1. Logo que me habituei à nova vida de que me achava possuída na Erraticidade, um dos espetáculos mais empolgantes para mim era contemplar a Terra a uma certa distância.
2 Podem os Espíritos locomover-se como o faziam na Terra, lenta e pesadamente, mas não há necessidade de que assim se proceda.
3 Graças às nossas faculdades volitivas, vencemos as maiores distâncias com rapidez inimaginável, podendo estacionar em qualquer ponto até a zona que nos é possível atingir em nossas condições de relativo desenvolvimento espiritual.
2. Eu quis então ver o orbe terráqueo, dos lugares onde o ar rarefeito se perde nas extensões infinitas e viventes do Éter; desejava saber se eu poderia ver o planeta em seus movimentos rotatórios; porém o que senti em tão grandes alturas foi um imenso torvelinho, como se as atmosferas fossem agitadas por furacões destruidores.
2 Muito abaixo vi massas informes e indistintas… Aproximando-me gradativamente, contemplei a Terra que se me afigurou não um ponto móvel no espaço, porém fixo e obscuro. Muito ao longe ainda, vi nessa mancha escurecida, que se ia avolumando, alguns detalhes como nesgas cinzentas e outras claras como espelhos gigantescos: eram as grandes cidades e os oceanos que eu tinha sob as vistas deslumbradas. 3 A ação do sol dava a tudo isto um tom maravilhoso; todavia, em me aproximando mais, experimentei indescritível medo. Não vi o movimento de rotação do orbe; o que me amedrontava é que me parecia aportar em uma grande Esfera líquida, cujas extremidades se perdiam numa substância leitosa, com relação à cor, porque eu não podia ponderar a sua estrutura íntima.
3. Mas uma voz salvadora murmurou aos meus ouvidos:
“— Não suponhas que te vais mergulhar nas extensões aquosas dos oceanos terrestres; o teu receio é injustificável porque a lei de gravitação agora está subordinada ao teu íntimo querer. Já não estás sob as leis físico-químicas da Terra, cujas medidas e pesos nada mais significam para nós. 2 Pensa no local aonde mais desejarias retornar; idealiza-o na tua mente segundo as tuas lembranças e a tua vontade te guiará ao lugar de tuas preferências.”
3 Atentando bem nas advertências do mentor que me seguia, impulsionada pelo meu desejo, mudei de rumo e, como pensava nos seres caros, que no mundo havia deixado, achei-me repentinamente entre eles na nossa antiga habitação.
4. Ninguém me viu, apesar de me sentir bem viva junto de todos. Então solicitei, da entidade amiga que me acompanhava, uma explicação para aquela situação embaraçosa, dizendo-lhe da inutilidade de nosso regresso ao ambiente dos encarnados, que não se apercebiam da nossa presença.
2 Disse-me então que os trespassados não tinham o direito de influenciar a iniciativa dos que haviam deixado no mundo aos quais os sofrimentos e os trabalhos eram peculiares, acrescentando que, apenas nos domínios da inspiração, poderíamos agir, atuando indiretamente para que se desviassem das resoluções insufladas por Espíritos malfazejos que infestam os ambientes humanos, onde as irradiações da ambição, do egoísmo e da maldade costumam superar as elevadas vibrações do Bem.
5. Aconselhou, porém, que me dirigisse com insistência a todos vós, como se estivéssemos em animada palestra, o que fiz empregando todo o meu potencial de energia psíquica; com os meus esforços, porém, somente consegui que vos lembrásseis ardentemente de minha pessoa. 2 Falastes da saudade, que a minha ausência produzia em vossos corações, da antiga convivência, dos pequeninos episódios domésticos de que vos recordáveis com precisão maravilhosa, em suas mínimas particularidades, e, francamente, chorei sensibilizada em vos ouvindo.
3 As vossas carinhosas lembranças me comoveram e me fizeram grande bem as boas palavras que pronunciastes a meu respeito, ditadas por pensamentos elevados, filhos da afetividade que nos unia. 4 Minha consciência sentiu-se mergulhada num ambiente de serenidade e de paz e eu me lembrei das lágrimas, que derramara nas noites longas de austeras preocupações morais, das dificuldades, que atravessara na existência, dos obstáculos vencidos com as minhas preces constantes para que o nosso lar fosse um ninho de cariciosa paz, onde a pobreza material não prejudicasse a luz do amor, a sublime riqueza dos humildes.
5 Eu não podia, contudo, imergir-me nesse pélago de lembranças; era necessário preocupar-me com as modalidades da minha nova vida e foi nessa disposição de espírito que procurei me afastar daqueles poucos minutos de convívio espiritual convosco.
6. De volta, em regiões atmosféricas do planeta, fui induzida pelo meu preclaro companheiro a contemplar o que podemos chamar de aura da Terra; vi a princípio as camadas de espaço que lhe são imediatas como um todo homogêneo numa cor uniforme.
2 Mas o meu guia exclamou:
— “Busca ver como se liga a humanidade pelo pensamento aos Planos invisíveis. O teu golpe de vista abrangeu a paisagem, procura agora os detalhes.”
3 Fixando atentamente o quadro, notei que filamentos estranhos em posição vertical, se entrelaçavam nas vastidões sem se confundirem uns com os outros. Não havia dois iguais e as suas cores variavam do escuro ao claro mais brilhante. Alguns se apagavam, mas outros se acendiam numa extraordinária sucessão e todos eram possuídos dum movimento natural sem uniformidade em suas particularidades.
4 — “Esses filamentos, — disse-me com bondade — são os pensamentos emitidos pelas personalidades encarnadas; são reflexos cheios de vida, através das quais podemos avaliar os cérebros que os transmitem. Aos poucos conhecerás quais são os da concupiscência, os da maldade, os da pureza, os do amor ao próximo.
5 Esses raros, que vês e que se caracterizam pela sua alvura fulgurante, são os emitidos pela virtude; quando nos colocamos em relação imediata com uma destas manifestações, que nos chegam dos Espíritos na Terra, um contato direto se verifica entre nós e essa individualidade que nos interessa.”
7. Aguçada a minha curiosidade, quis experimentar a relação com um pensamento luminoso que me seduzia; esqueci todos os outros, que nos circundavam, para só fixar as minhas atenções sobre ele. Afigurou-se-me que todos os outros desapareciam, enquanto me envolvia nas irradiações simpáticas daquele traço de luz clara e brilhante.
2 Ouvi então vozes longínquas a exclamar:
— “Meu Deus… meu Deus!… Atende ao meu coração de mãe desamparada. Se falta a mim e aos meus filhos a proteção do mundo, não nos faltará a tua providência misericordiosa! Valha-me neste vale de lágrimas a tua bondade infinita, oh! Pai Nosso que estás no Céu!…”
3 Ouvindo essa prevê comovedora, vi igualmente uma figura de mulher ajoelhada e banhada de pranto; num átomo de tempo, por intermédio de extraordinária interfluência de pensamentos, pude saber qual a razão das suas lágrimas, das suas preocupações e como eram amargas as suas dores! Sensibilizada com as manifestações de sofrimento daquela alma exilada, instintivamente enviei-lhe pensamentos consoladores, pronunciando palavras de fé e de esperança.
4 Vi-a meditar por instantes com o olhar cheio de estranho brilho, como se me houvera pressentido, levantando-se reconfortada para enfrentar a luta, experimentando grande alívio.
8. Ah! Como me senti feliz em haver derramado sobre aquela alma ulcerada o bálsamo do conforto; já sabia como proceder para consolar os infortunados e os infelizes que, perseguidos na face da Terra, mesmo na sua superfície, quando sabem tolerar a sua cruz com abnegação e devotamente já se elevam espiritualmente, espalhando nos espaços a luz dos seus corações resignados, a luz que é o distintivo dos redimidos em contraposição com os orgulhosos, que somente na Terra buscam as suas coroas, as quais rolam apodrecidas no sepulcro.
2 Continuei a reconhecer o valor das angústias depuradoras para os que resgatam na Terra as faltas do passado ou lutam pela sua evolução psíquica, reconhecendo que as dores constituem de fato os imperecíveis tesouros do mundo.
Maria João de Deus