1 Marques, o ex-presidente do templo espírita, falava ao companheiro:
— Teremos assembleia geral depois de amanhã e estou colecionando os documentos. Veremos quem pode mais. Desmoralizarei os mandriões.
2 E Osório, o amigo fiel, ponderava:
— Mais calma. O senhor foi presidente por muitos anos. Sempre respeitado. Sempre querido. Recordemos nossas reuniões. Nosso Dias da Cruz, que o senhor conheceu tão bem, quando neste mundo, prometeu ajudá-lo até ao fim…
3 — Sei que estou protegido, — dizia Marques, beliscando, nervoso, a barba branca, — mas vou colocar a coisa em pratos limpos. A diretoria foi tomada de assalto. É muita gente querendo transformar a casa em gamela gorda.
— Marques, a ironia é veneno.
4 — Tenho fotocópias, retratos, informações e muito papel importante para mostrar o passado desses oportunistas. Todo o material será exibido na assembleia. Alguns desses companheiros transviados são passíveis de xadrez.
— Medite, Marques, medite! — Pedia Osório. — O que passou, passou… Agitar o fundo de um poço é fazer lama. Ore. Peça o amparo do Alto.
5 E, a convite do amigo, os dois se puseram em prece, rogando proteção espiritual.
Em seguida, tornaram à casa de Marques, onde Osório observaria como adoçar o calhamaço.
6 Ao procurar o libelo escrito, o dono da casa ouviu da arrumadeira, que entrara na véspera, a estranha explicação:
— Senhor Marques, todos os papéis que o senhor deixou espalhados nas cadeiras, com retratos e jornais velhos, eu entreguei ao lixeiro, quando o caminhão da Prefeitura por aqui passou.
7 — Meu Deus! — Gritou o velhinho, entrelaçando as mãos na cabeça, ante Osório sorridente, — era serviço de oito meses!
E a jovem inexperiente replicou, sem saber que fazia a definição moral:
— Mas era muita sujeira!…
Hilário Silva