Justiça
das aflições. (3.)
— Causas atuais das aflições. (4, 5.)
— Causas anteriores das aflições. (6-10.)
— Esquecimento do passado. (11.)
— Motivos de resignação. (12, 13.)
— O suicídio e a loucura. (14-17.)
— INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Bem e mal sofrer. (18.)
— O mal e o remédio. (19.)
— A felicidade não é deste mundo. (20.)
— Perda de pessoas amadas. Mortes prematuras. (21.)
— Se fosse um homem de bem teria morrido. (22.)
— Os tormentos voluntários. (23.)
— A desgraça real. (24.)
— A melancolia. (25.)
— Provas voluntárias. O verdadeiro cilício. (26.)
— Dever-se-á pôr termo às provas do próximo? (27.)
— Será lícito abreviar a vida de um doente que sofra sem esperança
de cura? [É lícito praticar a eutanásia?] (28.)
— Suicídio intencional. (29.)
— Sacrifício da própria vida. (30.)
— Proveito dos sofrimentos para outrem. (31.) |
1.
Bem-aventurados os que choram, pois que serão consolados. — Bem-aventurados
os famintos e os sequiosos de justiça, pois que serão saciados. — Bem-aventurados
os que sofrem perseguição pela justiça, pois que é deles o reino dos
Céus. (São
Mateus, capítulo V, vv. 5, 6 e 10.)
2.
Bem-aventurados vós, que sois pobres, porque vosso é o reino dos Céus.
— Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis saciados.
— Ditosos sois, vós que agora chorais; porque rireis. (São
Lucas, capítulo VI, vv. 20 e 21.)
Mas, ai de vós, ricos! que tendes no mundo a vossa consolação.
— Ai de vós que estais saciados, porque tereis fome. — Ai de vós que
agora rides, porque sereis constrangidos a gemer e a chorar. (São
Lucas, capítulo VI, vv. 24 e 25.)
3. Somente na vida futura podem efetivar-se as compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra; 2 sem a certeza do futuro, estas máximas seriam um contrassenso; mais ainda: seriam um engodo. 3 Mesmo com essa certeza, dificilmente se compreende a conveniência de sofrer para ser feliz. É, dizem, para se ter maior mérito. Mas, então, pergunta-se: por que sofrem uns mais do que outros? Por que nascem uns na miséria e outros na opulência, sem coisa alguma haverem feito que justifique essas posições? Por que uns nada conseguem, ao passo que a outros tudo parede sorrir? 4 Todavia, o que ainda menos se compreende é que os bens e os males sejam tão desigualmente repartidos entre o vício e a virtude; e que os homens virtuosos sofram, ao lado dos maus que prosperam. A fé no futuro pode consolar e infundir paciência, mas não explica essas anomalias, que parecem desmentir a justiça de Deus.
5 Entretanto, desde que admita a existência de Deus, ninguém o pode conceber sem o infinito das perfeições. Ele necessariamente tem todo o poder, toda a justiça, toda a bondade, sem o que não seria Deus. Se é soberanamente bom e justo, não pode agir caprichosamente, nem com parcialidade. 6 Logo, as vicissitudes da vida derivam de uma causa e, pois que Deus é justo, justa há de ser essa causa. Isso o de que cada um deve bem compenetrar-se. 7 Por meio dos ensinos de Jesus, Deus pôs os homens na direção dessa causa, e hoje, julgando-os suficientemente maduros para compreendê-la, lhes revela completamente a aludida causa, por meio do Espiritismo, isto é, pela palavra dos Espíritos.
4. De duas espécies são as vicissitudes da vida, ou, se o preferirem, promanam de duas fontes bem diferentes, que importa distinguir. Umas têm sua causa na vida presente; outras, fora desta vida.
2 Remontando-se à origem dos males terrestres, reconhecer-se-á que muitos são consequência natural do caráter e do proceder dos que os suportam.
3 Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição!
4 Quantos se arruínam por falta de ordem, de perseverança, pelo mau proceder, ou por não terem sabido limitar seus desejos!
5 Quantas uniões infelizes, porque resultaram de um cálculo de interesse ou de vaidade e nas quais o coração não tomou parte alguma!
6 Quantas dissensões e funestas disputas se teriam evitado com um pouco de moderação e menos suscetibilidade!
7 Quantas doenças e enfermidades decorrem da intemperança e dos excessos de todo gênero!
8 Quantos pais são infelizes com seus filhos, porque não lhes combateram desde o princípio as más tendências! Por fraqueza, ou indiferença, deixaram que neles se desenvolvessem os germes do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que produzem a secura do coração; depois, mais tarde, quando colhem o que semearam, admiram-se e se afligem da falta de deferência com que são tratados e da ingratidão deles.
9 Interroguem friamente suas consciências todos os que são feridos no coração pelas vicissitudes e decepções da vida; remontem passo a passo à origem dos males que os torturam e verifiquem se, as mais das vezes, não poderão dizer: Se eu houvesse feito, ou deixado de fazer tal coisa, não estaria em semelhante condição.
10 A quem, então, há de o homem responsabilizar por todas essas aflições, senão a si mesmo? O homem, pois, em grande número de casos, é o causador de seus próprios infortúnios; mas, em vez de reconhecê-lo, acha mais simples, menos humilhante para a sua vaidade acusar a sorte, a Providência, a má fortuna, a má estrela, ao passo que a má estrela é apenas a sua incúria.
11 Os males dessa natureza fornecem, indubitavelmente, um notável contingente ao cômputo das vicissitudes da vida. O homem as evitará quando trabalhar por se melhorar moralmente, tanto quanto intelectualmente.
5. A lei humana atinge certas faltas e as pune. Pode, então, o condenado reconhecer que sofre a consequência do que fez. Mas a lei não atinge, nem pode atingir todas as faltas; incide especialmente sobre as que trazem prejuízo à sociedade e não sobre as que só prejudicam os que as cometem. 2 Deus, porém, quer que todas as suas criaturas progridam e, portanto, não deixa impune qualquer desvio do caminho reto. Não há falta alguma, por mais leve que seja, nenhuma infração da sua lei, que não acarrete forçosas e inevitáveis consequências, mais ou menos deploráveis; 3 daí se segue que, nas pequenas coisas, como nas grandes, o homem é sempre punido por aquilo em que pecou. 4 Os sofrimentos que decorrem do pecado são-lhe uma advertência de que procedeu mal. Dão-lhe experiência, fazem-lhe sentir a diferença existente entre o bem e o mal e a necessidade de se melhorar para, de futuro, evitar o que lhe originou uma fonte de amarguras; sem o que, motivo não haveria para que se emendasse; 5 confiante na impunidade, retardaria seu avanço e, consequentemente, a sua felicidade futura.
6 Entretanto, a experiência, algumas vezes, chega um pouco tarde: quando a vida já foi desperdiçada e turbada; quando as forças já estão gastas e sem remédio o mal. Põe-se então o homem a dizer: Se no começo dos meus dias eu soubera o que sei hoje, quantos passos em falso teria evitado! Se houvesse de recomeçar, conduzir-me-ia de outra maneira. No entanto, já não há mais tempo! 7 Como o obreiro preguiçoso, que diz: Perdi o meu dia, também ele diz: Perdi a minha vida; contudo, assim como para o obreiro o Sol se levanta no dia seguinte, permitindo-lhe neste reparar o tempo perdido, também para o homem, após a noite do túmulo, brilhará o Sol de uma nova vida, em que lhe será possível aproveitar a experiência do passado e suas boas resoluções para o futuro.
6. Mas, se há males nesta vida cuja causa primária é o homem, outros há também aos quais, pelo menos na aparência, ele é completamente estranho e que parecem atingi-lo como por fatalidade. 2 Tal, por exemplo, a perda de entes queridos e a dos que são o amparo da família. Tais, ainda, os acidentes que nenhuma previsão poderia impedir; os reveses da fortuna, que frustram todas as precauções aconselhadas pela prudência; os flagelos naturais, as enfermidades de nascença, sobretudo as que tiram a tantos infelizes os meios de ganhar a vida pelo trabalho: as deformidades, a idiotia, o cretinismo, etc.
3 Os que nascem nessas condições, certamente nada hão feito na existência atual para merecer, sem compensação, tão triste sorte, que não podiam evitar, que são impotentes para mudar por si mesmos e que os põe à mercê da comiseração pública. Por que, pois, seres tão infelizes, enquanto, ao lado deles, sob o mesmo teto, na mesma família, outros são favorecidos de todos os modos?
4 Que dizer, enfim, dessas crianças que morrem em tenra idade e da vida só conheceram sofrimentos? Problemas são esses que ainda nenhuma filosofia pôde resolver, anomalias que nenhuma religião pôde justificar e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, caso se verificasse a hipótese de ser criada a alma ao mesmo tempo que o corpo e de estar a sua sorte irrevogavelmente determinada após a permanência de alguns instantes na Terra. 5 Que fizeram essas almas, que acabam de sair das mãos do Criador, para se verem, neste mundo, a braços com tantas misérias e para merecerem no futuro uma recompensa ou uma punição qualquer, visto que não hão podido praticar nem o bem, nem o mal?
6 Todavia, por virtude do axioma segundo o qual todo efeito tem uma causa, tais misérias são efeitos que hão de ter uma causa e, desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa. 7 Ora, ao efeito precedendo sempre a causa, se esta não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente. 8 Por outro lado, não podendo Deus punir alguém pelo bem que fez, nem pelo mal que não fez, se somos punidos, é que fizemos o mal; se esse mal não o fizemos na presente vida, tê-lo-emos feito noutra. 9 É uma alternativa a que ninguém pode fugir e em que a lógica decide de que parte se acha a justiça de Deus.
10 O homem, pois, nem sempre é punido, ou punido completamente, na sua existência atual; mas não escapa nunca às consequências de suas faltas. 11 A prosperidade do mau é apenas momentânea; se ele não expiar hoje, expiará amanhã, ao passo que aquele que sofre está expiando o seu passado. 12 O infortúnio que, à primeira vista, parece imerecido tem sua razão de ser, e aquele que se encontra em sofrimento pode sempre dizer: “Perdoa-me, Senhor, porque pequei!”
7. Os sofrimentos devidos a causas anteriores à existência presente, como os que se originam de culpas atuais, são muitas vezes a consequência da falta cometida, isto é, o homem, pela ação de uma rigorosa justiça distributiva, sofre o que fez sofrer aos outros; 2 se foi duro e desumano, poderá ser a seu turno tratado duramente e com desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer em humilhante condição; se foi avaro, egoísta, ou se fez mau uso de suas riquezas, poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer pelo procedimento de seus filhos, etc.
3 Assim se explicam pela pluralidade das existências e pela destinação da Terra, como mundo expiatório, as anomalias que apresenta a distribuição da ventura e da desventura entre os bons e os maus neste planeta. 4 Semelhante anomalia, contudo, só existe na aparência, porque considerada tão só do ponto de vista da vida presente. 5 Aquele que se elevar, pelo pensamento, de maneira a apreender toda uma série de existências, verá que a cada um é atribuída a parte que lhe compete, sem prejuízo da que lhe tocará no mundo dos Espíritos, e verá que a justiça de Deus nunca se interrompe.
6 Jamais deve o homem olvidar que se acha num mundo inferior, ao qual somente as suas imperfeições o conservam preso. A cada vicissitude, cumpre-lhe lembrar-se de que, se pertencesse a um mundo mais adiantado, isso não se daria e que só de si depende não voltar a este, trabalhando por se melhorar.
8. As tribulações podem ser impostas a Espíritos endurecidos, ou extremamente ignorantes, para levá-los a fazer uma escolha com conhecimento de causa, 2 os Espíritos penitentes, porém, desejosos de reparar o mal que hajam feito e de proceder melhor, esses as escolhem livremente. 3 Tal o caso de um que, havendo desempenhado mal sua tarefa, pede lha deixem recomeçar, para não perder o fruto de seu trabalho. 4 As tribulações, portanto, são, ao mesmo tempo, expiações do passado, que recebe nelas o merecido castigo, e provas com relação ao futuro, que elas preparam. 5 Rendamos graças a Deus, que, em sua bondade, faculta ao homem reparar seus erros e não o condena irrevogavelmente por uma primeira falta.
9. Não há crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo denote a existência de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar o seu progresso. 2 Assim, a expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação; 3 provas e expiações, todavia, são sempre sinais de relativa inferioridade, porquanto o que é perfeito não precisa ser provado. 4 Pode, pois, um Espírito haver chegado a certo grau de elevação e, nada obstante, desejoso de adiantar-se mais, solicitar uma missão, uma tarefa a executar, pela qual tanto mais recompensado será, se sair vitorioso, quanto mais rude haja sido a luta. 5 Tais são, especialmente, essas pessoas de instintos naturalmente bons, de alma elevada, de nobres sentimentos inatos, que parece nada de mau haverem trazido de suas precedentes existências e que sofrem, com resignação toda cristã, as maiores dores, somente pedindo a Deus que as possam suportar sem murmurar. 6 Pode-se, ao contrário, considerar como expiações as aflições que provocam queixas e impelem o homem a revolta contra Deus.
7 Sem dúvida, o sofrimento que não provoca queixumes pode ser uma expiação; mas, é indício de que foi buscada voluntariamente, antes que imposta, e constitui prova de forte resolução, o que é sinal de progresso.
10. Os Espíritos não podem aspirar à completa felicidade, enquanto não se tenham tornado puros: qualquer mácula lhes interdita a entrada nos mundos ditosos. 2 São como os passageiros de um navio onde há pestosos, aos quais se veda o acesso à cidade a que aportem, até que se hajam expurgado. 3 Mediante as diversas existências corpóreas é que os Espíritos se vão expungindo, pouco a pouco, de suas imperfeições. 4 As provações da vida os fazem adiantar-se, quando bem suportadas. Como expiações, elas apagam as faltas e purificam. São o remédio que limpa as chagas e cura o doente; 5 quanto mais grave é o mal, tanto mais enérgico deve ser o remédio. Aquele, pois, que muito sofre deve reconhecer que muito tinha a expiar e deve regozijar-se à ideia da sua próxima cura. Dele depende, pela resignação, tornar proveitoso o seu sofrimento e não lhe estragar o fruto com as suas impaciências, visto que, do contrário, terá de recomeçar.
11. Em vão se objeta que o esquecimento constitui obstáculo a que se possa aproveitar da experiência de vidas anteriores. Havendo Deus entendido de lançar um véu sobre o passado, é que há nisso vantagem. 2 Com efeito, a lembrança traria gravíssimos inconvenientes. Poderia, em certos casos, humilhar-nos singularmente, ou, então, exaltar-nos o orgulho e, assim, entravar o nosso livre arbítrio. Em todas as circunstâncias, acarretaria inevitável perturbação nas relações sociais.
3 Frequentemente, o Espírito renasce no mesmo meio em que já viveu, estabelecendo de novo relações com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nelas as a quem odiara, talvez o ódio se lhe despertaria outra vez no íntimo. De todo modo ele se sentiria humilhado em presença daquelas a quem houvesse ofendido.
4 Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial.
5 Ao nascer, traz o homem consigo o que adquiriu, nasce qual se fez; em cada existência, tem um novo ponto de partida. Pouco lhe importa saber o que foi antes: se, vê-se punido, é que praticou o mal; 6 suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. 7 As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e dando-lhe forças para resistir às tentações.
8 Aliás, o esquecimento ocorre apenas durante a vida corpórea. Volvendo à vida espiritual, readquire o Espírito a lembrança do passado; nada mais há, portanto, do que uma interrupção temporária, semelhante à que se dá na vida terrestre durante o sono, a qual não obsta no dia seguinte, nos recordemos do que tenhamos feito na véspera e nos dias precedentes.
9 E não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode dizer-se que jamais a perde pois que, como a experiência o demonstra, mesmo encarnado, adormecido o corpo, ocasião em que goza de certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores; sabe por que sofre e que sofre com justiça; 10 a lembrança unicamente se apaga no curso da vida exterior, da vida de relação. Mas, na falta de uma recordação exata que lhe poderia ser penosa e prejudicá-lo nas suas relações sociais, forças novas haure ele nesses instantes de emancipação da alma, se os sabe aproveitar.
12. Por estas palavras: Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados, Jesus aponta a compensação que hão de ter os que sofrem e a resignação que leva o padecente a bendizer do sofrimento, como prelúdio da cura.
2 Também podem essas palavras ser traduzidas assim: Deveis considerar-vos felizes por sofrerdes, visto que as dores deste mundo são o pagamento da dívida que as vossas passadas faltas vos fizeram contrair; suportadas pacientemente na Terra, essas dores vos poupam séculos de sofrimentos na vida futura. Deveis, pois, sentir-vos felizes por reduzir Deus a vossa dívida, permitindo que a saldeis agora, o que vos garantirá a tranquilidade no porvir.
3 O homem que sofre assemelha-se a um devedor de avultada soma, a quem o credor diz: “Se me pagares hoje mesmo a centésima parte do teu débito, quitar-te-ei do restante e ficarás livre; se o não fizeres, atormentar-te-ei, até que pagues a última parcela.” Não se sentiria feliz o devedor por suportar toda espécie de privações para se libertar, pagando apenas a centésima parte do que deve? Em vez de se queixar do seu credor, não lhe ficará agradecido?
4 Tal o sentido das palavras: “Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados.” São ditosos, porque se quitam e porque, depois de se haverem quitado, estarão livres. 5 Se, porém, o homem, ao quitar-se de um lado, endivida-se de outro, jamais poderá alcançar a sua libertação. 6 Ora, cada nova falta aumenta a dívida, porquanto nenhuma há, qualquer que ela seja, que não acarrete forçosa e inevitavelmente uma punição. Se não for hoje, será amanhã; se não for na vida atual, será noutra. 7 Entre essas faltas, cumpre se coloque na primeira fiada a carência de submissão à vontade de Deus; 8 logo, se murmurarmos nas aflições, se não as aceitarmos com resignação e como algo que devemos ter merecido, se acusarmos a Deus de ser injusto, nova dívida contraímos, que nos faz perder o fruto que devíamos colher do sofrimento; 9 é por isso que teremos de recomeçar, absolutamente como se, a um credor que nos atormente, pagássemos uma cota e a tomássemos de novo por empréstimo.
10 Ao entrar no mundo dos Espíritos, o homem ainda está como o operário que comparece no dia do pagamento. A uns dirá o Senhor: “Aqui tens a paga dos teus dias de trabalho”; a outros, aos venturosos da Terra, aos que hajam vivido na ociosidade, que tiverem feito consistir a sua felicidade nas satisfações do amor-próprio e nos gozos mundanos: “Nada vos toca, pois que recebestes na Terra o vosso salário. Ide e recomeçai a tarefa.”
13. O homem pode suavizar ou aumentar o amargor de suas provas, conforme o modo por que encare a vida terrena. 2 Tanto mais sofre ele, quanto mais longa se lhe afigura a duração do sofrimento; 3 ora, aquele que a encara pelo prisma da vida espiritual apanha, num golpe de vista, a vida corpórea. Ele a vê como um ponto no infinito, compreende-lhe a curteza e reconhece que esse penoso momento terá presto passado. A certeza de um próximo futuro mais ditoso o sustenta e anima e, longe de se queixar, agradece ao Céu as dores que o fazem avançar. 4 Contrariamente, para aquele que apenas vê a vida corpórea, interminável lhe parece esta, e a dor o oprime com todo o seu peso. 5 Daquela maneira de considerar a vida, resulta ser diminuída a importância das coisas deste mundo, e sentir-se compelido o homem a moderar seus desejos, a contentar-se com a sua posição, sem invejar a dos outros, a receber atenuada a impressão dos reveses e das decepções que experimente; 6 daí tira ele uma calma e uma resignação tão úteis à saúde do corpo quanto a da alma, ao passo que, com a inveja, o ciúme e a ambição, voluntariamente se condena à tortura e aumenta as misérias e as angústias da sua curta existência.
14. A calma e a resignação hauridas da maneira de considerar a vida terrestre e da confiança no futuro dão ao espírito uma serenidade que é o melhor preservativo contra a loucura e o suicídio. 2 Com efeito, é certo que a maioria dos casos de loucura se deve à comoção produzida pelas vicissitudes que o homem não tem a coragem de suportar; 3 ora, se encarando as coisas deste mundo da maneira por que o Espiritismo faz que ele as considere, o homem recebe com indiferença, mesmo com alegria os reveses e as decepções que o houveram desesperado noutras circunstâncias, evidente se torna que essa força, que o coloca acima dos acontecimentos, lhe preserva de abalos a razão, os quais, se não fora isso, a conturbariam.
15. O mesmo ocorre com o suicídio. Postos de lado os que se dão em estado de embriaguez e de loucura, aos quais se pode chamar de inconscientes, é incontestável que tem ele sempre por causa um descontentamento, quaisquer que sejam os motivos particulares que se lhe apontem; 2 ora, aquele que está certo de que só é desventurado por um dia e que melhores serão os dias que hão de vir, enche-se facilmente de paciência. Só se desespera quando nenhum termo divisa para os seus sofrimentos. E que é a vida humana, com relação à eternidade, senão bem menos que um dia? 3 Mas, para o que não crê na eternidade e julga que com a vida tudo se acaba, se os infortúnios e as aflições o acabrunham, unicamente na morte vê uma solução para as suas amarguras. Nada esperando, acha muito natural, muito lógico mesmo, abreviar pelo suicídio as suas misérias.
16. A incredulidade, a simples dúvida sobre o futuro, as ideias materialistas, numa palavra, são os maiores incitantes ao suicídio; ocasionam a covardia moral. 2 Quando homens de ciência, apoiados na autoridade do seu saber, se esforçam por provar aos que os ouvem ou leem que estes nada têm a esperar depois da morte, não estão de fato levando-os a deduzir que, se são infelizes, coisa melhor não lhes resta senão se matarem? Que lhes poderiam dizer para desviá-los dessa consequência? Que compensação lhes podem oferecer? Que esperança lhes podem dar? Nenhuma, a não ser o nada. Daí se deve concluir que, se o nada é o único remédio heroico, a única perspectiva, mais vale buscá-lo imediatamente e não mais tarde, para sofrer por menos tempo.
3 A propagação das doutrinas materialistas é, pois, o veneno que inocula a ideia do suicídio na maioria dos que se suicidam, e os que se constituem apóstolos de semelhantes doutrinas assumem tremenda responsabilidade. 4 Com o Espiritismo, tornada impossível a dúvida, muda o aspecto da vida. O crente sabe que a existência se prolonga indefinidamente para lá do túmulo, mas em condições muito diversas; donde a paciência e a resignação que o afastam muito naturalmente de pensar no suicídio; donde, em suma, a coragem moral.
17. O Espiritismo ainda produz, sob esse aspecto, outro resultado igualmente positivo e talvez mais decisivo. Apresenta-nos os próprios suicidas a informar-nos da situação infeliz em que se encontram e a provar que ninguém viola impunemente a lei de Deus, que proíbe ao homem encurtar a sua vida. 2 Entre os suicidas, alguns há cujos sofrimentos, nem por serem temporários e não eternos, não são menos terríveis e de natureza a fazer refletir os que porventura pensam em daqui sair, antes que Deus o haja ordenado. 3 O espírita tem, assim, vários motivos a contrapor à ideia do suicídio: 4 a certeza de uma vida futura, em que, sabe-o ele, será tanto mais ditoso, quanto mais inditoso e resignado haja sido na Terra; 5 a certeza de que, abreviando seus dias, chega, precisamente, a resultado oposto ao que esperava; 6 que se liberta de um mal, para incorrer num mal pior, mais longo e mais terrível; 7 que se engana, imaginando que, com o matar-se, vai mais depressa para o Céu; 8 que o suicídio é um obstáculo a que no outro mundo ele se reúna aos que foram objeto de suas afeições e aos quais esperava encontrar; 9 donde a consequência de que o suicídio, só lhe trazendo decepções, é contrário aos seus próprios interesses. 10 Por isso mesmo, considerável já é o número dos que têm sido, pelo Espiritismo, obstados de suicidar-se, podendo daí concluir-se que, quando todos os homens forem espíritas, deixará de haver suicídios conscientes. 11 Comparando-se, então, os resultados que as doutrinas materialistas produzem com os que decorrem da Doutrina Espírita, somente do ponto de vista do suicídio, forçoso será reconhecer que, enquanto a lógica das primeiras a ele conduz, a da outra o evita, fato que a experiência confirma.