O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Mensagens de Inês de Castro — F. C. Xavier / Caio Ramacciotti / Inês de Castro


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O Reinado de D. Pedro

O suceder implacável dos fatos históricos volve mais uma etapa, impulsionando o povo português a novas vivências no longo percurso da afirmação de sua nacionalidade, em seu contexto mais amplo, com a sedimentação das conquistas político-administrativas, dos valores culturais e dos costumes.

No início de 1357, morre D. Afonso IV ( † ) aos 66 anos. O velho guerreiro, afeito aos rigores das campanhas, nos últimos meses de sua vida, já mostrava sinais de desalento.

Dividira parte das funções reais com o filho, por meio do acordo definido nas Pazes de Canaveses, ( † ) entretanto, continuava reinando.

Alquebrado, seus pensamentos se detinham insistentemente no triste 7 de janeiro de 1355, quando determinou a morte de Inês de Castro. ( † )

Não pairam dúvidas à nossa visão espírita da existência terrena, interligada intensamente com a vida além da sepultura, que o filho de Isabel de Aragão ( † )  estava sendo preparado pela mãe para as mudanças interiores que lhe impressionariam os refolhos da alma nos séculos vindouros.

Fala-se que chegara a perdoar a Inês, revogando-lhe a sentença de morte, sensibilizado pelos rogos da infeliz mãe, agarrada aos filhinhos, no paroxismo da dor. Os conselheiros o teriam demovido do gesto generoso.
Não se sabe…

Seria real a versão ou a imaginação popular acrescentara uma pitada de amor ao coração de D. Afonso, atenuando-lhe no espírito a força das razões de Estado que o levaram ao ato devastador?

A dura realidade para D. Afonso é que um hóspede indesejável lhe visitava a alma, espreitando seus pensamentos mais entranhados e turbando suas elucubrações: o remorso.

De fato, por que seria Inês um perigo para o reino, se aceita como futura rainha com o falecimento de D. Constança? ( † )

Não o foram sua mãe, Isabel, voltada às conversas com os santos e aos gestos de caridade, socorrendo a população sofrida, nem a esposa, D. Beatriz, ( † ) de quem temos pouca notícia nos relatos históricos.

Inspirada pela Rainha Santa, que, no Plano Espiritual, agia intensamente para a concretização da paz, Beatriz buscou o filho, exortando-o a cessar a brutal revolta contra o pai, conseguindo dele a renúncia aos projetos de ódio.

Mais tarde, sim, décadas depois, vamos encontrar em Leonor Teles, ( † ) como já expus anteriormente, o exemplo de participação da mulher nos escaninhos das decisões políticas.

Urdiu Leonor intensamente com respeito à sucessão do finado rei D. Fernando, ( † ) denotando simpatia por maior influência do reino de Castela na corte portuguesa.

Inês, mãe extremosa, companheira fiel, estava muito mais próxima do lar e das ideias de amor e caridade da avó de D. Pedro, distante das obscuras confabulações do poder temporal, o que não escapou à percuciência de D. Afonso IV, que levou para o túmulo essas impressões.

Antes, já no leito da morte, conhecendo bem o filho, buscou salvar a pele a seus conselheiros, envolvidos na decisão de janeiro de 1355, aconselhando-os a fugir de Portugal, a despeito da proteção que lhes dava o ato jurídico assinado em Canaveses.

Pedro assumiu o trono aos 37 anos. Joaquim Ferreira, em sua História de Portugal, observa que:

A experiência da vida e o conhecimento das coisas públicas davam-lhe aptidões particulares para o desempenho do governo.

Os exemplos do pai, somados à longa tradição de sabedoria provinda especialmente de D. Dinis, ( † ) constituíam uma escola de virtudes cívicas — uma lição eloquentíssima de firmeza na condução do Estado e de lisura nos domínios da justiça.

Trazia no espírito as ideias de justiça e paz, nascidas dos longos colóquios da juventude com a avó Isabel. Acompanhava-o, porém, acentuada turbulência interior, haurida nos tempos implacáveis da destruição de seu lar.

Cremos que essas duas vertentes marcaram-lhe o universo íntimo, sendo as responsáveis por seus acertos e desacertos na condução do reino.

Assim, ao mesmo tempo em que procurou renovar relações com a vizinha Castela, cujo soberano, Afonso Onzeno, ( † ) à época de Afonso IV, criara frequentes desavenças com Portugal, encetou tortuosa e lamentável caminhada para repatriar os conselheiros de seu pai e, enfim, vingar-se da morte de Inês.

Acertou com o sucessor de D. Afonso Onzeno, também de nome Pedro, ( † ) chamado o Cruel, a troca de exilados, devolvendo ao rude rei de Castela desafetos que se haviam refugiado em solo português.

Dos três conselheiros de D. Afonso, desterrados em Sevilha, pôde deter dois. O terceiro, ( † ) alertado por um mendigo a quem dava esmolas, conseguiu fugir ao cerco que visava à sua extradição.

Diz o folclore português, com endosso de alguns estudiosos, haver Pedro mandado retirar sadicamente a Pero Coelho ( † ) e ao meirinho-mor de D. Afonso, Álvaro Gonçalves, ( † ) o coração ainda pulsante — a um pelas costas e ao outro, do próprio peito.

Há contestações a essas barbaridades, perpetradas na época medieval e respaldadas pelo direito de vingança. Porém, eram efetivamente possíveis. Ocorre que os soberanos portugueses e, em especial, Pedro, marcado pela forte influência de D. Dinis, executavam a justiça — por mais rude fosse a represália — por meio de responsáveis nomeados e conforme os procedimentos legais.

O outro conselheiro, Diogo Lopes Pacheco, ( † ) que fugira a tempo de Castela, avisado pelo mendigo, mais tarde retornou a Portugal e foi perdoado nos instantes finais da vida de D. Pedro, recebendo em devolução os bens confiscados, já das mãos de D. Fernando. ( † )

Do curto reinado de dez anos de D. Pedro, prefiro falar de modo mais coloquial, desdobrando as realizações significativas do conturbado rei.

Uma de suas lúcidas decisões foi a adoção do Beneplácito Régio. ( † )

Até D. Pedro, a influência da Igreja em Portugal, na Reconquista, ( † ) era excessiva, de molde a limitar o poder real com as bulas papais e a atuação dos bispos. A edição do Beneplácito Régio proibiu a publicação e a execução das bulas papais sem a chancela real.

Nas Cortes de Elvas, ( † ) em 1361, o clero, revoltado, reclamou pela sua abolição, ao que D. Pedro respondeu que nunca permitiria a publicação das letras pontifícias sem que as tivesse examinado previamente e com elas concordado. O ato corajoso de D. Pedro constituiu-se em avanço significativo na emancipação do poder civil. Era o princípio da afirmação da soberania do Estado, até então subordinado aos ditames da Igreja.

Na administração fazendária, o seu governo cuidou da moeda com probidade e determinação, tornando o reino rico e abastado, posto em grande abundância, no dizer de Fernão Lopes.

Ao morrer, deixou Portugal em situação confortável, guardando as sobras do orçamento, moedas e barras de ouro, em caixas-fortes do Estado, espalhadas pelo país, preparando o caminho para o reinado de D. Fernando I. ( † )

Sua marca, contudo, se faz mais evidente na aplicação da justiça, que exercia com mão de ferro, já desde os dois últimos anos do reinado do pai. Muito se fala de decisões esdrúxulas, violentas, mas indubitavelmente, Pedro buscou o rigor na aplicação das leis, visando à tranquilidade do povo, de que foi indefesso protetor.

Curioso o rigor que o rei determinara no cumprimento dos prazos legais para agilizá-los. Entre outras medidas, os despachos tinham de ser dados no dia da entrega das petições, sob pena de demissão dos responsáveis.

Com poucas surtidas na relação com os vizinhos, em sua época, Portugal viveu dez anos de paz.

Voltamos às palavras de Joaquim Ferreira, lembrando Fernão Lopes, quando conclui seu breve estudo sobre a gestão de D. Pedro I: ( † )

O mais remoto depoimento sobre D. Pedro veio-nos do seu cronista. E quanto nos informa deste reinado esmalta de tons vívidos e severos a índole do rei.

Os súditos choraram-lhe a morte com lágrimas de gratidão. Mereceu bem essa homenagem.

A sua administração foi equilibrada. Valorizou a moeda, multiplicou o bem-estar do povo.

José Mattoso, quando estuda a monarquia feudal em seu imponente trabalho sobre a história lusitana, lembra que “o governo de D. Pedro foi o único do século XIV em que Portugal não conheceu guerras”.


Caio Ramacciotti


Texto extraído da 35ª edição desse livro, revisto e ampliado pelo autor.

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