1 Timponi, meu caro, estamos ainda juntos. A morte não conseguiria desfazer laços tão vigorosos.
2 A sepultura é apenas regresso à vida maior, onde o coração prossegue, pulsando no mesmo ritmo de ideal.
3 Meu amigo, meu bom amigo, e a existência passou sem a realização que sonháramos. Todo aquele acervo de esperanças, aquele mundo de projetos sem fim, foram adiados, adiados pelas circunstâncias adversas que, em nos tolhendo o trabalho, sob o guante de ferro, reduziu-nos o esforço, impondo-nos inesperadas limitações. 4 Não tenho, contudo, razões de queixa. A oportunidade foi pródiga de bênçãos e a romagem terrestre fecunda de oportunidades edificantes.
5 Meu erro foi apenas de visão. Entreguei-me demasiadamente ao setor de realizações transitórias convicto de que a luz viria do exterior para o interior, distraído das necessidades de renovação essencial.
6 Minhas preocupações políticas iam excessivamente longe. Idealizava o serviço da transformação geral por determinações de lei. 7 Acreditava que a posse da autoridade nos poderia conferir recursos amplos para a restauração da vida coletiva. O pauperismo impressionava-me. A ignorância era objeto de minha constante preocupação. 8 Instalar uma consciência nova no Brasil, em matéria de política administrativa, constituiu velha obsessão a reduzir-me toda a capacidade de resistência.
9 E supus que pudéssemos alçar a bandeira renovadora tão somente alcançando a simpatia pública para concatenar, de futuro, as determinações do poder.
10 Não me assaltava o propósito de domínio, nem me seduziam quaisquer perspectivas de conquistas ditatoriais. Era a esperança de higienizar o ambiente para a melhoria do homem, era o anseio de estruturara ossatura das classes no gigante ciclópico do Brasil grande e feliz.
11 Entretanto, T., somente aqui se fez bastante luz em meu Espírito. Fascinado pelo materialismo clássico, não conseguia ultrapassar a noção de humanidade. Deixava-me arrastar dentro dos princípios, como viajante que apenas soubesse caminhar sob o manto da noite. 12 Meu coração dormia ante a claridade para agir intensamente nos círculos de sombra. Daí, meu caro, a tardia impressão da realidade. 13 A minha, a nossa política, deveria pairar muito mais alto. Sentíamos o chefe, sem encontrá-lo. Percebíamos a existência do mecanismo de solução justa ao problema, sem identificá-lo.
14 Meu estimado e inesquecível amigo, esse orientador supremo que palpitava, invisível, em nosso entendimento, era bem o Cristo de Deus, e esse mecanismo em que se deveria processar nossa tarefa é a sua Doutrina, não apenas criada e examinada com o raciocínio, mas sobretudo, sentida e vivida com o coração.
15 Essa, T., a descoberta maravilhosa,
a que a morte me conduziu. 16
Compreendo a dedicação com que devemos consagrar à causa pública, entendo,
como indispensável o processo normal da cooperação legítima entre nós
outros e os que necessitam de nós, todavia, as paixões partidárias perderam
para mim aquele fogo sagrado com que as mantinha acesas, dentro dalma
inquieta.
17 A libertação alijou-me cargas mentais muito pesadas e atingi o porto da compreensão evangélica que me faz presentemente tão calmo e feliz. 18 Graças à Providência a sinceridade salvou-me.
19 Viajor de navio pesado em águas revoltas, a lealdade constituiu-me valor precioso, impedindo-me o mergulho fatal. 20 E aqui me encontro, em sua companhia para dizer-lhe que vale a pena sofrer pelas causas nobres, que toda a glória se renova ao trabalhador infatigável do bem e que você deve aproveitar o bendito ensejo de permanência na Terra, na continuidade do belo serviço a que foi conduzido pelas Forças Superiores que lhe presidem os destinos.
21 Você, meu amigo, é senhor de oportunidades extensas, de dádivas desconhecidas, de tesouros ocultos. Não perca o velho contato com as linhas humildes do sofrimento, mobilize as suas energias na laboriosa atividade de socialização; entretanto, a política do Evangelho de Cristo espera-o em região de paz duradoura e luz santificante.
22 Infelizmente a paisagem do Brasil social e político é ainda obscura, desconcertante. Angustiosas surpresas podem surgir, de improviso, aos idealistas militantes. 23 Que outros se atirem às águas turvas é compreensível e natural. Você, porém, meu amigo, recebeu títulos espirituais para serviço muito mais eficiente às coletividades de nossa pátria.
24 A administração pública, a condução dos movimentos educativos no plano social representam tarefas muito respeitáveis, mas o trabalho d’Aquele que é a Luz do Mundo, desde o princípio, constitui divina realização, repleta de glórias absolutas. 25 Creia que para aprender semelhante lição tenho sofrido muito. Não a assimilei sem renunciação e dor. E em transmitindo-a quero apenas significar-lhe o meu carinho de amigo, o meu apreço de companheiro, a minha admiração de irmão de luta, cujo devotamento a você, nem mesmo a morte conseguiu destruir.
26 Guarde, pois, o coração reconhecido do seu de sempre,
Pedro Ernesto
ESCLARECIMENTOS
(Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em Pedro Leopoldo, MG, a 16 de dezembro de 1945, endereçada a Miguel Timponi, n seu amigo e advogado.)
Miguel Timponi n foi Secretário do Interior e Segurança (Justiça), no antigo Distrito Federal, em 1935, quando Pedro Ernesto era o Prefeito.
[1] Dr. Miguel Timponi (Juiz de Fora, MG, 27/9/1893 — Belo Horizonte, MG, 13/02/1964), foi o advogado da Federação Espírita Brasileira e do médium Francisco Cândido Xavier, na década de 40, no rumoroso “caso Humberto de Campos”. E o autor dos livros A Psicografia Ante os Tribunais (O Caso Humberto de Campos) e Magnetismo Espiritual (com o pseudônimo Michaelus), ambos da FEB. (Nota da Editora)
[2] Dr. Pedro Ernesto do Rego Batista. (Recife, PE. 25/09/1886 - Rio [de Janeiro] RJ. 10/08/1942), formado pela Faculdade de Medicinado Rio de Janeiro, destacou-se como político. Participou dos movimentos revolucionários de 1922, 1924 e 1930. Governou a cidade do Rio de Jane iro de 1931 a 1934, período de sua nomeação, pelo Presidente Vargas, como interventor do antigo Distrito Federal; e durante um ano (1935/1936) quando foi eleito prefeito na Câmara Municipal. Quando interventor, “organizou e chefiou o Partido Autonomista. Essa agremiação política, que defendia a autonomia do Distrito Federal e a eleição do prefeito pelo povo, conseguiu vitória fácil nas eleições de 1934. Suspeito de ligações com o movimento de esquerda, Pedro Ernesto foi preso em 1935. Absolvido, ingressou em 1937 na União Democrática Brasileira, mas a partir da decretação do Estado Novo, nesse mesmo ano, passou a dedicar-se exclusivamente a atividades privadas.” (Dados colhidos na Enciclopédia Mirador) (Nota da Editora)