O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Mensagens de Inês de Castro — F. C. Xavier / Caio Ramacciotti / Inês de Castro


14


Desdobramentos do encontro na Sé de Lisboa.
Notícias de Isabel de Aragão

No capítulo que trata do casamento de Pedro com D. Constança, Inês de Castro nos descreve as sensações difíceis dos primeiros momentos, quando reconheceu que Pedro era sua alma afim, todavia casado com a amiga e benfeitora. O choque inesperado prendeu-a ao leito, enferma, por muitos dias.

A seguir, para entendermos melhor o drama vivido por Inês ( † ) após o encontro na Sé de Lisboa, apresentamos outro depoimento seu com a forte presença de Isabel de Aragão: ( † )

1 Depois da longa enfermidade, que a retivera no leito por diversos dias, Inês havia saído para o campo, pelas portas de Santo Antão, acompanhada de Ana, a mesma companheira que se lhe fizera camarista desde o solar de D. Tereza de Albuquerque, na Galiza, e de um fiel escudeiro da Casa Real.

2 Aquela era uma excursão campestre recomendada pelo médico, tocada de função terapêutica, que se realizaria a noroeste de Lisboa, e a aia da rainha fazia o passeio pela segunda vez.

3 Montados em animais mansos, os três viajantes viram o Infante D. Pedro surgir da vereda próxima e incorporar-se, de imediato, à pequena caravana. O escudeiro e Ana tomaram retaguarda discreta, e o Infante, solícito, encarregou-se de guardar a companheira.

4 A tarde era bela, e o sol do poente incidia sobre o verde das quintas bem cuidadas, imprimindo novo realce às rosas e jasmineiros, aos gerânios e rosmaninhos que embalsamavam a atmosfera de suave perfume.

5 D. Pedro falou à companheira da beleza dos céus muito azuis, e Inês salientou que, nos céus, a impressionava a presença do sol, que lhe parecia um tesouro de forças repartidas por Deus, sobre todas as criaturas, em partes iguais.

6 Ali estavam eles à frente de uma paisagem retratando a verdade do que afirmava. O homem no lar, o pássaro no ninho, o coelho em sua luta, a árvore sobre as raízes e a flor no caule recebiam do céu a mesma parcela de luz e calor, evidenciando a justiça que governa todos os seres e todas as coisas.

7 D. Pedro escutava os conceitos que ouvia, tomado de profundo interesse, e o diálogo entre os dois começou, profundamente expressivo e humano, não obstante os olhares de ardente amor que permutavam entre si.

— Inês — disse o infante — as suas palavras me fazem lembrar antigas conversações no regaço de minha avó, a Rainha Isabel. ( † )

8 Era eu muito criança, cercado de professores que me preparavam para os tempos do futuro, quando, tudo indica, devo eu substituir meu pai no trabalho de governar, quando minha avó me falava de assuntos dos quais os meus mestres nunca se lembravam…

— Como assim? — Disse a moça convalescente.

9 — Minha avó não se detinha tanto, como era de pensar, nas realizações de meu avô D. Dinis, ( † ) que adorava as artes, notadamente a de escrever, a par dos serviços que desenvolvia intensamente no reino, a fim de acordar o povo para o cultivo do solo. Minha avó vivia mais pela alma. Muitas vezes me disse que esperava de mim, quando eu crescesse, uma diretriz humana que não prejudicasse os plebeus em favor dos fidalgos.

10 Não sei por que confiava tanto num menino como eu, de tão tenra idade… Era muito versada no latim e traduziu para meu conhecimento ensinos de Jesus que me ficaram na memória.

11 D. Pedro, notando que a companheira cismava, continuou:

— Você não pode esquecer da luta imensa que houve entre meu pai e D. Afonso Sanches, ( † ) de quem sua tia Tereza é a viúva… Pois minha avó conseguiu colocar a paz, em nome de Cristo, entre eles!

12 A Rainha Isabel, muitas vezes, quando era um menino, me dizia ouvir as vozes de Santo Agostinho ( † ) e de Santo Antão, ( † ) quando estava no oratório, e me dizia que esses santos pediam a ela que pusesse, no meu coração, as ideias da justiça igual para todos, mas recomendava que eu não falasse disso a ninguém, para que os fidalgos não a considerassem louca.

13 Um dia, chamou D. Afonso Sanches, o filho bastardo do próprio marido, a fim de pedir-lhe perdão pelos ultrajes que sofria. Vi seu tio indireto ajoelhar-se-lhe aos pés e pedir-lhe para que o abençoasse. Ela ergueu-o delicadamente e autorizou-o a chamá-la por mãe, pois não o considerava bastardo, e sim filho dela própria.

14 — Meu Deus! — Exclamou a companheira emocionada — sua avó devia ser uma santa. Eu, que sou bastarda, sei quanto me dói o menosprezo que me atiram…

— Não para mim — disse o Infante — para mim você é a mais pura realeza…

15 Talvez para não esquecerem os ensinamentos da Esposa de D. Dinis, Inês falou comovidamente:

— Tantas ideias de justiça na rainha que veio de Aragão me assombram em tempos como os nossos…

16 D. Pedro acentuou, evocativo:

— Ela suplicava ao meu avô não olvidasse os humildes e os pequeninos, que repartisse terras, lembrando que não somente os nobres careciam delas. No inverno, determinava que as aias lhe trouxessem todas as roupas e agasalhos que estivessem de sobra no palácio e os distribuía, ela própria, nos lares em penúria…

17 E o Infante prosseguiu:

— Um dia pedi a ela para falar a meu pai daquilo que os santos lhe diziam no oratório, para que a justiça não demorasse a chegar… Ela respondeu que os tempos eram de muito ódio e de muita ambição entre os nobres e que o barulho da guerra não permitiria que o filho a ouvisse…

18 Inês espraiou o olhar pelo campo e comentou:

— Daria tudo para ter tido contato com a rainha D. Isabel. Ela deveria ter muitas lições para nos dar, muito consolo a repartir… Imagine. Uma rainha a falar de justiça e fraternidade, capaz de deixar o palácio para visitar as choupanas, capaz de abençoar um filho do rei, seu marido, com outra mulher…

19 — Em verdade, minha avó era assim, aduziu o príncipe.

— E se um dia, permitindo Deus, se a coroa do reino brilhar em sua cabeça, fará você a justiça que ela sempre desejou?

— Inês — ajuntou D. Pedro — ainda que eu morra serei justo. Se um dia for rei, os fidalgos não usurparão os infelizes, colocarei a justiça no reino.

20 Muita gente afirma que a minha avó não ouvia as vozes dos santos, que ela apenas sofria algum desequilíbrio, mas eu estou convencido de que a rainha minha avó falava a verdade. Ela colocou em meu coração um amor tão grande a Jesus que, às vezes, ao ver um mendigo, penso que é o próprio Cristo a me estender as mãos…

21 Se, um dia, quiser o Todo Poderoso que eu seja rei, farei a justiça reinar para todos. Você não será bastarda porque será rainha…

— Senhor, que me diz? — Aventou a moça, assustada.

22 D. Pedro envolveu-a num olhar de imensa ternura e considerou:

— Inês, sou um homem moço, mas tenho sofrido muito… A princípio, casaram-me com D. Branca de Castela, ( † ) pobre menina doente de sete anos, guando eu contava apenas oito de idade…

23 Verificando-se que D. Branca era uma pequena enferma, desfez-se o enlace, e, mais tarde, casaram-me com D. Constança Manoel… ( † )
Você compreende? Casaram-me…

24 E se eu… e se eu quisesse agora casar-me com você?

A interpelada ruborizou-se e protestou:

— D. Constança é a futura rainha, sua esposa. Não me sinto com forças para destituí-la da posição que ocupa ao seu lado.

25 Não posso trair quem me beneficiou tanto, trazendo-me à sua presença… Mas também não estou em condições de negar-lhe o que me peça… Senhor, que desígnios são esses que me trazem a Portugal?

26 Minha mãe morreu cedo, quando passou pelo desgosto de me ver arrancada aos seus braços, porque eu nasci mulher, e meu pai apenas deixava com minha mãe os bastardos que fossem homens.

27 Ele queria que eu tivesse uma educação semelhante à de minha irmã D. Joana, filha legítima de sua esposa, a infanta D. Isabel, ( † ) e me entregou à minha tia Tereza, viúva de D. Afonso Sanches, ( † ) que não tinha muito tempo senão para tramar com os mouros movimentos que hostilizassem seu pai, El-Rei D. Afonso.

28 Vivi entre professores galegos e portugueses. Considerei um prêmio aos meus sofrimentos ser convidada por D. Constança Manoel — de quem sou também prima bastarda — para acompanhá-la, na condição de aia do seu séquito. Não posso trair a minha benfeitora, motivando a separação do casal ao qual devo tanto…

29 Apesar disso, senhor, quero dizer-lhe que o amarei até a morte e até para além da morte… Se não posso enganar a infanta, não posso enganar meu próprio coração.

30 Como recusar-lhe o meu amor se lhe pertenço… Faça de mim o que o senhor Infante quiser… Ordene, e seguirei o que me ditar…

31 Não posso trair D. Constança porque também amo a Jesus e não posso trair minh’alma porque minh’alma lhe pertence…

32 Fale, senhor, o que me cabe fazer, e farei… Poderei, um dia, pertencer-lhe, trabalhando pela justiça e pela fraternidade, conforme as ideias da rainha que lhe foi mentora e avó angélica.

33 E, chorando, Inês acrescentou:

— Dizem que a rainha D. Isabel chegou a transformar pães em rosas…

34 Quem sabe, um dia, pertencendo eu ao senhor infante, poderei distribuir pães e rosas em seu nome? Não será também dar-lhe a minha vida, que é sua, ensinando a justiça e a fraternidade em seu reino?

35 Senhor — e a voz de Inês se fez mais lacrimosa — não duvide de quanto o amo. Não desejo separá-lo da Infanta D. Constança, mas pertenço-lhe… Se um dia surgir no caminho em que eu deva morrer pelo amor que lhe tenho, esteja certo de que morrerei para amá-lo cada vez mais…

36 D. Pedro contemplou-a com os olhos molhados e abraçou-a, mas o escudeiro falou no horário de volta.

37 O palácio esperava. Era preciso guiar os animais em sentido contrário e partir.

Inês de Castro

Caio Ramacciotti


Texto extraído da 35ª edição desse livro, revisto e ampliado pelo autor.

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