O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Porto de alegria — Familiares diversos


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Jovens em ação assistencial na Terra

Kalil José deixou a vida física com apenas 21 anos, em acidente automobilístico na RJ-116, em Banquete, Distrito de Bom Jardim, RJ, a 6 de março de 1981.

O jovem residia em Niterói, RJ, com seus pais Dr. Nacyr e Therezinha Chicaybam, e naquele acidente fatal passeava de carro com sua namorada Márcia, que se recuperou das lesões sofridas.

Após um intervalo de quatro anos, enquanto “preparava seus sentimentos para escrever com a serenidade necessária”, escreveu longa carta à sua mãe, presente à reunião pública do GEP, em Uberaba, na noite de 16 de março de 1985, expondo detalhadamente os lances e as emoções de sua desencarnação, bem como a luta de adaptação nos primeiros tempos de Vida Nova.

Após um ano (15/3/1986), redigiu outra afetuosa carta, abordando a assistência espiritual à família durante a enfermidade de seu progenitor, cantando um hino de louvor à medicina humanitária.

Nas duas cartas seguintes (21/6/1986 e 09/11/1986), Kalil teceu interessantes considerações sobre o trabalho realizado no Núcleo Assistencial Escola “Irthes Therezinha”, localizado no Bairro Fazendinha, em Niterói, tanto pelos encarnados, como pelos Espíritos, inclusive por ele próprio e jovens amigos, junto aos irmãos mais necessitados.




PRIMEIRA CARTA


1 Querida mãezinha Therezinha, n depois de tanto tempo, eis-me aqui para beijar-lhe as mãos.

2 Não foi ausência, nem separação. Estive preparando meus sentimentos para escrever com a serenidade necessária. A princípio, me vi por dentro de um vulcão emocional que me destrambelhou todas as energias.

3 Escrevo, pensando igualmente no Chefe, nas irmãs queridas, na Márcia e no Ciso, n pois associo todos os nossos familiares ao amor e à saudade que me prendem a todos, conquanto me sinta agora mais livre para exprimir os meus pensamentos.

4 Muito grato por suas preces e suas flores no dia 6 deste mês, quando a nossa memória se fixou no dia inolvidável do choque fulminante que não esperava.

5 Saíra com a Márcia para alguns momentos de refazimento e diálogo, e quando a carreta nos atirou para fora da pista, senti que minha coluna se quebrava, tão violento foi o golpe do carro em luta sobre minha garganta. 6 Imaginei que devia prestar o socorro necessário à nossa estimada Márcia; entretanto, o meu raciocínio rodopiou e me vi incapaz de qualquer movimento a fim de amparar a companheira. 7 O turbilhão de ideias que me acudiram ao cérebro apossou-se totalmente de mim. Quis gritar, pedir assistência; no entanto, algo me desligara do corpo inerte. 8 Percebi a chegada de pessoas que se propunham a auxiliar-nos, ouvi os gemidos de Márcia e, no íntimo, chorei, lamentando aquela imobilidade dos meus recursos de manifestação. 9 Notei que me transportavam para alguma parte que soube depois ser o hospital, onde o meu coração parou de bater.

10 Eu sabia pela preleções do Chefe, que um caso de medula estrangulada era o prenúncio de morte próxima, e lembrei-me das suas preces. 11 Mãezinha, por que há de chegar um momento na vida em que só a oração consegue prevalecer em nosso cérebro bombardeado pelo sofrimento? Esse instante havia chegado para seu filho.

12 Ouvi as palavras de amigos asseverando que o fim chegara para o meu corpo e deixei-me tomar por um anseio indefinível. 13 Intimamente, notava todas as minhas faculdades ativas, muito embora nada pudesse dizer com os lábios hirtos. 14 Vivia profundamente por dentro de mim; entretanto, reconhecia-me cego, sem conseguir explicar a mim próprio aquele arrasamento de meu próprio ser. 15 Vagamente, mas com certeza, notei que me separavam de mim mesmo. Onde alguém que me pudesse esclarecer, quanto àquela dualidade que me atribulava e destruía? 16 Apenas mais tarde, vim a saber que o meu corpo físico fora transportado para outro lugar, mas eu mesmo permanecia ainda no leito do hospital, à espera do socorro que me parecia tardar.

17 Depois de alguns minutos, que me pareceram longos demais, senti que alguém se sentara a meu lado e me afagava a cabeça dolorida com mãos carinhosas, que me faziam lembrar as suas, quando a sua dedicação me sabia doente. Aquelas mãos falavam de entendimento a respeito da minha aflitiva situação. — Quem me socorre? — Indaguei no pensamento atormentado. 18 Mas a pessoa que me trazia o bálsamo do alívio através de suas mãos leves e carinhosas, respondeu de maneira que ouvi distintamente as suas primeiras palavras: — Kalil, pois você não é o filho de Therezinha? Sou a sua avó Emília, n talvez muito distante no tempo para que você me reconheça.

19 Talvez registrando a minha ansiedade, a querida benfeitora continuou: — Vim buscá-lo para que você possa dormir.

20 Não sei se as minhas lágrimas de reconforto e gratidão me saltavam dos olhos ou se ficavam concentradas por dentro de mim. A comoção me invadiu de novas sensações de paz e calor, que me davam a ideia de que me reanimaria. 21 A senhora que me amparava me pedia para dormir, dormir… Tomou-me o corpo sobre o colo, qual se fosse a mamãe e me aconchegava, de tal modo ao próprio peito, que a sonolência não demorou a transformar-se em sono profundo…

22 Depois de tudo isso, despertei, não sei depois de quantos dias, num aposento em que consegui respirar como queria. Respirar, respirar… Tentei abrir os olhos com receio de que não reagissem, mas, como num prodígio de Deus, a visão se me fazia presente.

23 Via a benfeitora que me buscara, ao meu lado, à feição de um anjo convertido em enfermeira que me guardasse. 24 A voz não veio tão depressa. Comecei por fazer movimentos labiais, rememorando palavras que ficavam mudas em minha boca. 25 Médicos vieram em meu auxílio e depois de aplicações, que acredito sejam de magnetismo curativo, me devolveram vida e vibrações às cordas vocais.

26 Atendendo-me à insistência, aquela que se declarava minha avó ou tataravó Emília, passou a me informar de todo o ocorrido, enquanto a escutava, sem disfarçar meu espanto. — E Márcia? — Perguntei.

27Sim, — explicou-me. — Para Márcia não houve chamado para a vida espiritual. Ela se restaurará em breve tempo. Espere e eu mesma lhe farei companhia no regresso à casa…

28 Mãezinha Therezinha, compreendi que me cabia aguardar com paciência, até que chegou o momento de voltar. Voltar numa condição desconhecida para mim. 29 A protetora deu-me uma das mãos, qual se conduzisse uma criança e entrei em nossa residência para a qual os meus olhos do corpo físico se haviam cerrado. Encontrei-a no quarto chorando à frente de um dos nossos retratos e compartilhei de suas lágrimas qual se os seus olhos estivessem pranteando nos meus.

30 Quis rever meu pai e fui encontrá-lo em outro aposento, com os olhos vermelhos de chorar, encerrado ali, naquele pedaço de nossa casa, como se quisesse poupá-la à dor de vê-lo amargurado e abatido. Foi um novo abraço de profunda emoção que a nossa dor traduzia em gotas ardentes. 31 O Chefe sempre tão forte, também estava ali à minha frente, qual se trouxesse uma lâmina fincada no peito. Grande papai! Sabia dar expansão à nossa dor, fora de sua presença, decerto para não lhe agravar o estado de silenciosa desesperação.

32 Percorri a casa e encontrei a roupa da Teca e da Maria Emília, n uma bola do Ciso que levei à altura do peito, com as saudades do querido irmão. 33 Depois fui visitar a nossa querida Márcia, que se sentia quase restituída à normalidade orgânica, e outras emoções me barraram a palavra, porque não sabia senão exprimir-me através da linguagem do pranto, de vez que os meus pensamentos atribulados se misturavam por dentro de meu cérebro, inibindo-me quaisquer manifestações.

34 Foram assim os meus primeiros tempos na Vida Espiritual. A vó Maria Dulce n veio várias vezes visitar-me e os nossos diálogos se faziam cada vez mais esclarecedores. Tudo atingira o estado ideal em que devia agora viver, mas as saudades da mamãe e do Chefe, as saudades da Márcia e de meus irmãos ainda se adensavam por muito tempo dentro de mim. 35 A paisagem que me rodeava era plena de beleza, mas o poder da mente nos insensibiliza para a renovação espiritual, quando não queremos ver as maravilhas que nos cercam, e a nossa vida em Niterói palpitava em meu Espírito. 36 Minhas avós assinalavam a minha dor de rapaz, contrariado nos planos que arquitetara para o futuro e souberam conduzir-me à conformação construtiva, sem palavras de compaixão que me humilhassem os brios.

37 E a vida nestes quatro anos tem sido de reeducação e despertamento para outro gênero de existência. Trago-lhe, porém, as minhas saudades inalteradas. Muitos aspectos de nossa vida se modificaram principalmente em relação às meninas e o nosso Ciso está mais homem, prometendo ser o companheiro de que o Chefe necessitava.

38 Mamãe Therezinha, é tudo o que lhe posso dizer, pedindo em preces a Jesus para que a nossa Márcia encontre alguém que lhe envolva na felicidade que não lhe pude dar. Estou feliz ao vê-la ligada à nossa casa, substituindo-me junto aos queridos pais e, de minha parte, caminho para diante com estudos novos a me desafiarem a imaginação e a criatividade.

39 Agradeço, querida mamãe, tudo o que a sua generosidade vem realizando em matéria de assistência em meu nome. Muitas vezes surpreendo-a distribuindo esse ou aquele benefício sentindo as minhas mãos nas suas, como se eu já tivesse algo para dar.

40 Não tenho ainda condições para ser útil aos meus entes queridos e aos nossos irmãos da caminhada humana, mas tenho o seu coração materno para aprender a doar o seu amor à necessidade de tanta gente. Mãe querida, muito grato.

41 O Ricardo Tuñas n está comigo e me recomenda agradecer por ele o que se faz em seu nome.

42 Compreendo a vida por outros prismas. A morte é um banho de renovação por dentro de nós mesmos.

43 Mãezinha Therezinha, perdoe-me haver escrito tanto. Isso é saudade, porque a saudade não conhece o ponto final. 44 Se lhe posso dar qualquer segmento de mim mesmo, entrego-lhe o meu coração que lhe deve tanto!

45 Meus respeitos ao Chefe e meu abraço às irmãs e ao Ciso, e porque a emoção me tolda o olhar, termino esta carta assim longa, que os amigos presentes compreenderão, porque sou um filho a falar com a mãezinha que Deus me deu e a quem devia narrar tudo o que me sucedeu. 46 Sei que os amigos nesta sala não me reprovarão ante o tempo que tomei a todos, porque o amor à mãezinha Therezinha falou mais alto em mim, do que a cortesia que devo aos que nos recebem aqui com tanta amizade e carinho.

47 Receba, deste modo, as imensas saudades e os agradecimentos do filho que vem aprendendo consigo a transfigurar o mundo num céu para a caridade e para o serviço ao próximo.

48 Em sua alma querida, toda a minha alma, e em seu coração, todo o coração do filho, sempre seu,


Kalil José

Kalil José Barbosa Chicaybam.


NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


1 — Mãezinha Therezinha (…) pensando no Chefe — Casal Dr. Nacyr Chicaybam (chamado Chefe, pelo filho, na intimidade) e Therezinha Barbosa Chicaybam, residente em Niterói, RJ.


2 — Ciso — Apelido carinhoso de Nacyr Barbosa Chicaybam, irmão.


3 — Avó ou tataravó Emília — Emília Rita dos Santos, tataravó materna, desencarnada em 02/11/1943.


4 — Teca e Maria Emília — Irmãs. Teca é o apelido, em família, de Maria Thereza.


5 — Vó Maria Dulce — Maria Dulce Mizher Chicaybam, avó paterna, desencarnada em 10/5/1950.


6 — O Ricardo Tuñas está comigo — Ricardo Tuñas Costa Leite, também de Niterói, filho do casal Ronaldo M. C. Leite e Carmen T. C. Leite, regressou ao Além aos 17 anos, em 23/12/1981. É amigo de Kalil e companheiro de tarefas no “Núcleo Assistencial” da Fazendinha. Sua participação nesse Núcleo é descrita na obra Gratidão e Paz (Francisco C. Xavier, Espíritos Diversos, IDE, 1ª ed., 1988, cap. 4.), da qual é co-autor.




SEGUNDA CARTA


1 Querido Chefe e querida mamãe Therezinha, estamos juntos. Não me seria possível renunciar ao desejo de estabelecer o contato desta hora.

2 Querido Chefe, estou quase em forma a fim de servi-lo, segundo os meus deveres. Creia que ao ver aqui os pais queridos, penso em como seríamos felizes se estivéssemos todos aqui reunidos, o nosso Ciso, a nossa Maria Emília, a nossa Teca e a nossa Márcia para o nosso diálogo aberto, em que lhes falasse a todos de minhas saudades e de minhas alegrias. Tanta gente do coração, queríamos ao nosso lado; no entanto, é preciso contentar-nos com o possível.

3 Agradeço os pensamentos de carinho e as flores de amor que recebi de casa, no dia 6 deste mês, e prometo esforçar-me para crescer em méritos espirituais, que ainda não tenho, para retribuir-lhes tantas demonstrações de afetuoso apreço.

4 Querido Chefe, estas minhas páginas têm sobretudo o objetivo de saudá-lo por suas melhoras de saúde e de comunicar-lhes que a vovó Maria Dulce esteve, em todo o tempo de seu tratamento, ligada à mamãe Therezinha, infundindo-lhe as forças precisas para doar-lhe toda a assistência que o Chefe querido merece de todos nós.

5 Pai, a sua missão no auxílio dos doentes é um encargo de origem sublime. Medicina em sua abençoada vida é um apostolado, e Deus nos permitirá a felicidade de vê-lo sempre identificado com a ciência do bem, amparando aos que necessitam de apoio e sobretudo aos companheiros desvalidos que contam apenas com Deus e com os homens de bem e os médicos humanitários a fim de sobreviverem. Tenho acompanhado as suas tarefas, e orgulho-me de ser o seu filho, conquanto a minha pequenez para ombrear consigo em suas realizações.

6 Tenho procurado inspirar ao nosso querido Ciso quanto às oportunidades que ele usufrui ao seu lado, e contamos que Jesus auxiliará ao irmão querido para que ele se lhe faça o companheiro dedicado que não pude ser.

7 Chefe querido, receba as nossas felicitações pela sua resistência em todo o tratamento de sua saúde que seguimos, dia a dia, formulando nossos votos ao Céu por sua volta às atividades normais. 8 Agradeço à mamãe Therezinha tudo quanto faz no meritório serviço de assistência, atribuindo a mim a autoria de serviços que efetivamente não são meus, e sim dela própria, cujo coração irradia entendimento e bondade.

9 A vovó Maria Dulce veio comigo abraçá-los, mas a vó Emília nos fez mensageiros do carinho que lhes consagra. Digo vó Emília, porque eu mesmo admito que nessa questão de nomenclatura, em árvore genealógica, o título dos antepassados não deve passar de avô e avó, porque buscar designações recuadas no tempo seria uma tarefa desagradável e até mesmo ingrata, de vez que não compreendo se considerem velhos aqueles corações aquecidos de amor e sempre jovens no esforço de auxiliar-nos e compreender-nos.

10 Querido Chefe, com a mamãe Therezinha, receba o que eu possa trazer de bom em meu coração, e se trago qualquer migalha do que seja bom na vida, devo isso aos pais queridos, aos quais a Divina Providência me confiou. 11 Com muito carinho à nossa Márcia e às irmãs queridas, com o Ciso sempre em minha lembrança, entrego-lhes aqui, ao querido Chefe e a querida mamãe Therezinha, todo o coração do filho sempre mais reconhecido,


Kalil José

Kalil José Barbosa Chicayban




TERCEIRA CARTA


1 Querida mãezinha Therezinha, abençoe-me.

2 Não esperava fosse eu o servidor designado para escrever-lhe, pois temos conosco outros amigos de Niterói. Acontece que mentores nossos julgaram oportuno me expressasse sobre os encargos de assistência na Fazendinha, n porque lá me integro na equipe de trabalho, e não pude faltar ao dever da obediência.

3 O nosso Ricardo está em nossa companhia e abraça a irmã Dona Carmen com alegria. 4 E também de minha parte, além da satisfação de abraçá-la, lembro-me do amor ao querido Chefe, meu amigo e meu pai, e tenho no coração o querido Ciso, e as queridas irmãs Teca e Maria Emília, com todos os nossos de imagens fixadas em minha memória, entre os quais a nossa Márcia, possui no meu íntimo uma foto permanente. Isso tudo é natural, diz a vó Maria Dulce que nos acompanha, porque todos nós temos no Espírito um cantinho reservado aos corações que se nos fazem mais queridos.

5 A vó Emília continua zelando pela saúde do nosso querido Chefe, esperando que ele permaneça em dia com os tratamentos e regimes necessários à preservação de suas energias. 6 Há muita gente que acredita serem os médicos um tanto descrentes dos remédios que aconselham aos pacientes, motivo pelo qual a cirurgia vem ganhando terreno nas cidades mais populosas; entretanto, sei que meu pai não pensa desse modo e sabe assimilar as medicações de que se reconhece necessitado.

7 Mas venho agradecer a oportunidade de serviço que me ofereceram na Fazendinha, que se tornou, aos poucos, um aldeamento ou subúrbio da bondade pelas tarefas que tantos corações queridos ali desempenham com alegria.

8 Com apoio de vários mentores nossos de Niterói, a turma operosa está ampliando o espaço para socorro adequado às mães e crianças desvalidas, e agora que achamos todos os servidores concentrados na obra em realização, estamos colaborando para que os nossos serviços ali se façam cada vez mais eficientes e mais amplos.

9 De meu lado, exerço atividades no grupo de companheiros que manipulam recursos bactericidas, n em favor das crianças, e sinto-me satisfeito, dentro do novo mister que me faculta o necessário ensejo para treinar em trabalho de assistência, conseguindo prosseguir em meus estudos ao mesmo tempo.

10 A obra é extensa e Jesus nos permitirá que novos cooperadores apareçam. O serviço em andamento chama outros amigos às ações do bem, que é sempre um monte de obrigações por atender. 11 Peço ao seu carinho de mãe, saudar as nossas irmãs e irmãos que se dedicam com tanto empenho ao serviço por amor aos semelhantes. 12 Alguém dirá que uma realização sozinha não resolve os problemas da Terra; no entanto, quando outras realizações congêneres se estabelecerem, teremos conquistado vasta faixa do mundo para a vitória do bem.

13 Temos igualmente os críticos que sorriem do nosso esforço modesto, alegando, por exemplo, que aparece muita gente embriagada no Morro do Cavalão, onde a Fazendinha mantém concurso admirável e constante. 14 Mas somente aqui, na Vida Espiritual, conseguimos enxergar a provação do homem ou da mulher que se embriaga. Depois de conhecer-lhes os problemas, falha-nos de todo o desejo de recriminá-lo, porque em maioria são eles tristes irmãos nossos que não possuem a precisa coragem para enfrentar a precariedade dos meios de que dispõem para garantir a própria subsistência.

15 Não estamos justificando hábitos infelizes; entretanto, colocando-nos em lugar deles. Que faríamos nós se víssemos um filhinho doente, em condições graves, sem recursos para assegurar-lhe o socorro preciso? Que comportamento seria o nosso, enxergando a nossa própria mãezinha enferma, suportando provas orgânicas irreversíveis sem que lhe pudéssemos minimizar os sofrimentos? Como procederíamos na provação de uma criança que saísse de casa, com o desejo de encontrar qualquer resto de prato, que lhe servisse à guisa de almoço? Problemas que a turma da Fazendinha vem estudando com atenção e que está solucionando sem alarde, em nome de Jesus, o Amigo Celeste.

16 Mamãe Therezinha, o Ricardo e eu nos engajamos na obra, e estamos cooperando quanto possível para que as exigências da alimentação, especialmente para o grupo infantil, não sofram qualquer corte, de modo que os nossos pequenos cresçam fortes e felizes.

17 Sei que o seu coração está sempre decidido a doar o que possa e quanto possa, nessa bendita seara de amor ao próximo, e agradeço-lhe os exemplos que valem para mim por estímulos santos para que não nos enfraqueçamos no ideal de servir.

18 E agradeço também ao querido Chefe, que nunca sonegou colaboração gratuita aos companheiros doentes e infelizes. 19 Sou um filho sem justificação para perder tempo e oportunidade para trabalhar, porque nos pais amigos vejo espelhos, nos quais devo enxergar a minha própria imagem e melhorar a pequenina parcela de ação que me cabe no setor de serviço em que me encontro.

20 Agradeço a Jesus por todas essas bênçãos, que erradicaram de meu pensamento as lembranças amargas do acidente, no qual a Márcia e eu fomos vítimas de compulsórias renovações. 21 O trabalho com Jesus é vida nova e por isso, escrevo estas notas sem a preocupação de salientar nomes, porque isso nos faz cair nas omissões lamentáveis, já que todas as criaturas maravilhosas que agem e concretizam o bem, por dentro do nosso campo de trabalho, nos merecem especial apreço pela dedicação com que se conduzem.

22 Deus nos ilumine e nos abençoe, para que possamos filtrar os ensinamentos do Cristo, n através de nossas mãos e corações irmanados para o bem.

23 Aqui ficam as nossas palavras despretensiosas, em que mostramos a nossa felicidade de aprender a servir.

24 Meu abraço ao querido Chefe, e muito carinho à Márcia e às irmãs que estão sempre hospedadas em minhas saudades grandes.

25 O Ricardo envia muito amor à mãezinha Dona Carmen, e eu, mamãe Therezinha, lhe entrego todo o meu amor filial, rogando a Jesus faze-la com meu pai sempre mais fortes e mais felizes. 26 Com o meu respeito de sempre, receba a ternura e a saudade do seu filho e companheiro de sempre,


Kalil José

Kalil José Barbosa Chicaybam


NOTAS


7 — Assistência na Fazendinha — O Núcleo Assistencial Escola “Irthes Terezinha”, instalado na Fazendinha, um bairro carente de Niterói, “é um trabalho espírita com evangelização para adultos e crianças, assistência médica, distribuição de gêneros alimentícios, material escolar, e enxovais para recém-nascidos, além do reforço escolar para as crianças carentes. Também são confeccionados uniformes escolares e bonecas, estas distribuídas por ocasião do Natal. Foi fundado em 27/4/1980, por inspiração do nosso querido Chico Xavier, e congrega hoje uma equipe composta de 90 colaboradores que dão atendimento a 100 famílias e 400 crianças. Faz parte da tarefa, o ensino de trabalhos manuais às mães assistidas, sendo que a renda obtida com a venda, em bazares beneficentes, do material elaborado por elas, é revertida às próprias mães. O Núcleo Escola está subordinado ao Grupo Espírita da Fé, que funciona à Rua Dr. Sardinha, 149, Santa Rosa, Niterói.”


8 — Exerço atividades no grupo de companheiros que manipulam recursos bactericidas, em favor das crianças, — É uma interessante atividade, semelhante à descrita pelo Dr. José F. Guaraná de Barros, no Cap. 3 desta obra. Na próxima carta, Kalil apresenta explicações mais detalhadas do seu “posto de trabalho bactericida.”




QUARTA CARTA


1 Querida mamãe Therezinha, estou aqui, em companhia do Ricardo e de outros amigos, a fim de agradecer-lhe, tanto quanto à nossa irmã Dona Carmen, pelo que vem sendo realizado na Fazendinha, n em Niterói.

2 O progresso da escola de Irthes Therezinha n é manifesto aos olhos de todos os que visitam a oficina de trabalho e, sobretudo, desejo destacar o nosso entusiasmo com os trabalhos de artesanato, fio e costura levados a efeito por nossas irmãs, as senhoras assistidas que se promoveram à condição de partícipes na administração, pelo serviço que realizam em tarefas contabilizadas pela instituição com a participação de todas as que trabalham na vida salarial de nossa casa.

3 É importante para mim que, enquanto jovem na vida física, nunca me interessei pela atividade de irmãos da Humanidade, a ponto de auxiliá-las na defesa da própria saúde. A Fazendinha se reveste agora de funções específicas valiosas, como seja a alimentação suficientemente controlada, a alfabetização de crianças e adultos, erguendo almas e vidas para o nível de normalidade a que todos aspiramos.

4 Perguntasse aí uma de minha irmãs, a Teca ou a Maria Emília, como se achava o açúcar ou o óleo usados em casa para a nossa família e não saberia responder, considerando a pergunta desnecessária e inconveniente, de vez que me escorava em seu carinho de mãe e na previdência do querido Chefe; 5 no entanto, agora fiscalizo por obrigação e igualmente por amor os pratos em que o alimento é administrado às crianças, e acompanho a água potável com atenção, para cumprir os deveres que me foram confiados, com a pontualidade do servidor que não deseja se desmoralizar.

6 A Márcia, talvez não teria um esposo tão exigente, em assuntos de nutrição e saúde, qual me acontece presentemente. Ela pode sorrir um tanto de minhas informações e afirmar que o nosso casamento se faria sem tantas preocupações com a higiene dos meninos desvalidos; no entanto, mais tarde, a querida Márcia verificará quão significativo se faz agora semelhante trabalho para mim, de vez que, na palavra da avó Emília, 7 é preciso aprender a nos encarregarmos de tarefas consideradas pequeninas para que possamos abraçar as grandes empresas de serviço qual se fossem insignificantes. 8 Aqui, reconhecemos que o espírito de sequência deve estar presente em todas as nossas organizações e partilhando as atividades singelas de nossa Instituição, no posto de trabalho bactericida humilde, embora vou seguindo em frente, na esperança de especializar-me e ser mais útil.

9 Mãezinha Therezinha, muito grato por seu entusiasmo quando lhe comunico a minha alegria por estar aprendendo a servir. Conjuntamente com o trabalho singular a que fui chamado, consigo igualmente assimilar a verdade de que todos somos filhos de Deus e de que o mais instruído deve ensinar ao companheiro que ignora os mínimos princípios da convivência humana; 10 e as ilações que retiro de meu esforço ainda humilde, me impelem a refletir na grandeza do ensino na Terra, quando no currículo de lições estiver incluindo a prática do amor ao próximo e da proteção à Natureza.

11 Mãe querida, sei que o Chefe se mostrará satisfeito, porquanto meu pai possui bastante compreensão da tarefa pequenina de seu filho, que se faz servidor dos irmãos mais necessitados do que nós mesmos, e se reconhecerá mais satisfeito com isso do que se me soubesse transferido para uma das grandes cidades do exterior, exercendo o tráfico clandestino de certos valores do comércio e palmando muito dinheiro.

12 A nossa Márcia igualmente saberá entender-me, e se orgulhará do companheiro que abraçou o serviço considerado desprimoroso pelas convenções na Terra, mas de alto valor na Vida Espiritual.

13 Muito amor à nossa Milita, ao Vicente e ao Léo. Ricardo e eu felicitamos a todos os corações amigos daquele pedaço de Niterói que nos fala muito alto aos corações.

14 Ao Ciso, envio o abração de sempre. Às meninas nossas e à nossa Márcia as minhas saudades e o meu carinho habitual. 15 Um abraço respeitoso ao querido Chefe, a quem peço não desconsiderar as melhoras da saúde e prosseguir com a medicação precisa, e para o seu coração de mãe, ofereço os meus melhores sentimentos com todo o reconhecimento por tudo quanto devo à sua infatigável bondade, sempre o seu filho reconhecido,


Kalil


NOTA


9 — O progresso da escola de Irthes Therezinha — Irthes Therezinha Lisboa de Andrade, nascida e desencarnada em Ubá, MG, respectivamente, em 27/8/1921 e 15/ 7/1977, foi espírita atuante, inclusive, no campo mediúnico, recebendo instrutivas páginas do Além. Diplomou-se professora primária. Três meses após o desenlace, enviou a sua primeira mensagem, pelo lápis mediúnico de Chico Xavier, endereçada aos seus amigos, integrantes da União da Mocidade Espírita de Niterói, publicada no Anuário Espírita 1984, p. 75/80. Em 1983, a Casa Espírita Cristã (Edições CORDIS), de Vila Velha, ES, lançou o belo livro Irthes & Irthes, de autoria mediúnica de Júlio Cezar Grandi Ribeiro, com mensagens do Espírito de Irthes, bem como outras, anteriormente psicografadas por ela mesma, agora enviadas pela Irthes após revisão dos próprios autores espirituais. Irthes, Espírito, é também co-autora da obra Cura, de Francisco C. Xavier, Autores Diversos, GEEM, 1988.


Hércio Arantes



[1] No original: “de Cristo” — Vide explicação de Allan Kardec sobre a anteposição do artigo à palavra Cristo.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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