Como explanação da doutrina do livre-arbítrio e de várias outras questões tratadas neste livro, transcrevemos textualmente a evocação de um homem eminente pelo saber, há pouco falecido. A elevação dos pensamentos que ele exprime é um indício da superioridade de seu Espírito.
Em nome de Deus Todo-Poderoso, nós te pedimos, Espírito Théophile Z…, que venhas até nós e te dignes, com a permissão de Deus, de responder às nossas perguntas. — Estou aqui; que queres de mim?
Poderias dar-nos tuas impressões depois que deixaste o corpo? — Dir-te-ei que não esperava ter nenhuma, e que o espanto foi por isso maior em mim do que em muitos outros, pois, confesso, estava longe de pensar em impressões sentidas em tal momento, acreditando mesmo que esta parcela de vida que nos anima retornava ao grande todo.
Então não acreditavas na imortalidade da alma? — Hás de compreender o quanto é difícil a um homem que tem um pouco de raciocínio crer no inferno e em seres pouco adiantados; achei melhor acreditar que a alma não passava de uma centelha elétrica que retornava ao seu foco de origem.
Teu modo de ver a alma continua o mesmo de antes da morte? — Não; eu tinha muitas dúvidas; agora não tenho mais nenhuma. Sei que nem tudo se acaba quando tomba o envoltório material; ao contrário, só então somos nós mesmos.
Por onde andas agora? — Vagando neste globo, contribuindo para a felicidade dos homens.
Em que podes contribuir para a felicidade dos homens? — Ajudando-os nas reformas que são necessárias.
Ficarás vagando por muito tempo? — Minha missão, como Espírito errante, está, a bem dizer, apenas começando. Vou tentar inspirar os homens em várias questões graves.
Terás êxito em tua missão? — Não tão facilmente como gostaria; como sabes, custamos a abandonar velhos hábitos e os homens são cabeçudos.
És feliz no estado em que te encontras agora? — Sou muito feliz no estado atual em que me encontro; sei que minha tarefa é bela, embora difícil, e também sei que vou nascer num mundo superior quando minha missão terminar.
Confirmas, então, a doutrina da reencarnação? — Sim; por que não? Crês que nesta existência terás adquirido todos os conhecimentos? Certamente, se praticares o mal, serás punido, mas por intermédio de uma vida de provas na qual não terás consciência do que é mal.
Antes de tua última existência estavas encarnado na Terra? — Não, em Saturno.
Quando habitavas Saturno chegaste a reconhecer algum mal em ti? — Sim, como vês algum em ti; ousarias, porventura, dizer que és perfeito? Digo-te que sentia em mim o mal da ignorância, e que, estando em Saturno, onde o habitante é um pouco mais perfeito que na Terra, eu me sentia um tanto deslocado, pois bem sabia que não tinha adquirido, pelas provas dos mundos inferiores, a felicidade que usufruía por me encontrar num mundo tão humano e tão fraterno. Eu era exatamente como um camponês ignorante e grosseiro posto de repente no seio da mais ilustre corte.
Como se explica que hajas estado em Saturno antes de adquirires suficiente perfeição para lá ficares à vontade? — Um estímulo para me instruir em outros planetas, a fim de poder ir a mundos superiores até mesmo a Saturno, que ainda é muito imperfeito.
Sob que forma te achas entre nós e que ideia poderíamos fazer de tua presença? — Uma forma semimaterial.
Essa forma semimaterial tem a aparência que tinhas quando vivias? — Sim.
Estás contente por te termos evocado? — Sim; porque, ao ser evocado, posso vos falar das impressões que temos após deixar esta vida, e isso é grande ensinamento para os, homens.
Quando vivias na Terra, qual era tua opinião sobre o livre-arbítrio do homem e qual ela é agora? — Acreditava que o homem era livre de bem ou mal se conduzir; agora, porém, defino isso melhor; na Terra eu admitia essa liberdade porque só via a vida presente. Agora creio nela firmemente, pois já sei que o homem, no estado de Espírito, é quem escolhe sua carreira. Isto que faço agora, eu o pedi; é apenas a continuação da existência que eu levava aí. A liberdade é relativa à prova que escolhemos. Há liberdade do bem e do mal sempre que isso dependa da vontade; mas, ainda uma vez: a liberdade é relativa à prova que escolhemos.
Sim, o livre-arbítrio do homem existe; não há fatalidade como o entendeis. O livre-arbítrio consiste na escolha de nossa vida futura, nos instantes de desprendimento do Espírito, e na aceitação de todas as consequências que lhe são decorrentes. Assim, se cada um examinar sua posição anterior e a posição presente nesta vida, verá que teve sempre de lutar contra o mal e que muitas vezes foi o mais forte. Consequência da posição que aceitastes.
O mal é uma necessidade? — Sim; sem o mal seríamos incapazes de discernir o bem. Foi por ter consciência do mal que havia em mim que escolhi esta existência. Fazer o bem é extirpar o mal; como o progresso é uma constante, é preciso que o mal desapareça. O livre-arbítrio do homem consiste principalmente em nos aprimorarmos em cada uma das fases de nossa existência.
O homem, por força de sua vontade e de seus atos, poderá impedir que os acontecimentos que deviam dar-se não se deem, e vice-versa? — Poderá, se esse aparente desvio puder caber na vida que escolheu. Depois, para fazer o bem como deve ser feito, como único fim da vida, ele pode impedir o mal, sobretudo o que possa contribuir para que não aconteça um mal maior; porque aqui, como em todos os outros mundos, o progresso é contínuo: não sofre interrupções.
Há fatos que devam acontecer forçosamente? — Sim, mas que, no estado de Espírito, viste e pressentiste ao fazer tua escolha. Se queimas o dedo, isso tem pouca importância: é consequência da matéria. Só as grandes dores que influem sobre o moral são previstas por Deus, porque são úteis à tua depuração e instrução. [Questão 859 a.]
Escuta! Quando escolhemos uma existência, a hora, como tu a chamas, é-nos desconhecida. Sabemos que, escolhendo tal caminho, adquiriremos conhecimentos que nos são necessários; mas, como te diziam há pouco, não calculamos o tempo como vós outros, principalmente no estado de Espírito, quando temos perfeita consciência de que um século, tal como o consideras, não passa de um segundo na eternidade, pouco nos importando as épocas.
Aquele que morre assassinado já sabia previamente de que gênero de morte iria sucumbir, e pode evitá-lo? — Já sabemos que vamos morrer assassinado, mas não sabemos por quem... Espera! Sabemos que vamos morrer assassinado, como também sabemos, se escolhermos essa vida, das lutas que temos de travar para evitar que isso aconteça, e que, se Deus o permitir, não seremos assassinado.
O homem que comete um assassínio já sabia, ao escolher tal existência, que se tornaria assassino? — Não; escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá chance de matar um de seus semelhantes, mas ignora se o fará, visto que quase sempre se acha em luta consigo mesmo. [Questão 861.]
Por que não devemos conhecer a natureza e a época dos acontecimentos futuros? — A fim de que estes se deem quando Deus quiser, e que, ignorando-os, trabalhes com zelo, já que todos devem concorrer para eles, mesmo para os prejudiciais. Se souberes que algo deve acontecer em seis meses, por exemplo, dirás: Nada posso fazer, vai acontecer mesmo em seis meses. Isso não deve ser assim.
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A questão do livre-arbítrio e da fatalidade não podia ser mais bem elucidada do que o foi por essa comunicação. Ela pode ser resumida assim: o homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não estão escritos antes; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, como prova ou expiação, escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio em que se ache colocado, quer pelas circunstâncias que sobrevenham, quer mesmo pela própria organização do corpo, ao lhe dar tal ou qual predisposição; contudo, terá sempre a liberdade de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe na escolha da existência e das provas que o Espírito elegeu na erraticidade e, na condição de encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos estamos voluntariamente submetidos. Cabe à educação combater estas más tendências, e ela o fará de maneira eficiente quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene. [Questão 872.]