O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Reencontros — Familiares diversos


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Desfazendo uma dúvida cruel

No mês seguinte ao recebimento de uma carta do filho desencarnado, o Sr. José Lúcio de Oliveira compareceu novamente ao Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, para mostrar a Chico Xavier as cópias xerográficas do Processo instaurado em decorrência do fato que motivou a morte do jovem Benedito Souza de Oliveira. Ele irradiava felicidade, pois as declarações do autor do disparo e das testemunhas concordaram plenamente com o que seu filho havia escrito através do lápis mediúnico!

Os familiares de Benedito — residindo em Pontes Gestal, SP, localidade muito distante da capital paulista, onde ocorreu o fato a 24 de julho de 1977 — ignoravam, até então, o que a Justiça havia registrado da triste ocorrência. Aceitaram as interpretações da causa da morte como acidente, embora guardassem no íntimo uma dúvida cruel: acidental, mesmo?

Assim, as informações vindas do Mundo Espiritual proporcionaram, além do esclarecimento, muito consolo e muita paz à família e aos amigos do jovem.

Na reunião pública de 14 de julho de 1978, em que o Sr. José Lúcio reencontrou-se com Chico Xavier, também lá estávamos, ocasião em que tivemos o prazer de conhecê-lo e de ler a carta de seu querido filho, impressa pela família e distribuída a todos os presentes. Expondo-lhe nossa intenção de divulgá-la pela imprensa espírita — na esperança de que o conteúdo da mesma venha beneficiar outros corações sedentos de consolo e de elucidação para situações semelhantes, — colocou-se ao nosso dispor, prazerosamente, permitindo-nos alinhar estes apontamentos e as notas esclarecedoras da carta mediúnica. n





“SEREI PARA OS MEUS PAIS UM BRAÇO INVISÍVEL NA TERRA DOS HOMENS”


1 Querido papai José Lúcio, querida mãezinha, n rogo-lhes para que me abençoem.

2 Em meu abraço reúno ambos, com o nosso Osmar, n com o Newton Carlos, com a Eliane n e com todos os nossos do coração.

3 Tenho dificuldade de exprimir-me com a fidelidade que desejaria manter. Não sei se escrevo ou se choro, se exponho minha alma ou se agradeço a Deus o momento em que nos vemos aqui reunidos, com a possibilidade de entregar-lhes as minhas notícias, como quem se utiliza de uma agência dos correios, para tranquilizar os entes amados que ficaram distantes.

4 Neste ponto de minhas palavras, n ignora-se o afastamento, está do meu lado outra parte da família querida. 5 A desencarnação nos atira num mundo completamente novo. No íntimo estamos conscientizados quanto à volta ao lar verdadeiro, porquanto retornamos à paisagem de que um dia nos retiramos para configurarmos de novo no Plano físico, à maneira de quem veste uma roupa pesada de trabalho; no entanto, regressamos para cá demasiadamente condicionados. 6 Sei que todos somos filhos de Deus, mas ainda não consigo renunciar à certeza de que sou filho de meus pais terrestres e irmão dos meus irmãos acima de tudo.

7 Creio que Deus nos permite essas situações para que o amor prossiga por luz inapagável a clarear-nos o caminho, porque, em verdade, pertencemos a Deus, mas Deus nos aproximou um dos outros para escorarmos mutuamente na caminhada para diante.

8 Sinto meus irmãos todos aqui: João, Oswaldo, Maurílio, José e Amélia, n estão na tela de minhas lembranças com a mesma consistência da imagem do nosso querido Osmar aqui à frente de meus olhos.

9 Mãezinha querida, meu pai, estou com o meu avô José Rodrigues de Souza n que me auxilia a endereçar-lhes esta carta. Foi ele o benfeitor de sempre, quem me recolheu naquelas horas de julho, há quase um ano… n

10 Certamente não me preparara ante a prova que me exigia compreensão e solidariedade para com o amigo que não teve qualquer culpa no acidente que me provocou a passagem de um estado de vida para outro.

11 Peço aos pais queridos e a todos os familiares não julguem o nosso caro Roque — o amigo Aladeir n — culpado pelo desastre.
É preciso lhes fale assim claramente, porquanto não devo incriminá-lo e nem a pessoa alguma com relação ao acontecido.

12 Realmente, não era meu jeito experimentar qualquer arma de fogo e muito menos brincar com semelhante perigo. Estava seriamente interessado na realização de meu cursinho e para isso o trabalho no Banco era sagrado.

13 Entretanto, creio que os amigos são partes de nós mesmos. Nosso companheiro, de longe, apenas demonstrando como manejava uma arma, segundo o que deduzi no impacto da ocorrência, mas asseguro-lhes que o resultado com a operação de limpeza não estava de modo algum nos intuitos dele. 14 Meu avô me fez observar que eu resgatara uma dívida e que fui realmente muito feliz por não empenhar-me a débitos novos.

15 Caí no solo desamparadamente, quanto a mim mesmo por dentro de mim; no entanto, por mais que levasse as mãos ao peito na tentativa de escapar ao fim do corpo, notei que minhas forças esmoreciam…

16 Meu pai, creio que seja necessário que eu diga que o senhor e minha mãe estavam em meu pensamento… Entendi quanto haveriam de chorar, tanto quanto eu mesmo tombava com lágrimas diante do inevitável… 17 Na cabeça as ideias conflitavam. Aquele anseio de falar sem poder e aquele desejo de sobreviver, os gritos dos amigos que chegavam e as providências de que me via objeto a fim de que uma hospitalização inútil me devolvesse a vida física.

18 Nesse emaranhado de pensamentos que se embatiam uns contra os outros, notei que um sono pesado me cerrava as pálpebras ou que alguém me cerrava as cortinas dos olhos para que eu encontrasse o descanso.

19 Quanto tempo estive assim, no limiar de uma vida diferente da nossa, não sei dizer…

20 Posso informar, no entanto, que acordei com meu avô José Rodrigues e com uma benfeitora de nome Rosa, n que vim a saber posteriormente… Ainda assim, embora soubesse de improviso que estava em companhia do vovô que não mais pertencia a existência física, acreditei-me alucinado pela dor da ferida que ressurgia com o meu despertamento… 21 Julgava-me num Instituto de Tratamento, mas, a breves instantes, meu avô carinhosamente me convidava à aceitação da realidade… 22 Bastou reformar as sensações do corpo denso, que permaneciam comigo, para que ouvisse no recôndito de meu próprio ser as vozes de casa… Eram as lágrimas do senhor, papai, e o choro de mamãe, indagando o porquê do acontecimento… 23 Graças a Deus, em meio do sofrimento nosso, tão profundamente nosso, luzes brilhavam… Eram as orações com que se dirigiam a Deus pedindo por minha paz. 24 Eu sabia… Minha obrigação era igualmente conformar-me, ser digno dos pais, amigos e cristãos aos quais a Bondade Divina me confiara…

25 Recordei, então, que nada estava em meu coração contra ninguém… Desenhei na mente a figura do amigo Roque que deveria estar igualmente lutando com a nossa dor e, recebendo as preces de casa, conquanto sofresse ainda a sensação das horas últimas do corpo, roguei também a Deus para que o companheiro estivesse tranquilo e para que ninguém o incomodasse pedindo-lhe contas daquilo que era minha dívida e não dele…

26 Desde esses momentos em que me renovava, notei que um alívio me alcançava. A ferida me pareceu receber um bálsamo curativo que me chegava de nossa casa… As orações de meus pais, compreendendo, de longe, o meu anseio de ver o amigo absolutamente tranquilo e essas vibrações de entendimento encharcadas de pranto me sedavam o espírito…

27 Meu avô me esclareceu que o esquecimento de quaisquer lembranças amargas, sobretudo aquelas que poderiam insuflar em nós o ressentimento sem razão de ser, funcionava por abençoado remédio da alma enferma e abatida.

28 A compreensão trabalhava minhas energias espirituais à maneira de um milagroso tranquilizante e, desde então, venho buscando meios de encontrar este instante em que lhes venho reafirmar a continuidade da vida.

29 Osmar, amigo e irmão, você sabe que a minha imaturidade, em relação aos problemas do espírito, ainda era muito grande e por isso agradeço-lhe as preces e vibrações de paz e amor em meu benefício. Você, que possui a felicidade de penetrar no conhecimento das ideias que devo agora adquirir, continue me auxiliando… n Papai, o Senhor compreenderá que seu filho, embora iniciante na vida nova, não conseguiu permanecer ao seu lado no mundo físico, de modo a formar-me num curso superior, de maneira a corresponder aos seus ideais de pai amoroso e imensamente bom, mas eu posso aqui melhorar-me e ser útil. 30 Serei para o senhor e para mãezinha Maria Rosa um braço invisível na terra dos homens, entretanto, sempre seguro e firme buscando ajudá-los, de algum modo, deste meu novo campo de ação, para o qual as criaturas todas da Terra um dia retornarão…

31 Não pude formar a família com a qual sonhava n para continuar as nossas alegrias domésticas desdobradas, como no caso de nosso Osmar. No entanto, farei bons amigos, trabalhando a fim de ofertar-lhes um círculo de afeições que a todos nos auxiliará, aí e aqui…

32 Estou feliz apesar das lágrimas que me lavam os pensamentos nestas páginas escritas, mas essas lágrimas são de esperança e fé em Deus. Confiemos em Deus e saibamos aceitar as Leis Divinas que nos regem a todos.

33 Aqui devo finalizar esta carta, mas prosseguiremos juntos no intercâmbio dos pensamentos. Envio muitas lembranças aos irmãos e a todos aqueles que se encontram em nosso iluminado jardim de carinho e gratidão; espero continuarem me fortalecendo com o apoio das preces.

34 Toda oração em nosso favor parece uma luz que nos atinge, passando a nutrir-nos de confiança maior na vida.

35 Querida mamãe e querido papai, recebam todo o amor que posso sentir em minha pequenez espiritual, com o coração agradecido por todas as bênçãos de que me enriqueceram e enriquecem a vida, um beijo de muita gratidão e de imenso carinho do filho que pede a Deus por nós todos.

36 Sempre o filho presente no coração que lhes deve a existência e tudo de bom que a existência nos possa oferecer,


Dito n




NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


1 - Papai e mãezinha — José Lúcio de Oliveira e Maria Rosa de Souza Oliveira, seus pais. Em 2/6/1978, quando falaram sobre a perda deste filho querido ao médium Chico Xavier, no início de uma reunião pública do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, foram orientados para colocarem sobre a mesa um papel constando os nomes do filho e dos pais, e a data da desencarnação. Foi o suficiente para receberem, em noite alta, esta carta psicografada.

2 - Osmar — Osmar Souza de Oliveira, irmão, presente à reunião.

3 - Newton Carlos e Eliane — Sobrinhos.

4 - Neste ponto de minhas palavras — No parágrafo que se inicia com esta frase, Dito [Benedito] faz uma colocação clara e simples do processo reencarnacionista, pelo qual todos nós evoluímos.

5 - João, Oswaldo, Maurílio, José e Amélia — Irmãos.

6 - José Rodrigues de Souza — Avô materno, desencarnado há 11 anos.

7 - Naquelas horas de julho, há quase um ano… — Dito [Benedito] faleceu a 24/7/1977.

8 - O nosso caro Roque, o amigo Aladeir — Aladeir Roque. Pelos familiares é chamado de Aladeir, mas Dito [Benedito] o tratava de Roque.

9 - Rosa — Benfeitora espiritual, não identificada pela família.

10 - Osmar, você que possui a felicidade de penetrar no conhecimento das ideias que devo agora adquirir, continue me auxiliando… — Osmar é espírita militante, estudioso da Doutrina.

11 - Não pude formar a família com a qual sonhava (…), como no caso de nosso Osmar — Dito [Benedito] tinha uma namorada em São Paulo, a quem devotava muita estima. Na época da entrevista com o Sr. José Lúcio, Osmar estava noivo.

12 - Dito — Assim Benedito Souza de Oliveira era tratado pelos seus familiares e amigos. Nasceu em Riolândia, SP, aos 17/6/1956. Em São Paulo, trabalhava na Finasa Mercantil e no Banco Itaú. Frequentava um cursinho com vistas à concretização de seu grande ideal: ser médico.


Hércio Arantes


[1] No livro impresso: “notas esclarecedoras do próximo Capítulo.” — Esta matéria foi publicada primeiramente no Anuário Espírita 1979, IDE, Araras, SP, pp. 13-19.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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