da vossa abnegação.
4 Contudo, uma vez que aqui me acho, numa assembleia onde principalmente se trata de estudos, dir-vos-ei que os que são privados da vista deveriam considerar-se os bem-aventurados da expiação. 5 Lembrai-vos de que o Cristo disse convir que arrancásseis o vosso olho se fosse mau, e que mais valeria lançá-lo ao fogo, do que deixar se tornasse causa da vossa condenação. 6 Ah! quantos há no mundo que um dia, nas trevas, maldirão o terem visto a luz! Oh! sim, como são felizes os que, por expiação, vêm a ser atingidos na vista! Os olhos não lhes serão causa de escândalo e de queda; podem viver inteiramente da vida das almas; podem ver mais do que vós que tendes límpida a visão!… 7 Quando Deus me permite descerrar as pálpebras a algum desses pobres sofredores e lhes restituir a luz, digo a mim mesmo: Alma querida, por que não conheces todas as delícias do Espírito que vive de contemplação e de amor? Não pedirias, então, que se te concedesse ver imagens menos puras e menos suaves, do que as que te é dado entrever na tua cegueira!
8 Oh! bem-aventurado o cego que quer viver com Deus. Mais ditoso do que vós que aqui estais, ele sente a felicidade, toca-a, vê as almas e pode alçar-se com elas às Esferas espirituais que nem mesmo os predestinados da Terra logram divisar. 9 Abertos, os olhos estão sempre prontos a causar a falência da alma; fechados, estão prontos sempre, ao contrário, a faze-la subir para Deus. Crede-me, bons e caros amigos, a cegueira dos olhos é, muitas vezes, a verdadeira luz do coração, ao passo que a vista é, com frequência, o anjo tenebroso que conduz à morte.
10 Agora, algumas palavras dirigidas a ti, minha pobre sofredora. Espera e tem ânimo! Se eu te dissesse: Minha filha, teus olhos vão abrir-se, quão jubilosa te sentirias! Mas, quem sabe se esse júbilo não ocasionaria a tua perda! Confia no bom Deus, que fez a ventura e permite a tristeza. Farei tudo o que me for consentido a teu favor; mas, a teu turno, ora e, ainda mais, pensa em tudo quanto acabo de te dizer.
11 Antes que me vá, recebei todos vós, que aqui vos achais reunidos, a minha bênção. — (VIANNEY, cura d’Ars. Paris, 1863.)
21. Nota. — Quando uma aflição não é consequência dos atos da vida presente, deve-se-lhe buscar a causa numa vida anterior. 2 Tudo aquilo a que se dá o nome de caprichos da sorte mais não é do que efeito da justiça de Deus, que não inflige punições arbitrárias, pois quer que a pena esteja sempre em correlação com a falta. 3 Se, por sua bondade, lançou um véu sobre os nossos atos passados, por outro lado nos aponta o caminho, dizendo: “Quem matou à espada, pela espada perecerá”, palavras que se podem traduzir assim: “A criatura é sempre punida por aquilo em que pecou.” 4 Se, portanto, alguém sofre o tormento da perda da vista, é que esta lhe foi causa de queda. Talvez tenha sido também causa de que outro perdesse a vista; de que alguém haja perdido a vista em consequência do excesso de trabalho que aquele lhe impôs, ou de maus tratos, de falta de cuidados, etc. Nesse caso, passa ele pela pena de talião. 5 É possível que ele próprio, tomado de arrependimento, haja escolhido essa expiação, aplicando a si estas palavras de Jesus: “Se o teu olho for motivo de escândalo, arranca-o.” ( † )
[1] Esta comunicação foi dada com relação a uma pessoa cega, a cujo favor se evocara o Espírito de J. B. Vianney, cura d’Ars.