O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Somente amor — Maria Dolores / Meimei


16


Assunto de mulher

  1 Notando um companheiro
Trabalhando a chorar,
Fraternalmente perguntei,
Sem qualquer pretensão,
Como podia eu suprimir-lhe o pesar,
Através da oração…


  2 Ele me respondeu, de sentimento aberto,
— “Irmã Dolores,
O meu drama por certo
É um caso igual a muito caso triste…”


  3 E como se fitasse o próprio centro
Do romance de dor que trazia por dentro,
Esclareceu, sereno:
— “Penso que amor de mãe é a luz maior que existe
Depois do amor de Deus que nos envolve e aquece.
4 Pois, creia. Há doze anos
Fui expulso
Do ninho maternal para sofrer
Terríveis desenganos
Que nunca admiti me viessem testar
A energia da fé e o perdão por dever;
Benfeitores daqui me prepararam
Para existência nova…
5 Cabia-me voltar à Terra, o educandário,
Onde entraria em prova
Para seguir, mais tarde, em novo itinerário.
6 Fui levado ao casal que me receberia;
Ante a futura mãe que Deus me concedia,
Enterneci-me tanto
Que me desfiz em pranto
De júbilo sublime…
7 Era uma jovem de maneiras ternas,
De olhar meigo e profundo,
Pareceu-me, em verdade, ao conhecê-la,
Que viveria ao lado de uma estrela
Em regressando ao mundo…
8 Amparado por nossos benfeitores,
No preciso momento,
Adormeci em branda anestesia,
Depois, sem aflição, sem sofrimento,
Não sei como me vi ligado a ela…
9 Tinha a ideia de estar num sonho de alegria,
Restituído ao tempo de criança…
Dormindo, descuidado, em pequenina cela,
Junto à jovem mulher que me guardava,
Não podia dizer se vivia ou sonhava…
10 Sentia-me crescer envolto de amor puro,
Antevendo, feliz, o brilho do futuro…
11 Mas, quando tudo parecia
Que estava retornando a novo dia,
Senti-me deslocado, de repente,
Sonâmbulo, inconsciente,
Supliquei proteção naquele pesadelo…
12 Ninguém, ninguém me ouvia o repetido apelo,
Reconheci, por fim,
Naquele coração a que o Céu me entregara
Um coração de gelo,
Que me batera e me expulsara
Infeliz, humilhado e semimorto,
Num processo de aborto…
13 Por muito tempo andei numa nuvem estranha,
Remoendo revolta e desesperação,
Como quem despertava, a pouco e pouco,
Até que, em certo dia, acordei quase louco,
Padecendo terrível sensação…
14 Não quis ouvir qualquer aviso
Que me induzisse à bênção do perdão…
15 Fiz-me um demônio de improviso,
Duro perseguidor,
Flagelando, a rigor
Aquela que me dera o menosprezo e a morte,
Aniquilando-me à vontade
Em regime de plena impunidade…
16 Fui encontrá-la numa festa,
Gritei-lhe em rosto o meu ressentimento,
Ela não me escutou, na forma acostumada,
Mas sentiu-me a presença envenenada,
Sob a forma de culpa e de arrependimento…
17 Exagerei-lhe a dor, amargurei-lhe a vida,
Dia a dia, hora a hora, em agressão comprida,
Até que em meu desforço injusto e inglório,
Vi-lhe a entrada num triste sanatório…”


  18 E o companheiro transformado
Em obreiro do bem que servia, a meu lado,
Solicitou, comovedoramente:
— “Agora que compreendo
O dever de ajudar pela bênção do amor,
Já não sou mais o obsessor…
Preciso devolver-lhe o equilíbrio e a saúde,
Fazer-lhe todo o bem que ainda não pude,
Extirpar a raiz dos males que lhe fiz
E auxiliá-la a ser feliz…
Hoje é o dia em que devo estar com ela
Em visita de paz numa prece singela…
Quer ir comigo, irmã?” — Falou o amigo.
E lá me fui ao generoso abrigo
Em que vive a doente…
Não posso descrever o quadro comovente,
A dor que me feriu ao vê-la desgrenhada…


  19 Ao sentir-nos de perto a pobre dementada,
Agitou-se ferida na memória
E recapitulando a própria história,
Começou a gritar em penoso estribilho:
— “Doutor, quero o meu filho…
Onde ficou meu filho?…”


  20 Tocados de emoção,
Oramos pela paz da doente querida,
Mas pensando na dor que geramos na vida,
Roguei a Deus:
— “Senhor, quando eu voltar ao mundo
Seja qual for o campo em que estiver,
Não me deixes perder o sentido profundo
Que puseste em amor, na missão da mulher!…”


Maria Dolores


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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