Roteiro 5
O credor incompassivo
Objetivo: Interpretar a parábola do credor incompassivo, à luz do entendimento espírita.
IDEIAS PRINCIPAIS
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A parábola do credor incompassivo refere-se a alguém que teve vultosa dívida perdoada, mas que não soube perdoar quem lhe devia pouca coisa. Recebeu misericórdia e perdão em abundância, mas não se fez merecedor desses benefícios quando colocado em situação similar. Perdeu, desta forma, a oportunidade de quitar suas dívidas de acordo com os preceitos indicados pela Lei de Amor e foi constrangido pagá-las segundo as determinações da lei de causa e efeito, em reencarnações provacionais.
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A misericórdia é o complemento da brandura, porquanto aquele que não for misericordioso não poderá ser brando e pacífico. Ela consiste no esquecimento e no perdão as ofensas. […] O esquecimento das ofensas é próprio da alma elevada, que paira acima dos golpes que lhe possam desferir. […] Ai daquele que diz: nunca perdoarei. Esse, se não for condenado pelos homens, sê-lo-á por Deus. Com que direito reclamaria ele o perdão de suas próprias faltas, se não perdoa as dos outros? Jesus nos ensina que a misericórdia não deve ter limites, quando diz que cada um ¡ perdoe ao seu irmão, não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes. Allan Kardec: O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo 10, item 4.
SUBSÍDIOS
1. Texto evangélico
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Por isso, o Reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos; e, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher, e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse.Então, aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Então, o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem dinheiros e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então, o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Ele, porém, não quis; antes, foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida. Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara. Então, o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos fará também meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas. Mateus, 18.23-35.
Em linhas gerais, esta parábola analisa o perdão e a compaixão.
Todos […] estamos sobrecarregados de imensos débitos para com a Providência Divina; todos, continuamente, lhe suplicamos o perdão. Todavia, somos incapazes de perdoar do fundo do coração a menor falta que alguém cometer contra nós. Queremos que Deus nos perdoe e nos tolere, mas não queremos perdoar, nem tolerar nossos semelhantes. Por meio desta tão singela quanto expressiva parábola o Mestre nos ensina que devemos cobrir com o manto do perdão e do amor os erros, que são cometidos contra nós, porque se assim não o fizermos, compareceremos com nossos erros descobertos na presença de Deus, o qual nos tratará exatamente como tivermos tratado os nossos irmãos. (7)
2. Interpretação do texto evangélico
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Por isso, o Reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos; e, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher, e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse.Então, aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Então, o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida. (Mt 18.23-27).
A parábola faz referência a uma prática que existia na Antiguidade: as pessoas que não podiam pagar as suas dívidas transformavam-se em escravos, podendo ser vendidos, eles e seus familiares. Os bens materiais que possuíam como casa, terras, moedas, animais etc, eram transferidos para o novo proprietário. O devedor citado na parábola devia uma quantia fabulosa. Vendo-se, porém, “[…] ameaçado de ser vendido, e mais a mulher, os filhos, e tudo quanto possuía, para resgate da dívida, pediu moratória, isto é, um prazo para que pudesse satisfazer a tão vultoso compromisso, e o rei [ou senhor], compadecendo-se dele, deferiu-lhe o pedido.”
Inúmeras vezes fez o Mestre referência ao perdão, destacando-o por valioso e indispensável imperativo à evolução humana. Interpelado por Pedro se devia perdoar “sete vezes”, respondeu-lhe que devia perdoar “setenta vezes sete” [Mt 18.21,22], que equivale a dizer: perdoar indefinidamente, tantas vezes quantas forem necessárias. (5)
Realizando uma análise mais apurada da história, verificamos que o perdão, concedido porque aquele senhor, provinha de uma alma elevada, portadora de sentimentos nobres como misericórdia, tolerância, generosidade, capacidade para ouvir e para perceber as dificuldades do endividado. São atributos comuns aos Espíritos superiores, cuja benevolência é incomparável, uma vez que têm por norma de conduta seguir este procedimento: “[…] tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas” (Mt 7.12).
Esta […] é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo. Não podemos encontrar guia mais seguro, a tal respeito, que tomar para padrão, do que devemos fazer aos outros, aquilo que para nós desejamos. Com que direito exigiríamos dos nossos semelhantes melhor proceder, mais indulgência, mais benevolência e devotamento para conosco, do que os temos para com eles? A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando as adotarem para regra de conduta e para base de suas instituições, os homens compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça. Não mais haverá ódios, nem dissensões, mas, tão somente, união, concórdia e benevolência mútua. (1)
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Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem dinheiros e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então, o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Ele, porém, não quis; antes, foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida. (Mt 18.28-30).
A situação, aqui, é outra. O mesmo devedor que teve a dívida perdoada, se revela como pessoa mesquinha e implacável: “Pois bem, mal havia obtido tão generoso atendimento, eis que encontrou um companheiro que lhe devia uma bagatela, ou sejam, cem denários [ou cem dinheiros] […] e, para reaver o seu dinheiro, não titubeou em usar de recursos violentos.” (3)
Infelizmente, esta tem sido a regra geral da conduta humana. Há pessoas que estão sempre prontas para receber benefícios e defender os próprios interesses. Não procedem, porém, da mesma forma para com o próximo. Trata-se de um comportamento contraditório, considerando que somos carentes do perdão e da misericórdia de Deus, e das pessoas que ofendemos. Não foi por acaso que Jesus incluiu na oração “Pai Nosso” a sentença: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6.12).
O conceito de perdão, segundo o Espiritismo, é idêntico ao do Evangelho, que lhe é fundamento: concessão, indefinida, de oportunidades para que o ofensor se arrependa, o pecador se recomponha, o criminoso se libere do mal e se erga, redimido, para a ascensão luminosa. Quem perdoa, segundo a concepção espírita-cristã, esquece a ofensa. Não conserva ressentimentos. Ajuda o ofensor, muita vez sem que este o saiba. Não convém ao aprendiz sincero, sob pena de ultraje à própria consciência, adotar um perdão formal, aparente, socialmente hipócrita. Perdão formal é o que não tem feição evangélica. Guarda rancor. Alegra-se com os insucessos do adversário. Nega-lhe amparo moral e material. (6)
Faltou ao personagem que possuía uma grande dívida agir com misericórdia, mesmo recebendo-a em abundância. É regra da vida que, quem age com misericórdia, perdoa. Quem perdoa, é perdoado. “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas” (Mt 6.14,15).
O perdão se reveste de grande poder moral porque se fundamenta na Lei do Amor e da Caridade. Assim, se “[…] pretendemos banir os males do mundo, cultivemos o amor que se compadece no serviço que constrói para a felicidade de todos. Ninguém se engane. As horas são inflexíveis instrumentos da Lei que distribui a cada um, segundo as suas obras.” (9)
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Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara. Então, o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos fará também meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas. (Mt 18.31-35).
Este trecho, do registro de Mateus, nos reporta à manifestação da lei de causa e efeito. Percebemos, em primeiro, lugar que a criatura endividada recebeu a indulgência e o perdão, mas, malbaratando-os, adquiriu novas dívidas. Em segundo lugar o pagamento que, no início, seria governado pela lei de Amor passou para a custódia e rigor da lei de ação e reação, simbolizada na expressão “atormentadores”, existente no seguinte período gramatical: “indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia”.
Este tópico da narrativa evangélica é de suma importância. Revela, claramente, que há sempre um limite no pagamento das dívidas. Estas podem, algumas vezes, ser realmente muito vultosas, como no caso prefigurado — dez mil talentos! — mas, uma vez pago esse montante, o devedor fica com direito à quitação. Semelhantemente, o pagamento dos dez mil talentos pode determinar longos períodos de sofrimento, muitas existências expiatórias […]. (4)
A primeira alternativa, relacionada ao pagamento de uma dívida, está sempre vinculada à misericórdia divina, pois é o resgate pelo Amor, que é simbolizado na prática da caridade, como ensina o apóstolo Pedro: “Mas, sobretudo, tende ardente caridade uns para com os outros, porque a caridade cobrirá a multidão de pecados” (1 Pe 4.8).
A segunda possibilidade só é estabelecida quando o Amor é ignorado. Assim, a dívida passa a ser administrada pela lei da causalidade, cujo pagamento ocorre não sem a manifesta misericórdia de Deus, sempre presente, mas vinculada aos ditames da justiça divina.
Fica evidente que os reajustes espirituais, quando governados pela Lei de Amor, são os preferidos, ainda que sob o peso das renúncias.
Neste propósito esclarece o benfeitor Emmanuel:
Em qualquer parte, não pode o homem agir, isoladamente, em se tratando da obra de Deus, que se aperfeiçoa em todos os lugares. O Pai estabeleceu a cooperação como princípio dos mais nobres, no centro das leis que regem a vida. No recanto mais humilde, encontrarás um companheiro de esforço. Em casa, ele pode chamar-se “pai” ou “filho” no caminho, pode denominar-se “amigo” ou “camarada de ideal”. No fundo, há um só Pai que é Deus e uma grande família que se compõe de irmãos. […] Santifica os laços que Jesus promoveu a bem de tua alma e de todos os que te cercam. […] Observa em cada companheiro de luta ou do dia uma bênção e uma oportunidade de atender ao programa divino, acerca de tua existência. Há dificuldades e percalços, incompreensões e desentendimentos? Usa a misericórdia que Jesus já usou contigo, dando-te nova ocasião de santificar e de aprender. (8)
ORIENTAÇÕES AO MONITOR: Realizar um amplo debate a respeito do assunto desenvolvido no Roteiro, procurando destacar o valor do perdão e da misericórdia como mecanismos de reajustes espirituais.
ATIVIDADE EXTRACLASSE: Pedir aos participantes que façam leitura e elaborem uma síntese interpretativa das alegorias constantes dos dois textos evangélicos, objeto de estudo da próxima reunião: Lucas, 14.16-24 e Mateus, 22.1-14.
Referências:
1. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 127. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 11, item 4, p. 203.
2. CALLIGARIS, Rodolfo. Parábolas evangélicas. 9. ed. Rio de Janeiro:FEB, 2006. item: Parábola do credor incompassivo, p. 29.
3. Idem, ibidem - p. 29-30.
4. Idem, ibidem - p. 30-31.
5. PERALVA, Martins. Estudando o Evangelho. 9. ed. Rio de Janeiro:FEB, 2006. Capítulo 20 (Perdão), p.100-101.
6. Idem, ibidem - p. 102.
7. RIGONATTI, Eliseu. O evangelho dos humildes. 15. ed. São Paulo: Pensamento, 2003. Capítulo XVIII, item: A parábola do credor incompassivo, p. 172.
8. XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Capítulo 20 (O companheiro), p. 55-56.
9. Idem - Jesus no lar. Pelo Espírito Neio Lúcio. 35. ed. 2006. Capítulo 42 (A mensagem de compaixão), p. 247.