Destruição necessária e destruição abusiva. — Alimentação. — Assassínio.
— Duelo. — Pena de morte. — Flagelos destruidores. — Guerras. (Questões 357 a 379 b.) |
357. Por que razão, ao lado de todos os meios de conservação e preservação com os quais a Natureza envolveu os seres orgânicos, haja ela igualmente colocado seus agentes destruidores? [Questão 731.]
“É o remédio ao lado do mal.”
357 a. O princípio de destruição é uma lei da Natureza? [Questão 728.]
“Sim; é preciso que tudo se destrua para renascer e se regenerar.”
O princípio de destruição é assim uma lei da Natureza, cujo objetivo é a renovação e a melhoria dos seres vivos da Criação.
358. A destruição dos seres vivos uns pelos outros é uma lei da Natureza?
“Sim; a fim de se nutrirem, os homens e os animais se destroem entre si. Quando, porém, o fazem por vingança, ou malvadez, a lei é humana, ou, então, são seus maus instintos que os dominam.”
359. A necessidade de destruição sempre existirá entre os homens? [Questão 733.]
“Não; ela cessará com um estado físico e moral mais apurado.”
359 a. Nos mundos em que a organização fisiológica é mais apurada, os seres vivos têm necessidade de alimentar-se? [Questão 710.]
“Sim, mas seus alimentos guardam relação com sua natureza. Tais alimentos não seriam bastante substanciais para vossos estômagos grosseiros, assim como os deles não poderiam digerir vossos alimentos.”
A necessidade de destruição se enfraquece no homem à medida que o Espírito domina a matéria. Mesmo aqui na Terra já podemos ver que o horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral.
360. A abstenção voluntária de alimentação animal é contrária à lei da Natureza?
“Dada a vossa constituição material, a carne alimenta a carne, pois, do contrário, o homem perece. A lei de conservação impõe ao homem o dever de conservar suas energias e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho.” [Questão 723.]
360 a. A abstenção de certos alimentos, prescrita na tradição de diversos povos, tem algum fundamento racional? [Questão 722.]
“É permitido ao homem alimentar-se de tudo o que não lhe prejudique a saúde. Alguns legisladores, no entanto, com fim útil, resolveram proibir o uso de certos alimentos e, para darem maior autoridade às suas leis, apresentaram-nas como emanadas do próprio Deus.”
361. Em virtude da lei de conservação, terá Deus concedido ao homem o direito de destruição sobre os animais?
“Sim, sobre aqueles que possam servir à sua nutrição ou pôr em risco sua segurança; aí acaba o direito de destruição dado ao homem. Quando ele viver pelo menos tanto para o Espírito quanto para a matéria, não mais terá necessidade de destruir, sobretudo seu semelhante.”
361 a. Que se deve pensar da destruição que ultrapassa os limites das necessidades e da segurança? Da caça, por exemplo, quando só tem por objetivo o prazer de destruir sem utilidade? [Questão 735.]
“Predominância da bestialidade sobre a natureza espiritual. Toda destruição que excede os limites da necessidade é uma violação da Lei de Deus.”
362. O instinto de destruição teria sido dado aos homens com fins providenciais? [Questão 728 a.]
“Tudo deve ser destruído para ser regenerado, e as criaturas de Deus são os instrumentos de que Ele se serve. Os animais só destroem com vistas às suas necessidades; mas o homem, que tem o livre-arbítrio, destrói sem precisão; deverá dar conta do abuso da liberdade que lhe foi concedida.”
363. O direito de destruição dá ao homem o de dispor da vida de seu semelhante?
“Não; só Deus tem esse direito.”
363 a. O assassínio é um crime aos olhos de Deus? [Questão 746.]
“Sim, um grande crime; porque, como o homem tem seu livre-arbítrio, é senhor de matar seu semelhante; mas, ao fazê-lo, cortará uma vida de expiação ou de missão, e nisto está o crime.”
364. O assassínio tem sempre o mesmo grau de culpabilidade? [Questão 747.]
“Como já dissemos, Deus é justo e julga mais a intenção do que o fato.”
364 a. Deus desculpa o assassínio em caso de legítima defesa? [Questão 748.]
“Sim; deve-se, porém, evitá-lo, se possível; só a necessidade pode desculpá-lo. Mas se o agredido puder preservar sua vida sem atentar contra a do agressor, deverá fazê-lo.”
365. O duelo pode ser considerado como um caso de legítima defesa? [Questão 757.]
“Não; é um assassínio e um costume absurdo, digno dos bárbaros. Com uma civilização mais adiantada e mais moralizada, o homem compreenderá que o duelo é tão ridículo quanto os combates que antigamente se consideravam como o juízo de Deus.”
365 a. O duelo pode ser considerado como um assassínio por parte daquele que, conhecendo sua própria fraqueza, tem quase certeza de que sucumbirá? [Questão 758.]
“É um suicídio.”
365 b. E quando as possibilidades são as mesmas, é um assassínio ou um suicídio? [Questão 758 a.]
“Ambos.”
Em todos os casos, mesmo naqueles em que as probabilidades são iguais, o duelista é culpado. Primeiro, porque atenta friamente e de propósito deliberado contra a vida de seu semelhante; depois, porque expõe inutilmente sua própria vida, sem proveito para ninguém.
366. Qual o valor daquilo que se chama ponto de honra em matéria de duelo? [Questão 759.]
“Orgulho e vaidade: duas chagas da Humanidade.”
366 a. Mas não há casos em que a honra se acha verdadeiramente empenhada e em que uma recusa seria covardia? [Questão 759 a.]
“Isso depende dos usos e costumes. Cada país e cada século tem a esse respeito um modo de ver diferente. Quando os homens forem melhores e mais adiantados em moral, compreenderão que o verdadeiro ponto de honra está acima das paixões terrenas e que não é matando que repararão uma falta.”
Há mais grandeza e verdadeira honra em confessar-se culpado, quando se cometeu alguma falta, em perdoar, quando se tem razão e, qualquer que seja o caso, em desprezar os insultos que não nos podem atingir.
367. Que pensais da pena de morte? Poderá desaparecer algum dia da legislação humana? [Questão 760.]
“Sim, a pena de morte haverá de desaparecer. Sua supressão assinalará um progresso na Humanidade.”
Sem dúvida, o progresso social ainda deixa muito a desejar. Mas seríamos injustos para com a sociedade moderna se não víssemos progresso nas restrições impostas à pena de morte entre os povos mais adiantados, e na natureza dos crimes aos quais se limita sua aplicação. Se compararmos as garantias de que a justiça, entre esses mesmos povos, procura cercar o acusado, a humanidade de que usa para com ele, mesmo quando o reconhece culpado, com o que se praticava em tempos que ainda não estão muito distantes, não poderemos ignorar a marcha progressiva em que caminha a Humanidade.
368. Por que razão a crueldade forma o caráter dominante dos povos primitivos? [Questão 753.]
“Nos povos primitivos, como os chamais, a matéria predomina sobre o Espírito. Eles se entregam aos instintos animais e, como não têm outras necessidades além das da vida do corpo, só cuidam da conservação pessoal, o que geralmente os torna cruéis. Além disso, os povos de desenvolvimento imperfeito estão sob o domínio de Espíritos igualmente imperfeitos, que lhes são simpáticos, até que povos mais adiantados venham destruir ou enfraquecer essa influência.”
369. A crueldade não resultará da ausência de senso moral? [Questão 754.]
“Dize que o senso moral não está desenvolvido, mas não digas que esteja ausente, porque ele existe, como princípio, em todos os homens. Mais tarde, esse senso moral fará com que os homens cruéis se tornem seres bons e humanos. O senso moral, portanto, existe no selvagem, mas nele está como o princípio do perfume no gérmen da flor que ainda não desabrochou.”
Todas as faculdades existem no homem, em estado rudimentar ou de latência. Elas se desenvolvem conforme lhes sejam as circunstâncias mais ou menos favoráveis.
370. Como se explica que no seio da mais adiantada civilização se encontrem às vezes seres tão cruéis quanto os selvagens? 120 [Questão 755.]
“Do mesmo modo que numa árvore carregada de bons frutos podem encontrar-se alguns defeituosos. São, se quiseres, selvagens que da civilização só têm a aparência, lobos extraviados em meio de cordeiros.”
371. A sociedade dos homens de bem se verá algum dia expurgada dos seres malfazejos? [Questão 756.]
“A Humanidade progride. Esses homens, em quem o instinto do mal predomina e que se acham deslocados entre pessoas de bem, desaparecerão gradualmente, como o mau grão se separa do bom, depois que este é peneirado, só que para renascer sob outro envoltório. Como então terão mais experiência, compreenderão melhor o bem e o mal. Tens disso um exemplo nas plantas e nos animais que o homem tem conseguido aperfeiçoar, desenvolvendo neles qualidades novas. Pois bem! Só depois de muitas gerações o aperfeiçoamento se torna completo. É a imagem das diversas existências do homem.”
372. Com que fim Deus fere a Humanidade por meio de flagelos destruidores? [Questão 737.]
“Para fazê-la progredir mais depressa. A destruição é necessária para a regeneração moral dos Espíritos, que em cada nova existência sobem mais um degrau na escala da perfeição.”
373. E não podia Deus empregar, para a melhoria da Humanidade, outros meios que não os flagelos destruidores? [Questão 738.]
“Sim, e diariamente os emprega, pois deu a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do mal. É o homem que não se aproveita desses meios. É preciso, pois, que seja castigado no seu orgulho e sinta a própria fraqueza.”
373 a. Mas, nesses flagelos, tanto sucumbe o homem de bem como o perverso. Será justo isso? [Questão 738 a.]
“Durante a vida, o homem refere tudo ao seu corpo; após a morte, porém, outra é sua maneira de pensar. Como já dissemos, a vida do corpo é bem pouca coisa. Um século de vosso mundo é um relâmpago na eternidade. Logo, os sofrimentos de alguns meses, ou de alguns dias, nada representam; é um ensinamento que vos é dado e que vos servirá no futuro.”
Os flagelos só nos parecem tão grandes desgraças porque julgamos tudo pelo ângulo restrito da vida material. Esses flagelos só ferem o corpo, e aos olhos de Deus os Espíritos são tudo, os corpos pouco representam.
Quer a morte nos venha por um flagelo, ou por uma causa comum, ninguém deixa de morrer quando houver soado a hora da partida. A única diferença, em caso de flagelo, é que parte ao mesmo tempo maior número de pessoas.
Se pudéssemos nos elevar pelo pensamento de maneira a dominar a Humanidade e abrangê-la completamente, esses flagelos tão terríveis não nos pareceriam mais que tempestades passageiras no destino do mundo.
374. Os flagelos destruidores têm utilidade do ponto de vista físico, não obstante os males que ocasionam? [Questão 739.]
“Sim; algumas vezes mudam as condições de uma região, embora o bem que deles resulte só seja sentido pelas gerações futuras.”
375. Para o homem, os flagelos não seriam também provas morais, ao fazerem que ele se defronte com as mais aflitivas necessidades? [Questão 740.]
“Sim, e que lhe proporcionam o ensejo de desenvolver todas as faculdades da alma. Feliz dele se souber aproveitá-lo!”
Os flagelos são provas que dão ao homem oportunidade de demonstrar paciência e resignação ante a vontade de Deus, permitindo-lhe manifestar seus sentimentos de abnegação, desinteresse e amor ao próximo, caso o egoísmo não o domine
376. É permitido ao homem conjurar os flagelos que o torturam? [Questão 741.]
“Em parte, sim; não, porém, como geralmente o entendem. Muitos flagelos resultam da imprevidência do homem. À medida que adquire conhecimentos e experiência, ele os vai podendo conjurar, isto é, prevenir, se souber pesquisar suas causas.”
377. Qual a causa que leva o homem à guerra? [Questão 742.]
“Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e satisfação das paixões.”
378. O homem é culpado pelos assassínios que comete durante a guerra? [Questão 749.]
“Não, quando constrangido pela força; mas é culpado pelas crueldades que cometa, assim como será levado em conta seu sentimento humanitário.”
379. Qual é o fim providencial da guerra? [Questão 744.]
“A liberdade e o progresso.”
379 a. Se a guerra deve ter por efeito conduzir à liberdade, como se explica que frequentemente tenha por objetivo e resultado a subjugação? [Questão 744 a.]
“Subjugação temporária, para pressionar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.”
379 b. A guerra desaparecerá algum dia da face da Terra? [Questão 743.]
“Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a Lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.”
No estado de barbárie, os povos só conhecem o direito do mais forte; é por isso que a guerra é para eles um estado normal. À medida que o homem progride, ela se torna menos frequente, porque ele lhe evita as causas; e quando é necessária, 121 sabe adicionar-lhe humanidade.
[120] N. E.: Ver “Nota explictiva”, p. 551.
[121] N. T.: Aqui a expressão “quando necessária” deve ser entendida por “quando inevitável”, visto que a guerra nunca é necessária.